O (único) economista de Trump
Thiago Lavado “Ajude a proteger o seu país e a sua família: não compre produtos feitos na China”, aconselha Peter Navarro na abertura de seu documentário Death by China (Morte pela China, em tradução livre), inspirado em livro homônimo. O documentário, de 2012, é a primeira empreitada de Navarro como diretor de cinema. Cinco anos […]
Da Redação
Publicado em 16 de janeiro de 2017 às 09h07.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h25.
Thiago Lavado
“Ajude a proteger o seu país e a sua família: não compre produtos feitos na China”, aconselha Peter Navarro na abertura de seu documentário Death by China (Morte pela China, em tradução livre), inspirado em livro homônimo. O documentário, de 2012, é a primeira empreitada de Navarro como diretor de cinema. Cinco anos depois, o alarmista Navarro vem a ser o único economista com credenciais na equipe de governo do futuro presidente americano, Donald Trump.
Ter um professor de economia da Universidade da Califórnia com PhD em Harvard poderia parecer a tábua de salvação de um gabinete de governo repleto de empresários bilionários e amplamente questionado pela imprensa e por congressistas democratas e republicanos. Mas não quando esse professor tem as opiniões de Navarro. As visões econômicas dele são tão controversas que é praticamente impossível encontrar outro economista nos Estados Unidos que partilhe de suas ideias. De fato, Navarro tentou ajudar um repórter da revista New Yorker a encontrar algum economista de renome que concorde inteiramente com ele, mas fracassou. Peter Navarro, 68 anos, é uma ilha econômica.
O que aproximou Navarro de Trump foram seus livros e filmes sobre a China. Mas eles só foram trabalhar juntos no ano passado. Durante a campanha para a presidência, o economista foi um dos principais conselheiros de Trump. No final de dezembro, foi indicado pelo presidente eleito a um posto específico e inédito, algo como diretor do Conselho Nacional de Comércio, um cargo criado por Trump e vinculado ao executivo dos Estados Unidos, que deve interferir nas transações internacionais do país. A nomeação de Navarro chama a atenção por ser a única de um membro da academia em meio a tantos executivos e homens de negócios no primeiro escalão. Ele deve trabalhar ao lado de Robert Lighthizer, um advogado com experiência em casos de comércio internacional lidando com ações anti-dumping, indicado como representante de comércio exterior.
Mas quais são as opiniões dele que são tão questionáveis a ponto de o economista causar calafrios entre seus colegas? Navarro, dizem seus críticos, partilha das ideias de Trump de que o comércio internacional é um jogo de soma zero, em que há perdedores (os americanos) e vencedores (chineses e mexicanos, basicamente). Para ele, os Estados Unidos deveriam ser mais duros nas suas relações comerciais com os chineses, taxar importados, combater a expansão mercantil asiática, ser estritos com quebra de patente, trazer os empregos de volta e, claro, make America great again. Soa familiar? Trump defende taxas de 45% aos produtos chineses e Navarro, de 43%.
Segundo o analista de economia e colunista da revista Forbes, Tim Worstall, suas opiniões são dignas de um estudante do primeiro ano do curso de economia. “As premissas dele sobre taxas de importação e estímulos às exportações são simplesmente incorretas”, afirma.
Para Worstall, Navarro comete um erro de novato ao afirmar que as importações são deduzidas do PIB — um dos cálculos seria que o PIB é igual à soma dos gastos públicos, consumo das famílias, investimentos e balança comercial (Y=C+I+G+X-M). Diante disso, poderia-se pensar que, realmente, as importações (M) diminuem a riqueza de um país. Mas o dado só está lá para balancear a conta. Quando compra-se um carro importado ou uma empresa adquire maquinário de outro país, esse gasto entraria em consumo ou investimento. É necessário subtrair as importações para que o dado não seja contabilizado duas vezes, um ensinamento básico do curso de macroeconomia.
Pesquisador lado B
Descrevendo a si mesmo como um “Reagan-Trump democrata”, Navarro foi contratado como professor na escola de negócios Paul Merage de Irvine, vinculada à Universidade da Califórnia, em 1989, após chamar a atenção por sua pesquisa em serviços públicos. Apesar de operar fora do radar, o economista conseguiu, em quase três décadas, acumular certo sucesso acadêmico, caracterizando-se como um pesquisador produtivo, que alguns apontam ser o responsável pela mudança de rota na tradicional visão otimista sobre comércio e a relação China-Estados Unidos que tinha o partido Republicano. Seu artigo acadêmico mais citado é sobre caridade e negócios, e ele também tem outros trabalhos sobre desregulamentação no setor de energia elétrica e sobre os custos da energia nuclear.
