A embaixadora dos EUA na ONU, Nikki Haley: país anunciou a saída do Conselho de Direitos Humanos da entidade (Shannon Stapleton/Reuters)
Gabriela Ruic
Publicado em 19 de junho de 2018 às 18h11.
Última atualização em 20 de junho de 2018 às 11h49.
São Paulo – Os Estados Unidos oficializaram a saída do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), que acontece na metade de um mandato de três anos.
O anunciou foi feito na noite desta terça-feira (horário de Brasília) pela embaixadora dos EUA para a ONU, Nikki Haley. A saída, disse ela, vem "depois de nenhum outro país demonstrar coragem para se juntar a nossa briga para reformar esse órgão hipócrita". Haley reforçou, ainda, "que esse passo não é um recuo dos nossos compromissos em direitos humanos".
A saída do órgão, o principal de direitos humanos da ONU, acontece no dia seguinte de o alto comissário da entidade, Zeid Ra’ad Al Hussein, ter desferido duras críticas ao país e sua política de “tolerância zero” contra imigração na fronteira com o México. A ação, que se iniciou há cerca de seis semanas, já resultou na separação de ao menos 2 mil crianças de suas famílias.
Na segunda-feira, 18, Hussein chamou de “inadmissível” a atitude do país. A declaração foi feita durante a abertura da 38ª sessão do Conselho de Direitos Humanos, a última de Zeid no cargo, mas não foi a única crítica desferida contra os EUA. Na ocasião, fontes ouvidas pela agência de notícias AFP alertaram que o tom da fala pudesse fazer com que os americanos abandonassem o órgão.
Embora anunciada nesta terça, a saída dos EUA do Conselho não é exatamente uma surpresa, uma vez que o país vinha acusando o órgão de ser “anti-Israel” e ameaçando deixá-lo, caso os seus procedimentos não fossem reformados. “Nossa paciência não é ilimitada”, disse Haley na época em que o órgão adotou cinco resoluções contra Israel pelo tratamento aos palestinos.
A decisão é mais uma rejeição aos esforços diplomáticos multilaterais de Washington, coerente com a política “América em 1º lugar” aventada por Trump durante a sua campanha pela presidência. Desde que assumiu o cargo, o republicano já deixou o acordo de Paris, sobre mudanças climáticas, e o acordo nuclear com o Irã.
Nos 12 anos de Conselho, essa é a primeira vez que um país anuncia a saída do quadro de membros. A Líbia chegou a ser suspensa nos idos de 2011 por violações de direitos humanos durante a guerra civil que culminou na queda do ditador Muammar Kadafi.
A decisão dos Estados Unidos não é exatamente uma surpresa, não apenas pelas tensões recentes entre Trump e o Conselho, nascido em 2006, mas também pelo fato de que, historicamente, a relação entre o órgão e administrações americanas sempre foram conturbadas.
Logo na sua criação, o então presidente republicano George W. Bush evitou procurar ser eleito para o órgão. Essa postura, no entanto, foi revertida pouco depois, quando o democrata Barack Obama assumiu a presidência em 2009.
Na ocasião, a embaixadora dos EUA para a ONU, Susan Rice, disse que o papel americano no Conselho seria o de “liderar” e torná-lo “um fórum-chave para avanços em direitos humanos”.
Flávio de Leão Bastos Pereira, professor de Direitos Humanos da Universidade Presbiteriana Mackenzie e membro da Academia Internacional dos Princípios de Nuremberg, lembra que o Conselho nasce em 2006 sem o apoio dos EUA, que tampouco aderiram ao Estatuto de Roma, que deu origem ao Tribunal Penal Internacional.
Para o especialista, a saída dos EUA do Conselho não vem como uma surpresa, ainda mais quando se lembra que esse órgão nasce sem a concordância do governo americano. “Esse movimento enfraquece o Conselho”, explica ele, “mas, por outro lado, as suas decisões sempre foram frágeis e só demonstra como o modelo proposto na ONU, que nasce no pós-Segunda Guerra, precisa ser atualizado. ”
Fundada em 2006, o Conselho de Direitos Humanos da ONU é um órgão subsidiário da Assembleia Geral da ONU e tem como objetivo de promover o respeito universal aos direitos humanos, além de monitorar e endereçar possíveis violações ao sistema internacional de direitos humanos, bem como garantir que seus membros estejam implementando os mecanismos para a sua proteção.
O Conselho é composto por 47 países-membros, eleitos pela maioria dos votos dos membros da Assembleia Geral (formado pelos 193 países-membros da ONU). Os eleitos participam por um período máximo de três anos e não podem ser imediatamente reeleitos após dois mandatos consecutivos.