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Hamas muda tom e Israel não consegue responder

O movimento islamita palestino louvou recentemente a luta não violenta

Palestino foge da polícia israelense após os confrontos: o Ministério das Relações Exteriores israelense não acredita que o Hamas tenha modificado suas posições (Uriel Sinai/Getty Images)
DR

Da Redação

Publicado em 10 de janeiro de 2012 às 08h43.

Jerusalém - Fechado em discurso automático e sem matizes, Israel não consegue responder com inteligência em direção a moderação adotada pelo Hamas, o movimento islamita palestino que louvou recentemente a luta não violenta.

Seu líder, Khaled Meshaal, defendeu em entrevista em dezembro para unir forças com a outra grande facção palestina, o Fatah, na 'resistência popular', que tem o 'poder de um tsunami', como ficou claro na Primavera Árabe.

A declaração é chamativa em uma facção cujo braço armado, as Brigadas de Ezedin al-Qassam, assumiu a morte em 24 anos de 1.365 israelenses, centenas deles em atentados suicidas que permitiram sua classificação como organização terrorista pelos Estados Unidos, a União Europeia e Israel.

Não é, no entanto, um deslize pontual, mas mais um passo na estratégia de pragmatismo seguida pelo Hamas e acentuada pela onda de revoltas no mundo árabe, que transtornou os equilíbrios regionais e a sede de sua direção no exílio para Damasco.

Formalmente, o Hamas chama à destruição de Israel, mas na prática advoga há anos por uma solução ao conflito do Oriente Médio com base no estabelecimento de um Estado palestino nas fronteiras internacionalmente aceitas, as prévias à guerra de 1967, ou seja, em Jerusalém Oriental, Gaza e Cisjordânia, 22% da Palestina histórica.

Seu líder em Gaza, Ismail Haniyeh, chegou a ressaltar que se o presidente palestino, Mahmoud Abbas, assinasse um acordo de paz com Israel e o povo palestino o referendasse em plebiscito, o Hamas 'respeitaria os resultados, embora isso fosse contraditório a sua linha política'.

O grupo islamita deixou para trás a sangrenta política de atentados que praticou nos anos 90 e na Segunda Intifada (2000-2005). Embora tenha ainda capacidade de atuar, como demonstrou quando queria dar um golpe de efeito, o Hamas ataca agora a conta-gotas e inclusive freia lançamentos de foguetes a partir de Gaza por parte de grupos jihadistas, com o objetivo de evitar duras represálias e ganhar legitimidade internacional.


Como publicou o jornal 'Ha'aretz' há duas semanas, Meshaal ordenou, de fato, a sua milícia que detenha os ataques contra israelenses.

'São mudanças muito significativas que infelizmente os Governos de Israel e Washington desprezaram', assinalou à Efe Galia Golan, doutora da Universidade Hebraica de Jerusalém vinculada ao movimento pacifista israelense Peace Now.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores israelense, Yigal Palmor, não acredita, por outro lado, que o Hamas tenha modificado suas posições, lembra que os líderes do grupo fazem frequentemente declarações contraditórias e atribui 'toda a responsabilidade' do descenso no número de ataques ao trabalho das forças de segurança israelenses e da Autoridade Nacional Palestina (ANP).

'Só o que conta são os fatos, não as declarações, e nisso não notamos nenhuma diferença (...) Se o Hamas quer mudar e ser considerado como interlocutor, já sabe o que fazer: aceitar as condições do Quarteto (da ONU, dos EUA, da UE e da Rússia)', acrescenta.

A aceitação destas três exigências (renunciar à violência e reconhecer Israel e os acordos assinados com a Organização para a Libertação da Palestina, OLP) se transformou em uma espécie de mantra que, em palavras do ex-ministro das Relações Exteriores israelense Shlomo Ben-Ami representa um 'umbral inviável' e transforma a meta em ponto de partida.

'Todo o mundo diz que têm de reconhecer o Estado de Israel e colocar fim ao terrorismo. Eu gostaria que o fizessem agora, mas isso não será feito. Tudo ocorrerá eventualmente no futuro, mas só como parte de um ponto essencial, justo como fez a OLP', assinalou Ben-Ami em uma entrevista.

Na mesma linha, o jornal 'Ha'aretz' lamentava em dezembro em um editorial que o Executivo de Benjamin Netanyahu tenha oferecido 'sua rotineira resposta de silêncio e apatia', em vez de 'encorajar a nova direção do Hamas'.


Um de seus articulistas Gideon Levy considera que 'a mensagem está claramente (escrita) na parede' e lamenta que seu país 'só leve a sério os palestinos quando falam a linguagem da guerra e do terrorismo'.

Para ele não é que falte material para desacreditar os sinais de mudança, algo do que se encarregam analistas militares e organizações propagandísticas em Israel.

Para começar, basta olhar o documento de fundação do Hamas de 1988, um compêndio de chamadas à destruição do Estado judeu recheado de referências antissemitas.

Quando jogam em casa, os líderes do Hamas não se cansam de reivindicar 'toda a Palestina' (os atuais Israel e territórios palestinos), em uma quadratura do círculo que obscurece a profundidade da evolução.

'Hamas está preparado para aceitar a não violência. Certamente não o chamará assim, mas uma trégua de longa duração. Por questões internas não tem interesse em que falemos disso, mas isso é o que vai acontecer', indicou um dos principais dirigentes do Fatah, Nabil Shaath, em um recente encontro com jornalistas.

