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MacWilliams, da UMass: Trump, o autoritário

Camila Almeida Independentemente do resultado das eleições americanas de 2016, é impossível negar um fato: Donald Trump conseguiu ir mais longe do que qualquer um imaginava. Chegou às urnas tecnicamente empatado com Hillary Clinton, reunindo 45,9% das intenções de voto, contra 48,5% da democrata. Uma vitória e um avanço sem precedentes, também, do autoritarismo. Para […]

MATTHEW MACWILLIAMS: Especialista em autoritarismo americano fala sobre o que levou Donald Trump tão longe / Universidade de Massachusetts / Divulgação

MATTHEW MACWILLIAMS: Especialista em autoritarismo americano fala sobre o que levou Donald Trump tão longe / Universidade de Massachusetts / Divulgação

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Da Redação

Publicado em 8 de novembro de 2016 às 18h13.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h41.

Camila Almeida

Independentemente do resultado das eleições americanas de 2016, é impossível negar um fato: Donald Trump conseguiu ir mais longe do que qualquer um imaginava. Chegou às urnas tecnicamente empatado com Hillary Clinton, reunindo 45,9% das intenções de voto, contra 48,5% da democrata. Uma vitória e um avanço sem precedentes, também, do autoritarismo.

Para o pesquisador Matthew MacWilliams, professor do departamento de ciência política da Universidade de Massachusetts e especialista em campanhas eleitorais e psicologia política, Trump conseguiu ativar o lado autoritário dos americanos com uma arma: apelando para o medo. Em entrevista a EXAME Hoje, MacWilliams falou sobre o avanço do autoritarismo no mundo, a polarização dos Estados Unidos, a impressão dos americanos sobre Obama e o que faltou para que a campanha de Hillary decolar. 

Em sua pesquisa, o senhor afirmou que o que mais pesa a favor de Donald Trump não tem a ver com raça, gênero, renda, religião: é o autoritarismo. Por que essa característica é tão presente entre os eleitores de Trump?
 
É importante situar que essa pesquisa foi feita em dezembro de 2015, e estávamos olhando para a nomeação republicana. Nesse contexto, o voto da base de Trump foi autoritário. Foi esse fator que o catapultou para vencer as primárias. Nas eleições gerais, ele começou a alcançar outras pessoas além dessa base, e esse grupo é composto basicamente por republicanos, que não são todos autoritários. Hoje, ele tem apoio principalmente de homens brancos republicanos – mas, sim, ele vai levar a maioria dos votos das pessoas autoritárias deste país. Estou trabalhando numa pesquisa que conduzimos recentemente, e ela mostra que os latinos autoritários apoiam Donald Trump. É uma porção muito pequena de latinos, mas aqueles que são, vão apoiá-lo. E é justamente a parcela que mais deve contribuir para a vitória de Hillary. Ela deve ficar com 70% dos votos dos latinos e, se eles forem os responsáveis por colocá-la no topo, será uma reposta muito interessante para as acusações de Trump em relação aos mexicanos, por exemplo. 
O autoritarismo está crescendo nos Estados Unidos?
 
É diferente de simplesmente crescendo. Acabei de escrever uma monografia sobre a ascensão de Trump. Crescendo não é a palavra, o autoritarismo está sendo ativado. Porque o autoritarismo é, como nós o consideramos na psicologia política, algo que está dentro das pessoas, não em todas, mas em algumas. A questão é se ele atiçado ou não – e Donald Trump o ativou. Autoritários estão agora votando em seu autoritarismo nos Estados Unidos. E o mesmo está acontecendo na Europa. Na votação do Brexit, no Reino Unido, 74% das pessoas que são consideradas autoritárias com base nas nossas medições votaram pela saída da União Europeia. Essa mesma ativação autoritária tem acontecido na França, com a Frente Nacional de Marine Le Pen, na Alemanha, com o partido AfD [Alternative für Deutschland, ou Alternativa para a Alemanha], na Suécia, com os democratas. Na Europa, são chamados de grupos populistas, aqui chamamos de “pop-right”.
 
