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Toribio, da IESE: A urgência do ajuste fiscal espanhol

Camila Almeida Na última semana, o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, foi reeleito para o cargo após longos dez meses de indefinição – em que ocupou o cargo interinamente. O problema: como nenhum candidato conseguia reunir maioria no Congresso, ninguém podia assumir a chefia de governo. A definição se deu em outubro, quando o Partido Socialista Operário […]

JUAN JOSÉ TORIBIO: Economista fala sobre as perspectivas para o novo mandato de Mariano Rajoy, eleito primeiro-ministro após dez meses de indefinição / IESE Business School / Divulgação

JUAN JOSÉ TORIBIO: Economista fala sobre as perspectivas para o novo mandato de Mariano Rajoy, eleito primeiro-ministro após dez meses de indefinição / IESE Business School / Divulgação

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Da Redação

Publicado em 7 de novembro de 2016 às 16h41.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h43.

Camila Almeida

Na última semana, o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, foi reeleito para o cargo após longos dez meses de indefinição – em que ocupou o cargo interinamente. O problema: como nenhum candidato conseguia reunir maioria no Congresso, ninguém podia assumir a chefia de governo. A definição se deu em outubro, quando o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), mais importante partido de esquerda do país, cedeu e decidiu se abster da votação para abrir caminho para o Partido Popular, de Rajoy.

Agora, o cargo de primeiro-ministro está ocupado, mas o Congresso segue polarizado – e não será fácil aprovar pautas. A mais urgente é a do ajuste fiscal. Até 2018, a Espanha precisa cumprir as metas orçamentárias estabelecidas pela União Europeia, sob o risco de ter os fundos europeus congelados e ainda ter que pagar multa.

Para discutir o impacto desse cenário político na economia espanhola, EXAME Hoje conversou com o economista Juan José Toribio, professor licenciado da IESE Business School. Ele participou do programa internacional de taxação de Harvard, é PhD em economia pela Universidade de Chicago e já trabalhou como diretor no Ministério da Fazenda espanhol e do FMI. Na entrevista, Toribio falou sobre os desafios do novo governo, a política econômica de Rajoy, do referendo na Catalunha e das reformas necessárias para conter o déficit público.

O primeiro-ministro Mariano Rajoy agora, oficialmente, assume o cargo. A pauta dita prioritária é a aprovação do teto de gastos. Com essa reeleição, o caminho para a aprovação será mais fácil?

Vai continuar sendo muito difícil. O que ele tem que fazer é reduzir o déficit do setor público e definir o projeto de governo de acordo com o calendário que havia sido aprovado em Bruxelas pela Comissão Europeia. Segundo este calendário, o déficit do governo espanhol em 2016 não devia ser superior a 2,8% do PIB. Entretanto, este ano, o déficit deve chegar a 5%. Para 2017, é preciso apresentar uma lei orçamentária que reduza drasticamente esse déficit. E, para isso, há duas alternativas: reduzir o gasto público ou aumentar impostos. Ambas as coisas vão ser muito difíceis de acordar com outros partidos.

Espera-se que a contenção de gastos precise ser de, pelo menos, 15 bilhões de euros de contenções nos gastos para conseguir cumprir as metas estabelecidas pela União Europeia para os próximos dois anos. A conta fecha?

Se a Espanha cumprir o calendário estritamente como estava aprovado junto a Bruxelas, em 2017, o déficit orçamentário deveria ficar na casa de 1% do PIB. O governo já comunicou que vai fazer o possível para que não seja superior a 3,6%. A diferença é de 2,5 pontos percentuais – e isso são 25 bilhões de euros. Porém, estamos trabalhando com uma possibilidade de conseguir algo como 3%, não está definido. De qualquer forma, não é possível conseguir nada que fique abaixo de 2%, e isso já são 20 bilhões de euros de contenção até 2018. É muito complicado.

Em que setores devem ser feitos esses cortes?

