Milei reforça seu estilo e enfrenta múltiplos conflitos em seu primeiro discurso no Congresso
Presidente argentino fará primeiro discurso de abertura do ano legislativo nesta sexta, em cerimônia no Congresso Nacional
Agência de notícias
Publicado em 1 de março de 2024 às 07h47.
Fiel ao perfil combativo que mostrou na campanha de 2023, o presidente da Argentina, Javier Milei, construiu um estilo de governar sustentado em conflitos permanentes. Sem poder mostrar, ainda, resultados positivos em termos de recuperação da economia — com uma projeção de queda do PIB de 2,8% para este ano, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) —, Milei mantém um nível elevado de apoio popular, que oscila entre 48% e 55%, dependendo da pesquisa, essencialmente em base ao engajamento de seus eleitores nas disputas com setores e lideranças que questionam o governo.
Com este pano de fundo, o chefe de Estado fará nesta sexta-feira seu primeiro discurso anual de abertura das sessões legislativas no Congresso que, pela primeira vez, será às 21h e não ao meio-dia, como foi praxe em todos os governos argentinos desde a redemocratização do país, em 1983.
Nas últimas semanas, os conflitos se multiplicaram. No final de janeiro, por exemplo, a Confederação Geral de Trabalhadores (CGT) convocou a primeira greve geral contra Milei e, segundo pesquisas, mais de 50% dos argentinos se opuseram à paralisação.
Todas as semanas, movimentos sociais organizam manifestações para protestar pelo ajuste fiscal brutal implementado pelo Ministério da Economia, em nome da necessidade de alcançar o equilíbrio fiscal. Esse ajuste está implicando cortes de remessas às províncias, o que desencadeou uma briga feroz entre Milei e governadores, inclusive de partidos e alianças da chamada "oposição dialoguista". A queda-de-braço com os governadores já chegou aos tribunais locais.
Milei também protagoniza bate-bocas com artistas e celebridades locais, que questionam os cortes, por exemplo, no orçamento do Instituto Nacional de Cinema e Artes Audiovisuais (Incaa). As frentes de conflito que enfrenta o chefe de Estado argentino incluem, ainda, universidades, setores da Igreja, lideranças no Parlamento e sua própria vice-presidente, Victoria Villarruel (que articula, segundo informações publicadas pela imprensa local, contra Milei nos bastidores).
Diante de um leque de batalhas que acontecem simultaneamente, o presidente argentino usa e abusa das redes sociais para atacar seus rivais. A mais ativa delas é a rede X (ex-Twitter), na qual Milei, pessoalmente, interage dezenas de vezes por dia.
A seguir, algumas das frentes de conflito do presidente argentino:
Vice-presidente
As tensões entre Milei e sua vice começaram pouco depois da posse. Victoria Villarruel tem ambições políticas próprias, algo que incomoda o presidente e o levou a escantear a vice em várias oportunidades. O conflito é negado por ambas as partes, mas fontes do governo confirmam que Milei não confia em sua vice e que Villarruel, por sua vez, tem um projeto de poder próprio.
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Enquanto Milei briga com os governadores, por exemplo, a vice busca construir pontes com os governos provinciais. A mesma dinâmica se repete em outros cenários, nos quais Villarruel busca consolidar um estilo diferente, menos combativo e mais conciliador.
Sindicatos
O governo Milei já enfrentou uma primeira greve geral convocada pela CGT, no final de janeiro. Em meados de fevereiro, os trabalhadores ferroviários pararam durante 24 horas. Na última terça-feira foi a vez do setor aeronáutico, que com sua greve geral provocou o cancelamento de pelo menos 532 voos na Argentina. Mais de 50 voos da Gol, Latam, Aerolineas Argentinas e Jetsmart entre Argentina e Brasil foram cancelados.
Em todos os casos, os sindicatos exigem reajustes salariais alinhados com a altíssima taxa de inflação do país, que chegou a 52% em dezembro (dado que Milei admitiu numa entrevista, após o governo divulgar um aumento de 25,5% no mesmo mês), caiu para 20,11% em janeiro de 2024 e deve permanecer em patamar similar este mês.
