Israel só para os judeus é o modelo Netanyahu
Mais confiante do que nunca, o primeiro-ministro anunciou que vai pagar 3.500 dólares para imigrantes africanos deixarem o país
EXAME Hoje
Publicado em 13 de janeiro de 2018 às 07h24.
Última atualização em 22 de janeiro de 2018 às 19h57.
Israel está endurecendo ainda mais suas fronteiras. Nas últimas semanas, não faltaram anúncios polêmicos: o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, anunciou que vai pagar 3.500 dólares para imigrantes africanos deixarem o país, chegando a chamá-los de infiltrados, e o parlamento israelense aprovou uma lei que prevê a aplicação de pena de morte para condenados por terrorismo — uma medida que pode afetar diretamente palestinos presos no país.
A mão-de-ferro contra populações não-judias em território israelense parece ter ficado ainda mais rígida depois que Jerusalém foi reconhecida como capital israelense pelos Estados Unidos, num passo polêmico do presidente Donald Trump. A decisão implica em mudar a embaixada americana de Tel Aviv para Jerusalém, cujo lado oriental também é reivindicado como capital pelos palestinos. Um passo que nenhum país, até hoje, tinha ousado dar, por entender que a questão interna existente entre os dois povos não está resolvida.
As medidas de Netanyahu estão bem alinhadas com as de Trump. Enquanto no Oriente Médio o primeiro-ministro declara que “já expulsamos 20.000, a missão agora é tirar o resto”, sobre os cerca de 38.000 imigrantes africanos que ainda habitam o território israelense, nos Estados Unidos Trump questiona porque ele deveria aceitar imigrantes provenientes de “países de merda”, após ter anunciado que vai retirar a proteção temporária que pessoas de lugares como Haiti, Nicarágua e El Salvador hoje possuem.
Com o ex-presidente americano, Barack Obama, Netanyahu tinha menos afinidades. Obama era declaradamente contra a expansão de assentamentos israelenses em território palestino e chegou a propor uma nova divisão das fronteiras entre as duas nações, com base no desenho de 1967, traçado após a Guerra dos Seis Dias. Tanto Obama quanto Netanyahu assumiram o comando de seus países em 2009.
As divergências existiam, mas isso não quer dizer que os Estados Unidos estivessem fazendo muito esforço para tentar dissuadi-lo: para os americanos, manter Israel como aliado é fundamental para conseguir defender seus interesses no Oriente Médio. As políticas de Netanyahu — e dos governantes que lhe antecederam — sempre foram extremamente rigorosas com imigrantes. “O governo de Israel tem sido hostil com outros povos há décadas, especialmente com os palestinos”, diz o pesquisador judeu americano Stephen Lendman, associado ao Centre for Research on Globalization, em Chicago.
Boa parte dos africanos que estão hoje em Israel são de países como Eritreia e Sudão e, apesar de a maioria ter migrado para fugir de guerras ou de sistemas políticos opressores, eles não conseguiram status de refugiados em território israelense. De acordo com Ruvi Ziegler, professor da Universidade de Reading, no Reino Unido, especialista em direito internacional para refugiados com foco em Israel, a maioria dos imigrantes consegue apenas o status de proteção temporária. Sua integração à sociedade também é difícil. “Apesar de na teoria eles terem direito a serviços como saúde e educação, eles não conseguem ter acesso a eles, porque acabam só conseguindo moradia nos bairros mais distantes, onde esses serviços mal existem”, afirma Ziegler.
Uma pesquisa realizada em 2012, pelo jornal Times of Israel, mostrou que 86% da população israelense entende que os imigrantes africanos representam perigo para o país — que tem menos de 1% de população imigrante. O governo alega que o país é muito pequeno, e usa esse argumento, aliado ao da necessidade de evitar o terrorismo, para negar a entrada de refugiados da Síria.
As políticas de Israel são voltadas para a proteção do povo judeu, mesmo que 20% da população não se declare como judia, mas como muçulmana, cristã ou de outras religiões. De acordo com uma pesquisa do Pew Research Center, de Washington, 79% dos israelenses acreditam que Israel deve dar tratamento preferencial aos judeus. A mistura entre nacionalidade e religião é tanta que, apesar de a migração de povos diferentes não ser vista com bons olhos, uma quase totalidade da população israelense judia (98%) acredita que Israel deve estar de portas abertas para que judeus do mundo inteiro tenham seu direito à cidadania israelense garantido, caso queiram morar no país.
Um militar no poder
Benjamin Netanyahu já está em seu quarto mandato como primeiro-ministro de Israel. O primeiro foi entre 1996 e 1999 e, agora, ele já está no poder desde 2009. Ele é líder do partido conservador Likud, que, nas últimas eleições, em 2015, conseguiu apenas 30% dos votos, e conseguiu formar uma coalizão com a maioria exata de 61 cadeiras no Parlamento — o mínimo necessário para governar. O resultado nunca tinha sido tão apertado para um líder em Israel.
Apesar de continuar no poder, não se pode dizer que Netanyahu é um líder popular. Ele é aprovado por 35% da população, de acordo com uma pesquisa de março de 2017, contra 59% que o desaprovam. O primeiro-ministro é investigado em duas denúncias de corrupção diretamente e está relacionado com outras duas (conhecidas como casos 1000, 2000, 3000 e 4000), que incluem crimes como abuso de confiança, lavagem de dinheiro e suborno.
A família dele também não para de se envolver em escândalos. Esta semana, vazaram gravações de seu filho Yaur, bêbado, numa boate de strip-tease. O jovem de 26 anos faz comentários vulgares sobre prostitutas e chega a dizer, para um amigo, que “meu pai fez o seu ganhar 20 bilhões de dólares, então você poderia me dar 400 shekels”. O pai do amigo em questão é um dos principais acionistas da Isramco, empresa que atua na exploração de gás num campo descoberto do Mediterrâneo. Netanyahu é investigado por suas relações duvidosas com milionários, mas saiu em defesa do filho.
O primeiro-ministro sabe usar bem a sua imagem. Ele e seu irmão integraram as Forças Armadas de Israel com destaue, e seu irmão morreu em uma operação em Uganda, designada para resgatar passageiros israelenses que estavam em um avião sequestrado. De acordo com o psicólogo Shaul Kimhi, pesquisador da Tel-Hai College, em Israel, especialista em comportamento político, segurança é o que importa para o povo de Israel. Ele lembra que o país foi fundado há 70 anos, após o fim da Segunda Guerra Mundial, em que milhões judeus foram perseguidos, exterminados e massacrados por nazistas.
“As pessoas não estão exatamente preocupadas com a questão econômica ou com políticas migratórias. O ponto central é segurança, e Netanyahu sabe muito bem como trabalhar esse aspecto”, afirma Kimhi, que se dedicou a pesquisar o que mudou no comportamento do primeiro-ministro de 1997 a 2017. Para ele, não é que Netanyahu tenha se tornado mais autoritário, para que políticas tão severas contra imigrantes estejam sendo anunciadas: ele só ganhou mais confiança. “A percepção de mundo não mudou, o que mudou foi que ela ficou mais extrema. Netanyahu ganhou confiança e hoje sente que merece tudo, que não há ninguém bom o suficiente para substituí-lo e que é o melhor líder que o país poderia ter”, afirma o psicólogo. O fato de ele ter encontrado um líder nos Estados Unidos com semelhanças na visão de segurança e imigração, só ajudou.
Netanyahu fica no poder pelo menos até 2019. Mais confiante do que nunca.