Só o tempo demonstrará se a transformação do Hamas é profunda ou superficial, mas enquanto isso Israel corre o risco de entrincheirar-se em cômodos dogmas à espera que seus inimigos se transformem ao sionismo ou desapareçam por força da magia.

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Jerusalém - Fechado em discurso automático e sem matizes, Israel não consegue responder com inteligência em direção a moderação adotada pelo Hamas, o movimento islamita palestino que louvou recentemente a luta não violenta.

Seu líder, Khaled Meshaal, defendeu em entrevista em dezembro para unir forças com a outra grande facção palestina, o Fatah, na 'resistência popular', que tem o 'poder de um tsunami', como ficou claro na Primavera Árabe.

A declaração é chamativa em uma facção cujo braço armado, as Brigadas de Ezedin al-Qassam, assumiu a morte em 24 anos de 1.365 israelenses, centenas deles em atentados suicidas que permitiram sua classificação como organização terrorista pelos Estados Unidos, a União Europeia e Israel.

Não é, no entanto, um deslize pontual, mas mais um passo na estratégia de pragmatismo seguida pelo Hamas e acentuada pela onda de revoltas no mundo árabe, que transtornou os equilíbrios regionais e a sede de sua direção no exílio para Damasco.

Formalmente, o Hamas chama à destruição de Israel, mas na prática advoga há anos por uma solução ao conflito do Oriente Médio com base no estabelecimento de um Estado palestino nas fronteiras internacionalmente aceitas, as prévias à guerra de 1967, ou seja, em Jerusalém Oriental, Gaza e Cisjordânia, 22% da Palestina histórica.

Seu líder em Gaza, Ismail Haniyeh, chegou a ressaltar que se o presidente palestino, Mahmoud Abbas, assinasse um acordo de paz com Israel e o povo palestino o referendasse em plebiscito, o Hamas 'respeitaria os resultados, embora isso fosse contraditório a sua linha política'.

O grupo islamita deixou para trás a sangrenta política de atentados que praticou nos anos 90 e na Segunda Intifada (2000-2005). Embora tenha ainda capacidade de atuar, como demonstrou quando queria dar um golpe de efeito, o Hamas ataca agora a conta-gotas e inclusive freia lançamentos de foguetes a partir de Gaza por parte de grupos jihadistas, com o objetivo de evitar duras represálias e ganhar legitimidade internacional.


Como publicou o jornal 'Ha'aretz' há duas semanas, Meshaal ordenou, de fato, a sua milícia que detenha os ataques contra israelenses.

'São mudanças muito significativas que infelizmente os Governos de Israel e Washington desprezaram', assinalou à Efe Galia Golan, doutora da Universidade Hebraica de Jerusalém vinculada ao movimento pacifista israelense Peace Now.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores israelense, Yigal Palmor, não acredita, por outro lado, que o Hamas tenha modificado suas posições, lembra que os líderes do grupo fazem frequentemente declarações contraditórias e atribui 'toda a responsabilidade' do descenso no número de ataques ao trabalho das forças de segurança israelenses e da Autoridade Nacional Palestina (ANP).

'Só o que conta são os fatos, não as declarações, e nisso não notamos nenhuma diferença (...) Se o Hamas quer mudar e ser considerado como interlocutor, já sabe o que fazer: aceitar as condições do Quarteto (da ONU, dos EUA, da UE e da Rússia)', acrescenta.

A aceitação destas três exigências (renunciar à violência e reconhecer Israel e os acordos assinados com a Organização para a Libertação da Palestina, OLP) se transformou em uma espécie de mantra que, em palavras do ex-ministro das Relações Exteriores israelense Shlomo Ben-Ami representa um 'umbral inviável' e transforma a meta em ponto de partida.

'Todo o mundo diz que têm de reconhecer o Estado de Israel e colocar fim ao terrorismo. Eu gostaria que o fizessem agora, mas isso não será feito. Tudo ocorrerá eventualmente no futuro, mas só como parte de um ponto essencial, justo como fez a OLP', assinalou Ben-Ami em uma entrevista.

Na mesma linha, o jornal 'Ha'aretz' lamentava em dezembro em um editorial que o Executivo de Benjamin Netanyahu tenha oferecido 'sua rotineira resposta de silêncio e apatia', em vez de 'encorajar a nova direção do Hamas'.


Um de seus articulistas Gideon Levy considera que 'a mensagem está claramente (escrita) na parede' e lamenta que seu país 'só leve a sério os palestinos quando falam a linguagem da guerra e do terrorismo'.

Para ele não é que falte material para desacreditar os sinais de mudança, algo do que se encarregam analistas militares e organizações propagandísticas em Israel.

Para começar, basta olhar o documento de fundação do Hamas de 1988, um compêndio de chamadas à destruição do Estado judeu recheado de referências antissemitas.

Quando jogam em casa, os líderes do Hamas não se cansam de reivindicar 'toda a Palestina' (os atuais Israel e territórios palestinos), em uma quadratura do círculo que obscurece a profundidade da evolução.

'Hamas está preparado para aceitar a não violência. Certamente não o chamará assim, mas uma trégua de longa duração. Por questões internas não tem interesse em que falemos disso, mas isso é o que vai acontecer', indicou um dos principais dirigentes do Fatah, Nabil Shaath, em um recente encontro com jornalistas.

Só o tempo demonstrará se a transformação do Hamas é profunda ou superficial, mas enquanto isso Israel corre o risco de entrincheirar-se em cômodos dogmas à espera que seus inimigos se transformem ao sionismo ou desapareçam por força da magia.

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