Logo após se mudar para a Califórnia, tentou se eleger prefeito de San Diego e deputado pelo partido Democrata, mas não obteve sucesso. No início dos anos 2000, Navarro passou a se aventurar pelo mundo da consultoria em investimentos. Em 2002, ele escreveu um conhecido livro chamado If it’s raining in Brazil, buy Starbucks ( Se está chovendo no Brasil, compre ações do Starbucks, em tradução livre), um guia para investidores sobre a importância do cenário macroeconômico nas transações, em um movimento que ele chama de “investimento de macro-ondas”. No entanto, não há ampla aceitação de que o conceito é rentável ou sequer válido. Uma das ideias defendidas, a de que “nunca se deve ir contra a corrente”, é tida como super simplificada, no melhor dos casos, ou errônea.
Navarro mergulhou de cabeça em estudos sobre a China há uma década. Em 2006, ele escreveu o livro The coming China wars ( As guerras por vir da China, em tradução livre) um guia sobre uma economia emergente com diversos desafios no caminho para se estabelecer no mercado global e que tem conflitos com outras nações em termos de comércio internacional, energia, recursos naturais, meio-ambiente e propriedade intelectual.
De lá pra cá, vieram o livro e documentário citados no início desta matéria, vários artigos e, mais recentemente, em 2015, o livro Crouching tiger ( Tigre que se inclina, em tradução livre), sobre o militarismo e a expansão das forças armadas chinesas, que depois também virou um documentário. O próprio Navarro afirma que Death by China é a “história de como Bill Clinton vendeu a América”. Trump também tem sua própria opinião sobre o filme: “é direto ao ponto. Este documentário importante detalha nosso problema com a China usando fatos, imagens e insights. Todos deveriam ver”, afirmou o presidente eleito.
Estilo brasileiro
Em outubro do ano passado, a pouco menos de duas semanas das eleições, Navarro e o bancário Wilbur Ross, que depois seria indicado por Trump ao cargo de secretário de Comércio, publicaram um artigo no jornal Wall Street Journal intitulado “Um voto em Trump é um voto no crescimento”. Ambos defendem que as políticas dos republicanos para a economia irão “criar 25 milhões de empregos, aumentar a renda e gerar trilhões de dólares em novas taxas”.
O texto é permeado por um ideal protecionista sobre o aumento de impostos para produtos importados e incentivo às exportações. Tudo isso em prol de fortalecer a indústria nacional, gerar emprego e fabricar os próprios bens de consumo. A substituição de importação é uma antiga receita brasileira e latina — Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, militares e Dilma Rousseff são alguns de seus entusiastas ao longo da história, geralmente com consequências desastrosas para a economia e o ambiente de negócios.
Uma carta contrária a Trump, assinada por 370 professores de economia das mais renomadas universidades americanas, elencou motivos muito ligados a esse tipo de argumento. “Trump enganou o público com afirmações falsas sobre os acordos comerciais terem erodido a renda e riqueza do país. Embora os ganhos não tenham sido bem distribuídos — e isso é um debate importante — tanto a renda média, quanto a riqueza subiram substancialmente desde os anos 1980”, afirma o documento.
Embora as ideias de Navarro estejam claras e alinhadas com as de Trump é difícil de prever se elas serão executadas pelo governo. Segundo o professor de desenvolvimento internacional da Universidade de Nova York, Salo Coslovsky, Navarro está sozinho nas opiniões que defende. “As ideias dele encontram respaldo no público. Há muitas pessoas e grupos de afinidade em seus documentários que compartilham das visões de Navarro. Encontrar apoio para isso no governo é mais complicado”, diz.
Mas caso sejam levadas a cabo é possível ter uma ideia do que pode acontecer. Coslovsky afirma que o aumento nas taxas para as importações de maquinário e de bens irá levar a um aumento no preço dos produtos, redução de competitividade e consequente perda de espaço americano no comércio global. “Os americanos estão frustrados porque perderam empregos na indústria, mas não há como voltar no tempo e recuperar isso”, afirma. O nobel de economia Paul Krugman, colunista de EXAME Hoje, afirma que tentar voltar no tempo agora faz lembrar a história do motorista que percebe ter atropelado um pedestre e, para consertar o estrago, dá ré no carro e só piora a situação.
Worstall, da Forbes, tem uma visão semelhante. Para ele, os consumidores americanos compram produtos chineses porque esses produtos lhes satisfazem, logo os fazem mais ricos. É desastroso aplicar uma política que deixaria as pessoas mais pobres. “Se eles aplicarem essa política, irá acontecer como no Brasil. Existe uma fábrica da Apple para montar iPhones no país [desde 2011], a única fora da China, e só está lá por causa das tarifas que o país impôs. O Brasil tem os iPhones mais caros do mundo. É isso que irá acontecer”. Viramos um modelo para os americanos, e isso é uma péssima notícia para todos.