O sindicato dos caminhoneiros já fechou um reajuste de 45%, mas muitos outros, entre eles o dos professores, que ameaça complicar a volta às aulas, ainda está em processo de negociação. A Casa Rosada se refere às paralisações como "irresponsáveis" e usa as redes sociais para promover uma campanha contra os sindicatos do país.
Governadores
O partido de Milei, A Liberdade Avança, não tem governadores nem prefeitos próprios. Num primeiro momento, a Casa Rosada buscou aproximar-se de governadores da aliança Juntos pela Mudança, integrada pela ministra da Segurança, Patricia Bullrich, e pelo ex-presidente Mauricio Macri. Mas essa aproximação entrou em crise quando vários desses governadores se opuseram a alguns artigos do projeto de Lei Ônibus enviado pelo presidente ao Parlamento, que finalmente naufragou.
Posteriormente, os cortes aplicados pelo Ministério da Economia à chamada coparticipação tributária, que determina os recursos enviados pelo governo federal aos governos provinciais, foi questionada por um grupo de governadores, sobretudo da região da Patagônia, mas não apenas. Um desses governadores, Ignácio Torres, da província de Chubut, ameaçou publicamente cortar o envio de petróleo e gás ao resto do país, caso o governo Milei não suspendesse os cortes. A disputa foi para na Justiça que, até agora, se posicionou a favor das províncias.
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Mas os governadores estão decididos a tudo em sua batalha contra Milei e um dos cenários possíveis é que tentem derrubar no Parlamento, através de suas bancadas de deputados e senadores, o Decreto de Necessidade e Urgência aprovado pelo presidente em dezembro, que modificou mais de 300 regulamentações nacionais.
Milei também está em pé de guerra com o governador da província de Buenos Aires, onde vive um terço do eleitorado nacional, o kirchnerista Axel Kicillof.
Artistas
O governo enfrenta fortes críticas por parte de artistas e celebridades locais da música e do cinema. A decisão de reduzir os subsídios ao cinema nacional foi alvo de duros questionamentos por parte de atores veteranos e mais jovens, entre eles Matias Recalt, que venceu o prêmio Goya à revelação por sua atuação no filme A Sociedade da Neve. Em seu discurso, Recalt defendeu a cultura argentina "que passa por um mau momento", e suas palavras viralizaram nas redes sociais e tiveram grande impacto dentro do país.
Milei teve um bate-boca público com a cantora Lali Espósito, uma das mais famosas entre as novas gerações, a quem o presidente passou a chamar de "Lali Depósito" e acusou de ter recebido fortunas do Estado por participar de festivais musicais no interior do país. A cantora confirmou as participações e disse que recebeu apenas o que correspondia por seu trabalho. A disputa entre Milei e Lali dominou as redes sociais durante semanas, dividindo as opiniões entre os argentinos.
Parlamento
O governo Milei tem uma presença minoritária no Parlamento, o que obriga seu governo a fazer acordos e alianças para aprovar projetos. Nas primeiras semanas de governo, o presidente, através de seu ministro do Interior, Guillermo Francos, conseguiu selar pactos circunstanciais com a chamada oposição dialoguista, mas o clima de cordialidade durou pouco.
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No atual momento, Milei, em palavras de fontes do Congresso argentino, queimou todas as pontas que tinham sido construídas e terá enormes dificuldades em aprovar projetos. Isso explica por que o presidente tem falando em convocar plebiscitos que, na Argentina, não são vinculantes.
Movimentos sociais e Igreja
Todas as semanas, movimentos sociais organizam protestos contra a política de ajuste fiscal implementada pelo governo de Milei. Os movimentos sociais reclamam, também, porque Milei tirou das organizações o controle e administração dos recursos destinados a programas sociais, que passaram a ser pagos diretamente aos beneficiários, sem qualquer intermediação, como acontecia há mais de 20 anos.
Isso, na prática, eliminou o poder dos movimentos sociais, mas também afetou a distribuição, por exemplo, de alimentos em refeitórios populares. Milei modificou alguns programas sociais, entre eles o Potenciar Trabalho, mais uma vez, para reduzir o poder dos movimentos sociais, que prometem permanecer nas ruas pressionando o governo.
Algumas medidas do governo foram questionadas pela Conferência Episcopal Argentina, que expressou sua preocupação pelo aumento da pobreza — segundo estimativas privadas chegando a quase 60%