O Presidente da Rússia, Vladimir Putin (MIKHAIL KLIMENTYEV / Colaborador/Getty Images)
Já se passaram de cinquenta e quatro dias desde que a Rússia invadiu a Ucrânia.
Cinquenta e quatro dias de mortes, operações militares, tensões e sanções internacionais.
E são as sanções econômicas a arma com que o Ocidente tenta encurralar o presidente russo, Vladimir Putin, tentando fazê-lo desistir da conquista do país vizinho.
Para a presidente do Banco Central russo, Elvira Nabiullina, as sanções até agora afetaram principalmente o mercado financeiro, "mas agora começarão a afetar cada vez mais a economia".
"Os principais problemas estarão associados às restrições às importações e à logística do comércio exterior e, no futuro, às restrições às exportações", explicou a economista, salientando como as empresas russas precisariam se adaptar.
Entretanto, pouco menos de dois meses após a eclosão do conflito, há uma pergunta que se torna cada vez mais insistente: as sanções contra a Rússia realmente funcionam?
Quase todos os analistas, desde o início, explicaram que o efeito dessas proibições de comércio será visível no longo prazo.
A Rússia tem um Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 1,8 trilhão (cerca de R$ 8,1 bilhões), e talvez por isso fosse previsível que sua economia não entraria em colapso em poucos dias.
Além disso, Putin está aproveitando os recursos mais importantes do país: suas reservas de petróleo e gás natural.
E a dependência de muitos estados europeus desses dois produtos não é uma mera opinião, é um fato.
Sem esquecer que desde 2014, ou seja, desde que Putin teve que enfrentar as primeiras sanções ocidentais pela anexação da Crimeia, a Rússia adotou políticas para se preparar contra possíveis novas sanções internacionais.
Mas além do que será a evolução do sistema de sanções contra Moscou, atualmente parece que o Ocidente não está agindo de forma homogênea com essas penalidades.
Os números mostram isso claramente.
Na segunda metade da década de 1980, cerca de 200 empresas ocidentais se retiraram da África do Sul em protesto contra o apartheid.
À medida que as empresas deixaram o país, o então presidente, Pieter Willem Botha, ficou sob crescente pressão.
Com isso, a crença comum é que o êxodo das multinacionais contribuiu para o fim do apartheid, tornando-se uma demonstração extraordinária do poder - até político - das empresas.
Tudo isso, hoje, também está acontecendo na Rússia.
De acordo com dados coletados pela Yale School of Management, cerca de 600 multinacionais anunciaram que estão reduzindo ou encerrando suas operações na Rússia.
Estão fazendo isso para respeitar as imposições jurídicas das sanções, mas também por uma questão ética e de imagem.
Permanecer na Rússia transforma essas indústrias em um alvo fácil de críticas. Especialmente de concorrentes.
Por outro lado, ainda hoje existem mais de 200 empresas que continuam operando na Rússia e não têm planos para parar suas atividades.
Algumas dessas empresas fizeram doações para organizações internacionais de ajuda humanitária ou anunciaram reavaliações, mesmo sem fornecer detalhes, das operações na Rússia.
Entretanto, o que é evidente é que, até o momento, não tomaram medidas concretas para suspender ou reduzir suas atividades no país.
Além disso, as sanções internacionais contra a África do Sul começaram em meados dos anos 1970. E o apartheid acabou somente na metade dos anos 1990. Ou seja, um país com um PIB muito menor e com muito menos recursos conseguiu "resistir' por 20 anos. A Rússia poderia segurar muito mais do que isso.
Além disso, existem casos emblemáticos que mostram com as sanções nem sempre seriam respeitadas.
Nos primeiros dias dessa guerra, as notícias focaram muito na despedida da Rússia de alguns gigantes, como o McDonald's, e na interrupção das operações das bandeiras de cartões de crédito Visa e Mastercard.
Hoje, cinquenta dias depois do começo do conflito, a realidade parece um pouco diferente.
Por exemplo hoje ainda é possível comer um Big Mac na Rússia.
Isso pois dos 850 restaurantes localizados no país, mais de 100 são franquias, e continuam funcionando sem problemas, já que a McDonald's só fechou os restaurantes próprios.
Situação semelhante diz respeito a outras duas cadeias de restaurantes: Burger King e Papa John's.
Novamente, devido a acordos de franchising, ambas têm permanecido impotentes perante a manutenção de alguns restaurantes.
No que diz respeito aos cartões de crédito Visa e Mastercard, a suspensão total dos seus serviços parece não ter acontecido.
Segundo uma fonte da EXAME Invest que mora em São Petersburgo, e que prefere se manter anônima por questões de segurança, "os cartões de crédito já emitidos continuam funcionando, mas apenas para operações dentro da própria Rússia".
Além disso, tendo bloqueado as novas emissões, as datas de validade desses cartões foram adiadas para 2027.
Por último, a proibição para os navios comerciais russos de entrar em portos da União Europeia, decidida pelo bloco na última semana, também tem um efeito limitado.
Isso pois existem poucos barcos com a bandeira da Federação Russa e, de qualquer forma, a UE abriu muitas exceções para não afetar o fornecimento de energia, metais e produtos agrícolas.
Por último, os serviços de Internet ocidentais ainda são utilizáveis na Rússia graças às VPNs.
No caso da Apple, marca muito procurada no país, o site oficial não permite a compra de iPhones e outros produtos.
Mas após um fechamento inicial, as lojas re: Store, que são as principais revendedoras de produtos da Apple na Rússia, reabriram.
E hoje é possível comprar iPhones a preços mais ou menos normais, após a recuperação do câmbio do rublo.
Para os russos, atualmente, o endurecimento das sanções não é muito sentido.
Claro, existe uma inflação bastante difusa de cerca de 20% desde que a guerra começou.
E o que realmente mudou diz respeito ao setor de viagens, agora quase impossíveis, por causa do bloqueio de rotas aéreas.
Mas esse não é um grande problema para o russo médio, que mesmo antes do começo da guerra não viajavam com frequência.
Em suma, hoje a Rússia é um país bastante isolado. Mas as sanções internacionais parecem não estar tendo o efeito que o Ocidente esperava.
Difícil pensar que serão suficientes para acabar com a guerra na Ucrânia. Ou, pior, para retirar Putin da Presidência da Rússia.