Governo e oposição irão dialogar para superar crise na Venezuela
Delegados do governo e da oposição se reuniram pela primeira vez em dois anos e meio de crise
AFP
Publicado em 24 de outubro de 2016 às 21h44.
O governo da Venezuela e a oposição concordaram nesta segunda-feira em iniciar um diálogo no próximo domingo, na Ilha Margarita, no auge de uma crise política pela suspensão do referendo revogatório contra o presidente Nicolás Maduro .
Delegados do governo e da oposição se reuniram pela primeira vez em dois anos e meio de crise, a fim de "estabelecer as condições para convocar uma reunião plenária" em Margarita (norte), disse o enviado do papa Francisco, Emil Paul Tscherrig, núncio apostólico na Argentina.
Maduro, que teve uma audiência privada com o pontífice, no Vaticano, em uma escala da viagem de volta do Oriente Médio, comemorou a intervenção papal.
"Agradeci em nome da Venezuela por todo o apoio para que, por fim, definitivamente, se instale uma mesa de diálogo entre os diferentes atores da oposição e o governo legítimo e bolivariano que eu presido", disse à emissora oficial VTV.
"Já se vinha trabalhando com contatos com todos os grupos e líderes da oposição e felizmente terminou positivamente", acrescentou.
O encontro em Caracas, celebrado sob os auspícios da Unasul, transcorreu "em um clima de respeito, cordialidade e vontade política para fazer este processo avançar", afirmou Tscherrig.
Na reunião, governo e oposição propuseram temas, metodologia e cronograma do diálogo, e acordaram "trabalhar em conjunto para garantir a segurança e o desenvolvimento pacífico" de manifestações convocadas pelas duas partes.
O anúncio, surpreendente, ocorreu enquanto Maduro era recebido pelo papa no Vaticano, sem aviso prévio e após a conclusão de uma visita ao Oriente Médio.
Durante a audiência privada, Francisco exortou "ao diálogo sincero e construtivo" entre o governo e a oposição a fim de "aliviar o sofrimento" do povo, acrescentou a nota.
A suspensão do referendo, com o qual a opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) visava a tirar Maduro do poder, deixou o ambiente político ainda mais tenso, em um país que sofre uma crise econômica severa, com grave escassez de produtos básicos e uma inflação que o FMI estima em 475% para este ano.
A oposição sustenta que a solução para a crise é a saída do poder de Maduro, cuja impopularidade chega a 76,5% e a quem mais de 60% querem revogar, segundo a empresa Datanálisis.
Batalha política
Dominada pela oposição, a Assembleia Nacional declarou no domingo que a paralisação do referendo consumou um "golpe de Estado" e anunciou ações para "restituir a ordem constitucional".
O Parlamento discutirá na terça-feira "a situação constitucional do presidente", a quem culpa pela "ruptura da democracia", enquanto a MUD organiza um protesto nacional que convocou para a quarta-feira, chamado a "Tomada da Venezuela".
O secretário-executivo da MUD, Jesús Torrealba, destacou que o diálogo chega "em momentos muito duros para o país", pela "operação de sequestro judicial" do revogatório.
"Para nós é fundamental que este diálogo aborde os temas que mais importam aos venezuelanos, dos quais o econômico e social são de importância singular", informou, por sua vez, o porta-voz da Presidência, Jorge Rodríguez.
O líder da bancada opositora, Julio Borges, propôs um possível "julgamento político" contra Maduro, a quem a oposição também acusa de ter dupla nacionalidade, venezuelana e colombiana, o que o inabilitaria ao cargo.
O constitucionalista José Ignacio Hernández destacou que um julgamento político não está expressamente contemplado na Constituição, mas implica uma sanção política e moral.
O conflito entrou em uma nova fase depois que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) adiou na quinta-feira indefinidamente a coleta de quatro milhões de assinaturas necessárias para convocar o referendo, que estava prevista para esta semana.
O poder eleitoral, acusado pela MUD de ser controlado pelo governo, assim como o judiciário, argumentou o cumprimento de sentenças que anularam por "fraude" uma primeira coleta de rubricas que abriu o processo.
"A batalha institucional está perdida, portanto a Assembleia estabeleceu os alinhamentos de sua futura batalha política: o protesto popular, a demonstração de maioria, o chamado à pressão internacional", declarou à AFP o analista Luis Vicente León.
Mas os especialistas advertem que o grande desafio da MUD é mobilizar maciçamente à população, o que não ocorreu, com exceção de 1º de setembro.
"Estamos em uma grande encruzilhada, grave. O limite médio: a participação ativa, pacífica, inteligente e permanente, é uma linha muito complicada de conseguir, é um processo longo que inclui a negociação", assegurou León.
Os governistas ameaçam com a suspensão da imunidade parlamentar e a ilegalidade da MUD como grupo político.
Enquanto isso, a MUD anunciou que enviará uma comissão para pedir à Organização de Estados Americanos (OEA) que aplique a Carta Democrática, que prevê sanções em casos de ruptura da linha democrática.
A ONG Human Rights Watch (HRW) exortou à OEA a pressionar o governo para que permita ajuda internacional frente ao que considera uma "crise humanitária".