O senhor não definiria Trump como um populista?
 
Não. Algumas pessoas tem classificado ele assim, mas eu não gosto. O termo populismo significa tantas coisas em países diferentes… Eu não o vejo como um populista, eu o vejo mais como um autoritário.
 
Mas as duas coisas não estão conectadas?
 
Sim, elas estão sobrepostas. Mas o autoritarismo tem dimensões específicas que não são populistas, pelo menos na definição americana do termo. Boa parte do populismo é um ataque às elites. E Trump é da elite, então é difícil vê-lo como populista. Um ponto é que ele certamente está atacando o sistema, mas ele está mais atacando grupos específicos, como mexicanos, muçulmanos, qualquer um que seja politicamente correto, afroamericanos. E atacar não é necessariamente populista.
 
Por que o populismo e o autoritarismo estão avançando tanto globalmente?
O que realmente alimenta isso são três fatores: traumas econômicos, grandes mudanças populacionais e o medo da globalização. Acho que a recessão de 2008 é parte disso e, na Europa, a entrada de imigrantes também. Uma das teses em que eu estou trabalhando é sobre como as ameaças globais se tornaram localizadas. Mudanças climáticas, crises econômicas, tudo isso que acontece globalmente se reflete cada vez mais perto das pessoas. Há líderes políticos que estão se aproveitando dessas mudanças, que todos nós estamos enfrentando, para usá-las em sua vantagem. É muito particular. A Espanha, por exemplo, que teve sua economia desmoronada, altíssimos níveis de desemprego e grande entrada imigrantes, não viu o avanço de nenhum partido autoritário. Ninguém articulou essa mensagem. Na Suécia, com uma economia muito estável e entrada muito baixa de imigrantes, há líderes articulando essa narrativa, ativando isso nas pessoas, e os populistas e autoritários estão crescendo. Então, é uma questão das lideranças que estão projetando essas mensagens – e Trump está participando desta cena.
Não há nada em comum entre esses líderes autoritários? Podemos encarar apenas como casos isolados?
Não. Nós vimos esse avanço acontecer antes na história, e os resultados nunca foram bons. Na Europa, já é possível reconhecer esse movimento e nós precisamos fazer alguma coisa. O papel que a Rússia está assumindo nessa ativação, inclusive tentando influenciar as eleições americanas, não pode ser desconsiderado. Há propagandas sobre a Rússia e sobre Vladimir Putin sendo propagadas na Europa. Cartazes autoritários. É importante observar que Donald Trump, Marine Le Pen, Viktor Orbán [Hungria], Nigel Farage [Reino Unido], Robert Fico [Eslováquia]… todos apoiam Putin. Tem um exercício de propaganda e de poder por trás de todo esse movimento que está corroendo os alicerces da democracia pelo mundo. Isso deveria ser uma preocupação para todos que prezam por uma sociedade aberta.
Vamos assistir a um avanço desse movimento nas próximas eleições, inclusive americanas?
França e Alemanha têm eleições no ano que vem – e nós já vimos a AfD armando grandes jogos em eleições locais. Estamos nos questionando se a União Europeia vai continuar existindo nos próximos dez anos. Nos Estados Unidos, com Trump perdendo hoje, duas coisas vão acontecer: vai ter uma guerra civil no partido republicano entre os trumpistas e os republicanos tradicionais, pelo pleito das próximas eleições, e é possível que uma pessoa como Trump seja o próximo candidato republicano em 2020. A outra coisa é que os republicanos vão concordar em um ponto: que Hillary Clinton não deveria ser presidente, o que vai intensificar a polarização. Se Trump ganhar, é difícil de imaginar o que vai acontecer. Nós deveríamos preparar os amortecedores.
Quais as características que fizeram Trump tão popular entre os eleitores?
Ele pegou as pessoas pelo medo. E ele explorou isso de um jeito que o fez popular. Na pesquisa que fizemos em dezembro, havia duas coisas que definiam os apoiadores de Trump. Uma era o autoritarismo, outra o medo do terrorismo. E, quanto mais medo a pessoa tinha de sofrer um ataque terrorista, que pudesse machucá-la ou a alguém de sua família dentro de 12 meses, mais elas eram suscetíveis a apoiar Trump. O medo do terrorismo, que deveria ser o temor a uma ameaça externa, se tornou o medo do outro dentro do próprio país, se tornando também uma ameaça interna. E isso é contornar os muçulmanos e latinos. E essas seriam as ameaças internas. Ele definiu bem essas duas ameaças e ativou o autoritarismo nas pessoas que estão com medo.
Trump por anos liderou o “birtherism” nos EUA, dizendo que Obama não era americano, e por isso não deveria ser presidente. Isso era discurso de ódio, e foi o primeiro ataque a Obama como sendo parte dos ” outros”. Ele não é um de nós, então não merece ser presidente. E muitas pessoas passaram a sentir medo de ter um presidente afroamericano. Obviamente, não o bastante para que ele não fosse reeleito. Tem outra coisa interessante acontecendo nos Estados Unidos. Nossa sociedade está se transformando muito rapidamente. No ano de 2043, a população vai ser majoritariamente composta por grupos minoritários. O que significa que brancos não vão mais ser maioria, e sim latinos, negros e asiáticos. Muita gente tem medo dessa mudança demográfica. As pessoas estão com medo do que Obama na presidência significa e significou.
No Brasil, temos a impressão de que Obama foi um presidente muito bem quisto pela população. Essa visão é correta? Por que foi tão difícil para ele conseguir eleger um sucessor?
 
