OPINIÃO: Eleições na Colômbia: mais uma veia exposta da América Latina
Em artigo, Maurício Moura, presidente do instituto IDEIA, diz que a Colômbia sai das urnas dividida e a disputa no segundo turno será altamente imprevisível e difícil para os candidatos Gustavo Petro e Rodolfo Hernandez
Da Redação
Publicado em 30 de maio de 2022 às 06h15.
Última atualização em 30 de maio de 2022 às 09h02.
Por Maurício Moura*
Publicado em 1971, o livro “ As Veias Abertas da América Latina”, do uruguaio Eduardo Galeano, tornou-se uma obra tão famosa quanto controversa. A obra esmiúça 400 anos de exploração dos recursos da região, desde a conquista europeia até à segunda metade do século XX. Uma história de colonização para explicar o ciclo de pobreza e exclusão da América Latina.
Fique pode dentro de tudo das Eleições 2022 e veja as pesquisas eleitorais EXAME
A ideia central era “simples”: demonstrar que a pobreza, o sofrimento e o subdesenvolvimento não são um estado natural da América Latina, mas sim o fruto da depredação histórica e contínua por países como a Espanha, Reino Unido ou Estados Unidos, em conluio com as elites locais. Uma narrativa que se repete em diversas eleições nacionais contemporâneas latino-americanas.
E não foi diferente na disputa presidencial colombiana. Gustavo Petro e Rodolfo Hernandez irão disputar o segundo turno. O êxito de ambos expõe três profundas veias abertas: o populismo, a popularização e a crise constitucional.
A Colômbia não é pioneira e muito menos monopolista na oferta de candidatos que prometem mudanças estruturais (e muitas vezes inviáveis) ou que se auto intitulam os salvadores da apocalipse contra o sistema de elites vigente.
A julgar pela maioria das candidaturas que alcançaram a segunda volta no Peru, Chile e Colômbia, o continente sofre com soluções fáceis para problemas complexos. A disputa colombiana coloca frente a frente, dois modelos políticos que flertam fortemente com o populismo. Gustavo Petro, ex-prefeito de Bogotá, ex-guerrilheiro e representante da tão sofrida esquerda local.
Não custa lembrar que a esquerda nunca venceu um pleito presidencial no país e ainda teve presidenciáveis assassinados ao longo da história. Seu adversário será o engenheiro e empresário Rodolfo Hernandez (que se auto declara “de fora da política”) e é chamado de “Donald Trump colombiano”. Qualquer semelhança com outros países não é mera coincidência.
A disputa no segundo turno será altamente imprevisível e difícil para ambos. A Colômbia sai das urnas divida por inúmeras variáveis: região, idade e classe social. Petro obteve 40% dos votos válidos, mas a soma dos votos de Hernandez e de Federico Gutiérrez, candidato derrotado e mais próximo do atual establishment colombiano, passa dos 50% dos válidos.
A maioria esmagadora dos eleitores de Guitiérrez rejeita a ideia de entregar o poder para a esquerda. Ao final da campanha, o próprio Gutiérrez já pregava a “frente ampla” contra Gustavo Petro. Uma frase marcou bem essa posição do terceiro colocado: ‘ ’Nos unimos o nos jodemos”. Talvez não precise de tradução para português.
Por último, os pleitos latino-americanos parecem contar exatamente o mesmo roteiro. De um lado os eleitores cansados, sem entusiasmo e desiludidos com a política tendo de escolher “o menos pior”. De outros candidatos oferecendo mudanças estruturais que pouca dialogam com as limitações constitucionais dos seus respectivos países.
Os protestos e descontentamentos generalizados pelo continente tem um ponto em comum: as constituições já não atendem as demandas e os anseios das sociedades latino-americanas modernas. As disputas marcadas pelo ódio e rejeição pelo poder executivo são uma distração do problema profundo: é preciso mudar estruturalmente as Constituições. Sem isso países como Peru, Chile e agora Colômbia seguirão produzindo descontentamentos coletivos. O Chile largou na frente e tenta, com enormes dificuldades, criar uma carta nova para o país.
O Brasil vai no mesmo caminho de populismo, polarização e uma Constituição que já não dialoga com as necessidades modernas. O segundo turno colombiano e a eleição brasileira devem seguir sangrando a paciência da opinião pública com muito embate e pouco debate. Com muita desconstrução e pouca construção. Seguem abertas as veias da América Latina e fechados os caminhos de dias melhores no continente.
*Maurício Moura, fundador e presidente do instituto de pesquisa de opinião pública IDEIA e professor da Universidade George Washington, nos Estados Unidos