Solução para Venezuela está na política, não na economia, diz pesquisador
Para Eduardo Rios, da Sciences Po, países vizinhos precisam fazer pressão política sobre o governo de Maduro, mas aceitar que chavismo continuará no poder
Da Redação
Publicado em 23 de junho de 2018 às 09h13.
Última atualização em 23 de junho de 2018 às 10h06.
No início deste mês, um relatório do Conselho Norueguês de Refugiados (NRC, em inglês), afirmou que a Venezuela estava entre os dez mais negligenciados do mundo. Era o primeiro país da América do Sul a ocupar uma posição na lista. Na sequência, membros do Mercosul – organização bilateral composta por Brasil Argentina, Uruguai, Paraguai – se reuniram para discutir a crise econômica da Venezuela. A única conclusão tirada do encontro foi de que os países deveriam ficar “atentos” ao país. Esta atenção, para o pesquisador venezuelano do Observatório Político da América Latina e do Caribe, do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po), Eduardo Rios, é uma prova de como o país está sendo negligenciado pela comunidade internacional.
Para ele, a pouca ação dos países latino-americanos está atrelada a uma errada percepção de qual seria a melhor solução para a Venezuela. E a solução, segundo ele, não está no campo econômico, mas sim no político e na revisão das estruturas do regime chavista, instaurados na época do ex-presidente Hugo Chávez, mas que serão difíceis de serem eliminadas.
Os países membros do Mercosul se encontraram e afirmaram estar preocupados com a situação na Venezuela, mas que permaneceriam cautelosos. O que isso significa?
Com Hugo Chávez, ainda havia uma discussão no campo democrático, porque seu governo ainda mantinha uma relação com o regime político. Claro, ele ganhava eleições que eram consideradas fraudulentas, controlava juízes, conseguia colocar familiares no poder. Mas tudo isso estava dentro de uma zona cinzenta da democracia. Já Maduro não está inserido neste sistema, mas sim em um regime autoritário.
Esse ponto de quebra começou depois que Maduro assumiu a presidência e instaurou uma série de decretos, mudou os ministros e criou uma Assembleia Constituinte para tirar o poder da Assembleia Nacional, que tinha uma maioria de oposição ao seu governo. Ai já conhecemos a história: dura repressão às manifestações estudantis e a caçada à oposição.
Com isso, restam, sob o ponto de vista dos líderes latino-americanos, somente duas soluções: intervenção militar ou uma confrontação econômica. Nenhum dos países do Acordo de Lima, nem do Mercosul têm vontade de uma opção militar. A outra opção seria a confrontação econômica. O problema é que a Venezuela só exporta petróleo, e só os EUA compram. Não há uma economia forte que o país mantém com seus vizinhos. Em algum momento alguém vai ter que dizer que as situações políticas não funcionaram porque elas estão concentradas em soluções econômicas: combate ao narcotráfico, à corrupção, e auxílio humanitário. Todos estão concentrados em tratar o problema econômico. Então uma decisão econômica dos países latino-americanos não terá muito efeito.
E como seria essa negociação?
Toda a dinâmica na América Latina nos últimos 20 anos foi de realizar acordos econômicos. O único debate que fez foi em torno das eleições. E isso é só interessante em um sistema democrático. Tem que ser em torno nas estruturas de poder da Venezuela.
A negociação já ocorreu no passado, nos países que sofreram com as ditaduras, nas décadas de 60 e 70. Com o fim dos regimes autoritários, diversos líderes políticos passaram a atuar nesse processo de transição para a democracia. Acontece que os líderes que estão no poder dos países, hoje em dia, não atuaram nesse processo de transição, e por isso não entendem a importância dela. A pergunta essencial que esses líderes deveriam fazer é: como negociar a saída de Maduro e a manutenção das estruturas de poder do chavismo?