Os Estados Unidos estão extremamente divididos agora. No momento em que Barack Obama foi eleito presidente, algumas partes do Partido Republicano tentaram deslegitimá-lo e negar o poder que ele tem. O deixaram de mãos atadas no Congresso, de forma que ele não conseguiu fazer nada, basicamente. Apesar disso, ele chega ao fim desses oito anos com aprovação de 57%, um número incrivelmente alto. Normalmente, depois de dois mandatos, os presidentes saem com níveis de aprovação muito baixos – acho que George Bush tinha cerca de 30%. Ao mesmo tempo, cerca de 40% dos americanos acreditam que ele nunca deveria ter sido presidente. É um país dividido.
Olhando para estas eleições presidenciais: nós americanos criamos um sentimento que foi além de Hillary x Trump. Todas as vezes em que Obama discursou nas últimas semanas, sentimos que ele poderia estar concorrendo de novo – e Michelle Obama também. Os discursos dos dois na véspera das eleições, na Filadélfia, foram inspiradores. Obama fala sobre esperança e motiva uma visão positiva que não tem sido articulada nas campanhas, um olhar sobre o lugar onde podemos estar enquanto país neste mundo.
O que faltou na campanha de Hillary Clinton para ela se destacar e chegar até o dia das eleições com mais tranquilidade?
Ela é uma pessoa brilhante em termos de política, mas ela tem problemas para se conectar com as pessoas. Ela mesma falou sobre isso e admitiu que tem essa dificuldade. Acho que ela entende o que as pessoas precisam e o que elas querem dizer, mas tem dificuldade de se expressar. É como o professor que sabe demais e entedia os alunos (risos). Também acho que ainda existe a preocupação, entre algumas pessoas, em relação a uma mulher ser presidente dos Estados Unidos. É estúpido, mas acontece. Acho que ela tem sido mais severamente julgada do que um candidato homem seria. Ela está quebrando uma barreira. Obama também quebrou uma barreira, e ela estará fazendo isso, se for eleita. Só pela maneira como ela conduziu essa campanha, já é muito transgressor nesse sentido.
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