Palestinos queimam cartaz com imagem de Ariel Sharon, ex-primeiro ministro de Israel morto neste sábado (REUTERS/Ibraheem Abu Mustafa)
Da Redação
Publicado em 11 de janeiro de 2014 às 17h48.
Ramallah - Ariel Sharon era odiado por muitos palestinos como um inimigo impiedoso, que fez o que pôde para sabotar suas esperanças de independência ao liderar ofensivas militares contra eles no Líbano e nos territórios ocupados da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e ao favorecer a colonização, por Israel, das terras que eles onde eles pretendem construir seu Estado.
A notícia da morte do ex-primeiro-ministro israelense, neste sábado, oito anos depois de ele sofrer um derrame, provocou manifestações de satisfação. Alguns disseram lamentar que Sharon não tenha sido responsabilizado pelos atos que cometeu em vida.
"Ele queria apagar o povo palestino do mapa. Ele queria nos matar a todos, mas, no fim das contas, Sharon está morto e o povo palestino vive", disse Tawfik Tirawi, que era chefe do serviço de inteligência da Autoridade Nacional Palestina quando Sharon era primeiro-ministro.
Na Faixa de Gaza, Khalil al-Haya, dirigente do Movimento Islâmico de Libertação (Hamas), disse que Sharon causou sofrimento a gerações de palestinos. "Depois de oito anos, ele vai na mesma direção que outros tiranos e criminosos cujas mãos ficaram cobertas com sangue palestino", afirmou.
No campo de refugiados palestinos de Khan Younis, em Gaza, partidários de dois grupos militantes, a Jihad Islâmica e os Comitês Populares de Resistência, reuniram-se na rua principal e gritaram lemas como "Sharon foi para o inferno". Alguns queimaram retratos do ex-general e ex-primeiro-ministro; outros distribuíram doces para quem passava.
Como general do Exército israelense e como político, Sharon esteve no centro dos episódios mais controvertidos do conflito israelense-palestino.
Mesmo sua decisão, em 2005, de retirar tropas e colonos israelense da Faixa de Gaza, vista por muitos como um gesto conciliatório, foi, pelo menos em parte, um meio de consolidar o controle israelense de outro território tomado dos palestinos pela força a Cisjordânia, segundo um de seus mais próximos assessores na época.
Outros lembram que a retirada dos colonos israelenses permitiu que Israel passasse a lançar ataques aéreos e de artilharia contra Gaza sem o risco de atingir seus próprios cidadãos.
Ahmed Qureia, que foi um dos negociadores de paz palestinos e teve uma série de reuniões com Sharon em 1998, escreveu em um livro publicado em 2005 que o dirigente israelense "acreditava na lógica do uso da força". Qureia escreveu que saía daquelas reuniões com a convicção de que Sharon estava tentando torpedear qualquer possibilidade de um acordo que incluísse o estabelecimento de um Estado palestino.
O conflito com os palestinos foi o tema central da vida de Sharon. Na juventude, como soldado, ele comandou uma unidade de forças especiais que cometia assassinatos em retaliação por ataques realizados por árabes.
Depois da morte de uma mulher israelense e de seus dois filhos em um ataque palestino, a unidade de Sharon explodiu mais de 40 residências na aldeia de Qibiya, na área da Cisjordânia que na época era controlada pela Jordânia; 69 palestinos foram mortos naquela operação, quase todos civis.
Em 1982, depois de uma série de ataques de palestinos baseados no sul do Líbano, Sharon comandou a invasão do país vizinho, que estava em guerra civil desde 1975. Entre 16 e 18 de setembro de 1982, três meses depois da invasão, tropas israelenses que controlavam o entorno dos campos de refugiados palestinos de Sabra e Chatila permitiram que a Falange, uma milícia cristã, massacrasse centenas de civis palestinos.
Até agora não se sabe exatamente quantas pessoas morreram no massacre de Sabra e Chatila; as estimativas vão de 762 a 3.500. Uma comissão de investigação israelense rejeitou os argumentos de Sharon, de que não sabia o que aconteceria se ele permitisse que a Falange entrasse nos campos, e o general acabou afastado de seu comando e removido do serviço ativo.
No começo dos anos 1990, Sharon supervisionou um grande movimento de ocupação de terras palestinas na Cisjordânia por colonos israelenses. Ao fim daquela década, quando o governo israelense prometeu aos EUA que não estabeleceria novos assentamentos em terras palestinas, de modo a facilitar as conversações de paz com a Autoridade Nacional Palestina, Sharon exortou os colonos israelenses a tomarem mais terras na Cisjordânia, principalmente os topos de colinas, para de modo a impedir que algum dia as terras fossem partilhadas com os palestinos.
Em setembro de 2000, quando era líder da oposição direitista ao governo do Partido Trabalhista, Sharon fez uma visita simbólica a um dos mais importantes locais de culto do Islã, o Monte do Templo, em Jerusalém, onde fica a mesquita de Al Aqsa. A atitude provocou uma onda de protestos que escalou para um levante armado dos palestinos, que ficaria conhecido como a Segunda Intifada.
Aproveitando-se da radicalização que havia provocado, Sharon elegeu-se primeiro-ministro menos de um ano depois. Em 2002, depois de uma série de ataques palestinos com bombas, Sharon retomou as cidades e aldeias palestinas da Cisjordânia que haviam sido transferidas ao controle palestino em cumprimento aos acordos de paz de Madri (1991), Oslo (1993) e Camp David (2000), que governos israelenses anteriores haviam assinado com a Organização para a Libertação da Palestina (OLP).
Sharon também colocou seu arqui-inimigo Yasser Arafat, o líder da OLP, em virtual prisão domiciliar na sede da Autoridade Nacional Palestina em Ramallah, na Cisjordânia. Arafat havia recebido o Prêmio Nobel da Paz em 1994 junto com os israelenses Yitzak Rabin e Shimon Peres, por causa do acordo de paz de Oslo, no qual o líder palestino reconheceu pela primeira vez o direito do Estado de Israel de existir, em troca da promessa de negociações para a criação de um Estado Palestino.
Em 2004, Arafat foi acometido de uma doença misteriosa e o governo de Sharon impediu que ele fosse levado à Europa para tratamento. O governo israelense bloqueou o aeroporto de Ramallah e só permitiu que o líder palestino viajasse quando sua morte era vista como inevitável. Arafat morreu duas semanas depois, em novembro de 2004, em Paris. Há poucas semanas, o ex-deputado israelense Uri Avnery, do Bloco da Paz, disse estar convencido de que Sharon ordenou o envenenamento de Arafat.
De pessoas comuns a dirigentes, os palestinos têm memórias amargas de Sharon.
Em Qibiya, palco do ataque de retaliação de 1953, moradores disseram que ainda fazem uma marcha anual em homenagem às vítimas do ataque comandado por Sharon. Hamed Ghethan, de 65 anos, que era uma criança na época do ataque, disse lamentar que Sharon e outras pessoas envolvidas naquela operação tenham escapado sem punições. "Esperávamos que o mundo ouvisse a nossa voz e os julgasse", afirmou.
Leah Whitson, diretora do Human Rights Watch para o Oriente Médio, disse que "é uma pena que Sharon tenha ido para o túmulo sem enfrentar a Justiça por seu papel em Sabra e Chatila e por outros abusos. Sua morte é mais um lembrete amargo de que anos de virtual impunidade por suas violações dos direitos humanos não fizeram nada para tornar mais próxima a paz entre israelenses e palestinos".