Há dois pontos fundamentais. Um é a seguridade social. Que inclui, sobretudo, os gastos com aposentadorias. De alguma forma, é preciso reformar o regime de pensões da Espanha através do pacto de Toledo, que é um pacto que havia sido firmado basicamente entre o Partido Popular e o PSOE em 1995, mas eles têm que se reunir outra vez para definir como pode ser reduzido esse déficit. Talvez prolongando a idade de aposentação, talvez aportando outros impostos à seguridade social. Esse é um dos temas. O outro tema importante são as comunidades autônomas, que são equivalentes aos estados no Brasil. As comunidades têm um déficit importante que provém, sobretudo, de seu expressivo gasto com saúde e educação – e não é fácil cortar nesses setores. O governo central também precisa rever os gastos de funcionamento, mas eles terão que avaliar quais os gastos podem e devem ser reduzidos. Os gastos com defesa, por exemplo, são muito pequenos na Espanha, mas há quem ache que é possível reduzir. Estes são os pontos fundamentais que temos a curto prazo. 

Qual o problema com o sistema de pensões?

Na Espanha, se gasta 1,2 bilhão de euros com 9 milhões de pensionistas, numa população de 45 milhões. A aposentadoria funciona num sistema de reparte absoluto, não é um regimento de capitalização, como o que há no Chile, é mais parecido com o sistema dos Estados Unidos. As aportações atuais são de 20% das contas públicas para pagar os aposentados. Mas não se está fazendo nenhum programa de capitalização, esse é o problema.

 

Como essa contenção tão austera de gastos públicos pode impactar o desenvolvimento?

Para 2016, espera-se que a economia espanhola termine com um crescimento de 3,2%, mas, para 2017, todas as previsões apontam para um crescimento menor, entre 2,2% e 2,5%. Este crescimento menor é o preço que se tem que pagar pela redução do déficit público. Está calculado que o impacto pode ser de cerca de 0,5 ponto percentual no PIB.

Hoje, a Espanha é a economia que mais cresce na União Europeia, depois de ter passado por uma grave crise econômica. Que reformas já foram feitas para que a situação econômica tenha melhorado?

É muito importante falar da reforma que foi feita no mercado de trabalho, que flexibilizou as relações laborais. Estão sendo criados muitos empregos. Oficialmente, a taxa de desemprego é de 18% [em 2013, era de 26%]. Mas a esquerda, o partido socialista e os sindicatos querem voltar atrás. Antes, era mais caro demitir. Agora, com essa flexibilização, é mais fácil que os trabalhadores cedam aos interesses e se acomodem mais às empresas – e é óbvio que os sindicatos estão insatisfeitos com isso. A reforma tem sido melhor para a geração de emprego, mas os sindicatos defendem que são empregos de pior qualidade. Eu creio que esse vai ser um dos pontos mais espinhosos e difíceis nos acordos do governo com a esquerda. É uma pressão que a esquerda pode fazer para aceitar negociar outros temas.

Os socialistas defendem uma mudança na tributação, com taxação maior sobre os que mais ganham, para aumentar a arrecadação e reduzir o déficit. É uma possibilidade?

Seria uma possibilidade. Como a economia espanhola está crescendo rapidamente, para acima de 3%, o governo confia que esse crescimento econômico já proporciona mais ingressos tributários, sem a necessidade de subir muito os impostos. Mas terá que subi-los. Um primeiro candidato poderia ser o Imposto de Valor Agregado (IVA), que na Espanha é de 21% e, em outros países da União Europeia, como Portugal, é de 23%. Há vários artigos que têm a tarifa de imposto reduzida, como educação e comida. Não é fácil de subir, mas algo poderia ser feito aí. Outra possibilidade é em relação ao aumento do imposto sobre a renda das pessoas físicas. Na Espanha, a taxação já é muito progressiva, mas, se é preciso um acordo com os socialistas, é possível subir um pouco a tributação para as rendas mais altas. O governo prefere não ter que fazer isso – e vai tratar de não fazê-lo.

E sobre as pessoas jurídicas?

