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Será o fim da gasolina?

Mandioca, soja, pinhão, microalgas e cana modificada geneticamente movem os projetos brasileiros de biocombustíveis

EXAME.com (EXAME.com)

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Talita Abrantes

Talita Abrantes

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h37.

Sem políticas de contenção efetivas, em 2030 teremos 49 milhões de veículos nas ruas brasileiras contribuindo para as 40,4 bilhões de toneladas (39% a mais do que o registrado em 2006) de gás carbônico despejados na atmosfera no mundo.

Mas existem caminhos para, pelo menos, amenizar esse cenário sombrio que cada dia assume formas mais claras e assustadoras. O Brasil possui condições de diminuir os níveis de liberação de CO2 nos próximos 21 anos transformando o alimento que sai da terra em combustível. Produtos comuns à nossa mesa, como mandioca, abacate e óleo de soja, estão virando alternativas para uma frota veicular mais verde. Mas, como era de se esperar, as maiores apostas para uma matriz energética mais limpa estão no etanol oriundo das mais de 500 milhões de toneladas de cana-de-açúcar produzidas na atual safra.

Desde a criação do Proálcool (Programa Nacional do Álcool), em 1975, estima-se que os carros brasileiros deixaram de jogar 800 bilhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera, de acordo com dados do Ministério de Minas e Energia. Para Ricardo Dorneles, diretor do departamento de combustíveis renováveis do ministério, essa diminuição pode crescer. "Pretendemos chegar em 2030 com a participação de 19% do etanol em nossa matriz energética. O índice atual é de 14%", prevê. "Tendo em vista que iremos dobrar a produção de energia até lá, a perspectiva é de que o consumo de álcool cresça mais que o dobro."

Para acompanhar essa tendência, pesquisadores estão apostando em estratégias que vão desde melhorias genéticas para que a cana produza mais sacarose até um novo procedimento de produção de etanol a partir do bagaço da cana. "No futuro teremos o sequenciamento genético das enzimas utilizadas, o controle de como elas são produzidas, além do genoma da planta. Haverá uma combinação de processos para chegar a uma quarta geração de etanol, teoricamente mais eficiente", descreve Marcos Buckeridge, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Biotecnologia para o Bioetanol e diretor-científico do Centro de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE).


Etanol 2.0

Por enquanto, as expectativas estão voltadas para o chamado etanol de segunda geração, ou celulósico, feito no Brasil a partir do bagaço da cana. Hoje, o álcool que chega aos postos de combustível do país é feito, basicamente, a partir da fermentação da sacarose da cana-de-açúcar.

O de segunda geração, por sua vez, utilizará enzimas para quebrar as moléculas de celulose do bagaço em glicose. Acredita-se que esse procedimento eleve a produção do álcool brasileiro em até 40%, segundo estudo do CTBE.

Nos Estados Unidos, o governo pretende investir, até 2013, 1 bilhão de dólares em refinarias de etanol celulósico. Lá, o foco está na palha de milho e em um capim chamado switchgrass. "A palhada do milho hidrolisa (sic) de uma maneira mais fácil que o bagaço, mas é preciso investir em toda uma logística para trazê-la do campo para a refinaria. A vantagem do Brasil é que o bagaço já está dentro da usina", compara Pedro Luiz Fernandes, presidente regional da Novozymes Latin America. Pioneira nesse ramo, a empresa dele, com sede na Dinamarca, pretende começar a produzir etanol dos resíduos do milho nos Estados Unidos já no próximo ano. Com investimentos da União Europeia, a perspectiva é de que em 2015 a filial brasileira já produza esse tipo de etanol.


Pré-sal verde?

Ainda tímida nesse setor, a Petrobras já prevê o etanol celulósico no seu catálogo de produtos do futuro. De acordo com o presidente da Petrobras Biocombustíveis e ex-ministro de Desenvolvimento Agrário, Miguel Rosseto, a ideia é começar a produzir álcool convencional até o final do ano, como sócia minoritária.

A empresa, considerada uma das maiores do mundo no mercado de petróleo, lançou seu braço de biocombustíveis em junho do ano passado e já está produzindo biodiesel em suas três usinas. A proposta é investir, até 2013, 2,4 bilhões de dólares na produção de biodiesel e etanol.