Todas as pessoas que já passaram por um setor que não querem deixar o poder, sabem que a resposta é simples: atacar o poder dar pessoas aos poucos, para que elas deixem o poder. Não é possível realizar uma ruptura radical da estrutura chavista na Venezuela, e isso não deveria ser vista com maus olhos. No final da ditadura brasileira, por exemplo, alguns militares corruptos permaneceram no poder, alguns ricos que ficaram ricos com o chavismo também continuaram no poder. Ou seja, algumas estruturas vão ficar para a seguinte fase, seja ela ditatorial ou mais democrática. Governo de transição é sempre ruim, mas é, para mim, a única solução possível para o país, neste momento.
E por que os líderes atuais não começam esse processo de transição?
Eles não têm know how político para fazer a transição. Lula foi um líder que atuou no processo de transição, no Brasil. Mas ele está preso. José Serra e FHC chegaram quando as estruturas já estavam estabilizadas. O PMDB, que é o partido do presidente Temer, era o partido de governo na época. Não só no Brasil, mas os outros países da América do Sul também não entendem a necessidade deste processo de transição. Ou seja, mesmo que eles tentem soluções em termos de direito humano e de economia, não vai atacar o principal problema, que é o regime autoritário de Maduro. O problema econômico não está sendo visto sob o ponto de vista político.
E Maduro, onde ficaria nesse processo de transição?
Com a morte de Chávez, uma ala mais radical do governo assumiu o poder. Maduro, membro desta ala, se manteve, e ainda colocou membros de sua própria família em cargos do governo. Ele poderia perder a presidência se houvesse uma oposição forte. Mas não é o caso. Metade dos líderes da oposição está no exílio ou na prisão, os líderes estudantis não querem ir para a política. Todos os líderes latino-americanos estão focados em acreditar que a situação econômica vai derruba-lo. Já faz 6 anos que está no poder, e mais de um ano de crise econômica, e ele não caiu. Pelo contrário, está mais forte no poder. A única saída seria oferecer algo em troca para sua saída. Se ele e sua família recebessem garantias de que não seriam condenados, talvez abriria uma porta de saída.
No domingo, o candidato de direita Ivan Duque foi eleito presidente da Colômbia. No Paraguai, o candidato Mario Abdo Benítez, também de direita, foi eleito. No Chile, o conservador Sebastián Piñera está no poder. Essa onda pode prejudicar ou facilitar o governo de Maduro?
O problema é que todo mundo tem a visão Disneylândia na qual a democracia estava aumentando. O cenário político internacional, desde o início do século, é de aumento das ditaduras, de redução das liberdades democráticas. Na volta da direita dos países da América do Sul, a Venezuela só conseguiu manter um partido de esquerda no poder mediante a uma ditadura.
Estamos em uma situação em que não há ninguém no mundo político que possa falar com o governo venezuelano. Por enquanto a situação é de bloqueio sustentável a longo prazo. A população vai morrer aos poucos. E o imperativo moral que seria salvar essa população encontra impasses ideológicos, que custam politicamente. Os líderes da América do Sul e a oposição vão ter que aceitar que certas partes do chavismo fiquem no poder. Nem todo mundo nos círculos intelectuais gosta da oposição. Mas o que vai fazer? Todo mundo quis entender a situação política venezuelana como algo polarizado. Para entender a Venezuela, vai ter que entender a multiplicidade política dentro dos exercícios de poder.
Existe alguma possibilidade de a Venezuela começar a aceitar ajuda humanitária, principalmente de alimentos e medicamentos?
Economicamente falando, os próximos anos serão piores que o passado. A população continua morrendo ou saindo do país. A única forma de fazer Maduro aceitar ajuda humanitária é dando promessas de que ele vai ficar no poder. A principal ajuda, porém, vai ser dada depois que resolver o problema principal do país, que é o problema político. Por enquanto, a única negociação que funcionou foi da República Dominicana, que negociou o reconhecimento da Assembleia Constituinte venezuelana em troca de ajuda alimentar para o país. Isso que os países latino-americanos têm que fazer: pressão política.