Kai Lehmann, da USP: os dois lados radicalizaram na Espanha
Para especialista em integração regional na União Europeia, a grande dúvida é quem terá a coragem de dizer "vamos dar um passo para trás"
Da Redação
Publicado em 27 de outubro de 2017 às 17h48.
Última atualização em 27 de outubro de 2017 às 18h17.
Na manhã de sexta-feira, após uma sessão convocada em segredo, o Parlamento da Catalunha decidiu declarar a independência da região.
Em seguida, o Senado espanhol decidiu acionar o artigo 155 da Constituição, que prevê a retomada de controle sobre a região autônoma.
À tarde, o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, anunciou a destituição do governo regional da Catalunha, liderado por Carlos Puigdemont, e marcou para o dia 21 de dezembro as novas eleições regionais.
“Acreditamos que é urgente ouvir todos os cidadãos catalães, para que possam decidir o seu futuro e ninguém pode agir fora da lei em seu nome”, afirmou Rajoy.
Essa é considerada a pior crise política do país em 40 anos – e não parece perto de ser resolvida. Para o cientista político Kai Enno Lehmann, professor de Relações Internacionais da USP e especialista em política externa e integração regional na União Europeia, os dois lados adotaram posturas radicais, que dificultam qualquer negociação.
O especialista também acredita que, dificilmente, a situação poderá vir a se tornar caso de intervenção militar, mas a convocação de eleições pode suscitar novos episódios de violência em protestos na Catalunha.
O que acontece agora?
É uma situação sem precedentes, desde a democratização da Espanha. Nenhuma região nunca declarou independência, e em nenhum momento esse artigo foi acionado. Então, nós estamos em um território desconhecido.
O que sabemos é que essa situação representa uma radicalização dos dois lados. A questão agora é quem tem a coragem de dizer “vamos dar um passo para trás”.
No momento, ninguém vai vencer. A Espanha não vai permitir a independência, e a União Europeia nunca reconheceria essa possibilidade.
É um impasse mesmo. Existe uma solução possível, que seria dar mais autonomia e controle para a Catalunha sobre finanças, impostos, dinheiro. Mas os dois lados foram implacáveis, radicais, e nenhum deles parece disposto a ceder para chegar a um meio termo.
O que motiva esse desejo da Catalunha por independência? É só a questão financeira mesmo?
Há vários aspectos. O argumento principal, pelo menos para uma parte da sociedade, sempre era o de que a Catalunha é a região mais rica da Espanha, e que ela banca muitas outras regiões. Isso gerou ou gera uma certa resistência por parte da sociedade catalã.
Mas existem obviamente raízes históricas: a Catalunha tem uma história cultural que se estende por mais de mil anos.
Na época da ditadura (de 1934 a 39), a Catalunha foi duramente reprimida. E, por causa disso, há uma forte sensação de antipatia com o estado espanhol.
Mas, como em muitos movimentos por independência e autonomia que existem na Europa no momento, as motivações que levam a região a querer se separar são mais emocionais, no coração.
Mas o que está por trás desse sentimento?
As razões são históricas. O que foi feito na ditadura é muito importante. O papel da Catalunha na guerra civil foi muito importante – era um dos centros da resistência contra Franco.
Essa história distinta da Catalunha é muito explorada politicamente pelos separatistas. Por outro lado, vale lembrar que a opinião pública na Catalunha está bastante dividida, apesar do referendo que foi realizado. Ele foi inclusive boicotado por atores que apoiam a permanência.
A autodeterminação dos povos vale no caso da Catalunha?
O argumento usado pelo governo da Catalunha é justamente esse: se o povo catalão deseja a independência, quem são os espanhóis para negar esse direito.
Por outro lado, a Constituição espanhola é bastante clara sobre o que deveria ou não acontecer. A Catalunha, ao declarar independência, está declarando algo que a lei não permite. Nesse caso, a autodeterminação não é um direito, é uma sensação.
O governo espanhol decidiu dissolver o governo espanhol e convocar novas eleições. Que efeito isso tem?
A questão é se haverá condições para realizar eleições. É possível que existam conflitos pontuais, com violência, mas é pouco provável que essas eleições tenham alguma legitimidade.
Se os dois lados mantiverem a intransigência pode-se chegar a uma guerra civil?
É possível, mas acho improvável. Não vejo desejo de ambas as partes de entrar por um conflito militar. Até porque o resultado é bastante claro: a Catalunha não ganharia. Não vejo essa possibilidade.
Vejo uma possibilidade de radicalização política, de um crescimento de movimentos mais radicais, rebeldes, um pouco como aconteceu no País Basco, onde houve um grupo que agiu por muitos anos dentro da Espanha.