Uma das estratégias é direcionar parte desses investimentos para matérias-primas alternativas ao óleo da soja, responsável por cerca de 85% da produção de biodiesel. "Em cinco anos teremos uma mudança significativa nesse quadro, primeiramente com a entrada do óleo de dendê, e secundariamente com alternativas regionais, como girassol, canola, macaúba e, no longo prazo, pinhão-manso", afirma Rosseto.


Pinhão aeronáutico

Com capacidade para gerar 1 500 quilos de óleo por hectare, três vezes mais que a soja, o pinhãomanso foi apontado recentemente pelo Instituto Pike como uma das principais matérias-primas para o mercado de biocombustíveis dos próximos anos.

O primeiro desafio, contudo, é domesticá-lo. "Criamos um banco de germoplasmas da espécie e estamos estudando quais os procedimentos para o cultivo", explica o pesquisador da Embrapa Agroenergia Bruno Laviola.

Apesar desse obstáculo, um combustível à base de pinhão-manso e de algas ocupou metade do tanque de um Boeing 737-800 da Continental Airlines durante um voo de duas horas em janeiro deste ano — a outra metade foi completada com querosene. Essa foi a maior quantidade de biocombustível já usada em um vôo. Na ocasião, o presidente da Continental Airlines, Larry Kellner, divulgou que num prazo de cinco anos as aeronaves da empresa seriam abastecidas com combustíveis verdes.

O óleo de microalgas é outra aposta do mercado de biodiesel. Só em projetos ligados à espécie, o Ministério de Ciência e Tecnologia já investiu 4,5 milhões de reais. Uma das pioneiras nos Estados Unidos a obter combustível a partir de microalgas, a PetroAlgae pretende construir até o final do ano unidades comerciais de até 5 mil hectares. "Na última década, o principal foco era desenvolver tecnologia para grãos como soja e milho para produção de biocombustíveis", observa Andy Beck, vice-presidente de Relações Públicas da empresa. "Mas essas culturas não são eficientes no uso da terra, água e energia. As culturas de microorganismos, como angiospermas e cianobactérias são, assim, uma alternativa mais eficaz ao petróleo". De acordo com ele, cada acre de microalgas é capaz de consumir até 50 milhões de toneladas de gás carbônico por ano.

Presidente da Tecbio e criador da primeira patente de biodiesel do Brasil, Expedito Parente vê com ressalvas todo esse otimismo. "A produtividade é enorme, elas podem ser cultivadas próximas tanto de água doce quanto de salgada, não só nos trópicos, mas também nas terras temperadas. No entanto, não encontramos confiabilidade nas soluções que nos apresentaram à contaminação de outros microorganismos."


Fritura ecológica

Uma solução mais simples para a produção de biocombustíveis, contudo, está mais próxima do que você imagina — exatamente na sua cozinha. Em Brasília, a Embrapa Agroenergia está construindo uma usina de processamento de resíduos de óleo vegetal com capacidade para gerar até 5 mil litros de biodiesel por dia.

A coleta, feita em bares e restaurantes, já está sendo realizada. "O óleo vegetal é responsável por 80% do custo do biodiesel. Essa solução, além de baratear o produto final, resolve o problema da presença desse poluente na rede de esgoto", avalia José Dilcio Rocha, coordenador do projeto.


A gente não quer só comida

Cana-de-açúcar e soja são as matérias-primas mais usadas na produção de etanol e biodiesel no Brasil. Mas esse quadro mudará com o aproveitamento de outras matérias-primas:

MANDIOCA - Com enzimas, o amido da mandioca poderá viral etanol de segunda geração;

ABACATE - Além do óleo extraido da polpa e da casca, é possível produzir etanol a partir do caroço da fruta;PINHÃO-MANSO - Produz frutos por mais de 40 anos e tem potencial para gerar mais de 1 500kg de óleo por hectare;

DENDÊ - Por ano, gera até 2 mil Kg de óleo por hectare. O azeite também pode ser convertido em biodiesel;

MACAÚBA - Mudança genética na semente aumentou a germinação de 3% para 80%;

MICROALGAS - Estudo aponta que microalgas do litoral brasileiro podem produzir até 90 mil Kg de óleo por hectare


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