Esses vão subir. O governo, enquanto ainda era provisório, já avisou que faria. O que está em discussão é um aumento de impostos sobre os lucros esperados para o ano seguinte. Assim, as empresas pagam os impostos antecipadamente a uma taxa que, na Espanha, já é relativamente alta, em torno de 25%, mas não há muitas deduções em créditos fiscais. Nesse ponto é mais fácil chegar a algum acordo.

A União Europeia ameaçava aplicar uma multa de 2 bilhões de euros à Espanha, por não ter conseguido reduzir o déficit do ano passado.  Agora, após negociações, a multa é zero. Essa mudança na postura da comissão pode ser avaliada como uma vitória de Rajoy? Os fundos europeus ainda podem ser congelados?

Sim, é uma boa questão de Rajoy, mas a União Europeia, no momento atual, depois do Brexit, não está em condições de exigir grandes sacrifícios fiscais dos governos. Esse era um acordo propício. Os fundos não estão congelados, mas podem ficar se não se chegar a um acordo em relação ao orçamento de 2017 com a União Europeia. Essa é uma das cartas que Rajoy tem na mão para convencer o resto dos partidos. Ele deve afirmar que reduzir o déficit orçamentário é o único remédio para evitar uma multa da União Europeia e o congelamento dos fundos, e que isso exige sacrifícios. 

A lei orçamentária é chamada de Lei dos Pressupostos, certo? Como ela funciona?

É uma lei para um ano, sempre. Mas, em caso de não se chegar a um acordo a tempo – o prazo para aprovação da lei é 31 de dezembro – o pressuposto do ano anterior é automaticamente prorrogado. De maneira que a administração pode gastar o mesmo que no ano anterior, mas não mais. Por isso, é importante aprovar os pressupostos, mas se não for possível fazê-lo, tampouco seria o fim do mundo, uma catástrofe. A administração continuaria funcionando, com os pressupostos do ano anterior. Mas, como eu disse antes, a questão do déficit é muito importante – e não só por exigência da União Europeia, mas porque a lógica econômica também pede uma redução.

 

Por enquanto, não se sabe se terá que ser feito um ajuste para muito mais anos, sim? A pretensão é focar em 2018.

Sim.

No Brasil, também estamos falando de ajuste fiscal, mas falando para 20 anos.

20? (Risos). Em 20 anos podem acontecer muitas coisas na política…

Falando em política, outro desafio importante do governo será a questão do referendo na região da Catalunha, que quer se tornar independente. É possível que a separação aconteça?

Esse é um problema importante que temos na Espanha. Não é de se esperar que haja uma ruptura. O lógico é que o novo governo entre em negociação com o governo da Catalunha para tratar de encontrar uma solução para as tensões. A Catalunha representa quase 20% do PIB espanhol, é muito importante para a economia; mas para a Catalunha também é muito importante o mercado do resto da Espanha. Ambas as partes têm interesse em entrar num acordo econômico e, ao menos por enquanto, pode estabilizar a situação. Também passam por esse problema a Escócia e o Reino Unido, Québec, no Canadá. É um problema de 20 anos. Como você disse, agora teríamos que chegar num acordo para 20 anos… (risos) Não sei se está previsto tanto.

 

 

Mariano Rajoy é primeiro ministro desde 2011. Como se avalia o governo que ele fez até agora e o se pode esperar deste segundo mandato?

A questão econômica do governo de Rajoy tem sido muito boa. Eles pegaram, em 2011, um país absolutamente em crise, com recessão do PIB, crescimento muito forte do desemprego, déficit muito alto na folha de pagamentos da administração pública. Uma economia em situação muito delicada. Ao longo desses anos, à custa de um sacrifício, foram capazes de mudar radicalmente a situação. Hoje a Espanha é um país que está crescendo acima de 3%, é o país da Europa que mais está criando empregos, é uma economia sem inflação, com superávit na balança comercial. Ainda tem um déficit muito alto no setor público, mas que é muito menor que tinha em 2011 [quando chegou a 9%]. A mim, parece que o sucesso da administração na questão econômica não se discute. A questão é: aonde ir a partir daqui? O que se discute é se os sacrifícios que foram colocados na Espanha foram repartidos de forma equitativa e se é preciso mudar a distribuição dos esforços.

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