Defesa é desafio para a integração latino-americana
Após a adoção de mecanismos como o Mercosul e a integração econômica e comercial, a região ganhou uma nova dinâmica, dizem especialistas
Da Redação
Publicado em 24 de abril de 2015 às 09h38.
O diálogo para a integração dos países latino-americanos envolve o conhecimento em áreas distintas, passando pontualmente por setores estratégicos, como ciência e tecnologia , mas abarca também amplas questões políticas e culturais.
Essa foi a temática debatida na mesa-redonda Integración Latinoamericana, coordenada por Carlos Eduardo Lins da Silva, realizada em 9 de abril, como parte da FAPESP Week Buenos Aires.
Composta por pesquisadores das áreas de Defesa, Relações Internacionais e Estudos Latino-americanos, a mesa ressaltou as características que distinguem os países da região.
As similaridades que os identificam também foram apontadas como instrumentos capazes de serem usados para aproximar as nações latino-americanas, na política, na economia e na sociedade.
A área da Defesa, estratégica para a integração dos países da região, constitui-se também como um de seus maiores desafios.
Héctor Saint-Pierre, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), salientou em sua apresentação que, considerada marginal do ponto de vista da pesquisa, a Defesa pode ser instrumento para assegurar a democracia, desde que se conheça a fundo suas características, ajudando a criar um círculo virtuoso para a autonomia regional.
“No Brasil, a Defesa passou a ser considerada uma área de pesquisa científica, mas falta apurar essa visão em outros países da região e ampliar estudos conjuntos, a exemplo dos convênios acadêmicos existentes no Brasil com a Argentina”, observa.
Para ele, iniciativas como o Centro de Estudos Estratégicos de Defesa, criado no âmbito do Conselho de Defesa Sul-americano da União das Nações Sul-americanas (Unasul), podem ser o diferencial para que governos e sociedades a considerem como área de estudos capaz de gerar subsídios sob vários aspectos, inclusive econômicos e sociais.
“Os estudos em Defesa mostram que a dependência de países de empresas de outras regiões pode limitar sua capacidade de defender-se, mas também sua capacidade de planejamento econômico e social em nível regional."
Entre os motivos, Saint-Pierre destaca o fato de que algumas empresas podem determinar o que e para quem vendem seus produtos.
“Trata-se de uma dependência estratégica. A partir de estudos acadêmicos é possível entender melhor esse processo e obter subsídios para a tomada de decisões que combinem o conhecimento científico e tecnológico e também estratégias de desenvolvimento econômico e social”, diz.
O reequilíbrio de forças políticas e econômicas na região, ocorrido nas últimas décadas, também possibilita outro olhar sobre a América Latina, conforme destacou Diana Tussie, diretora de Relações Internacionais do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas da Argentina (Conicet).
Para ela, nas duas últimas décadas, após a adoção de mecanismos como o Mercosul e a integração econômica e comercial, foram criadas as condições para que o regionalismo ganhasse nova dinâmica, envolvendo também a sociedade civil.
“Esse envolvimento tem sido marcadamente crescente em áreas distintas, e incorpora questões de energia, recursos hídricos, defesa, produção científica e educação. Percebemos que há mais compartilhamento das experiências e maior interdependência regional, ao menos na América do Sul”, afirma.
Regionalismo na sociedade
Para medir o nível de conhecimento das pessoas sobre essa integração, em suas diferentes faces, Janina Onuki, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), apresentou uma série de resultados de surveys, realizados ao longo dos últimos anos sobre o Mercosul.
De acordo com a pesquisadora, alguns resultados chamam a atenção sobre como os países do bloco lidam de maneira particular com distintas questões.
Segundo ela, apenas 1/3 dos acordos discutidos e aprovados pelo Mercosul foram incorporados pelos países-membros.
“Há resistências domésticas às resoluções regionais. No Brasil, a maior parte dos processos foi integrada no primeiro mandato do presidente Lula, sobretudo aqueles com características mais comerciais do que sociais. Já o Paraguai incorporou a maior parte das resoluções em menor tempo. Hoje há várias demandas que vão além das comerciais, embora essas ainda permaneçam”, observa.
Essas pesquisas, realizadas nos cinco países que integram o Mercosul – Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela – revelam que o desconhecimento sobre o bloco diminuiu, ficando na casa dos 30%.
A metodologia escolhida envolve opinião pública, dividindo pessoas por faixa de renda, a fim de estabelecer o nível de conhecimento sobre o Mercosul em diferentes esferas econômicas das sociedades.
“Fizemos pesquisas com público geral e com as chamadas elites, e a diferença de conhecimento entre os dois grupos foi mínima. No entanto, enquanto 80% das elites afirmam ter interesse em política externa, apenas 25% do público geral demostrou ter predileção pelo assunto.”
Segundo a pesquisadora, antes o Mercosul era apoiado por camadas mais pobres, mas hoje é apoiado pelas camadas mais ricas da população, o que denota uma inversão do posicionamento político em relação à sua importância, tanto dos governos quanto de suas instituições.
O desafio para conciliar tantos e tão diferentes interesses, segundo Mercedes Botto, diretora da área de estudos latino-americanos da Universidade de Buenos Aires (UBA), exige entender a complexidade dessa cooperação.
Para ela, o fenômeno da integração regional é bastante mutável e o poder vinculante de lideranças regionais não tem sido observado no Mercosul.
“As lideranças regionais têm a capacidade de regular as respostas e concordâncias dos países-membros, mas não há atualmente um país líder que faça valer suas posições na região. Contudo, mesmo que os espaços de cooperação sejam ainda poucos, devem ser ocupados pelas sociedades latino-americanas.”
Mercedes Botto afirma que políticas comerciais, educacionais e de pesquisa têm lógicas diferentes, mas a quantidade de agendas regionais revela mais temas do que uma cooperação genérica ou simples troca de informação.
Segundo a pesquisadora, há atualmente um compartilhamento de linhas de ação, embora a característica de não se incorporar localmente as normas regionais ainda predomine, o que tornam lentos os efeitos positivos da integração.
O diálogo para a integração dos países latino-americanos envolve o conhecimento em áreas distintas, passando pontualmente por setores estratégicos, como ciência e tecnologia , mas abarca também amplas questões políticas e culturais.
Essa foi a temática debatida na mesa-redonda Integración Latinoamericana, coordenada por Carlos Eduardo Lins da Silva, realizada em 9 de abril, como parte da FAPESP Week Buenos Aires.
Composta por pesquisadores das áreas de Defesa, Relações Internacionais e Estudos Latino-americanos, a mesa ressaltou as características que distinguem os países da região.
As similaridades que os identificam também foram apontadas como instrumentos capazes de serem usados para aproximar as nações latino-americanas, na política, na economia e na sociedade.
A área da Defesa, estratégica para a integração dos países da região, constitui-se também como um de seus maiores desafios.
Héctor Saint-Pierre, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), salientou em sua apresentação que, considerada marginal do ponto de vista da pesquisa, a Defesa pode ser instrumento para assegurar a democracia, desde que se conheça a fundo suas características, ajudando a criar um círculo virtuoso para a autonomia regional.
“No Brasil, a Defesa passou a ser considerada uma área de pesquisa científica, mas falta apurar essa visão em outros países da região e ampliar estudos conjuntos, a exemplo dos convênios acadêmicos existentes no Brasil com a Argentina”, observa.
Para ele, iniciativas como o Centro de Estudos Estratégicos de Defesa, criado no âmbito do Conselho de Defesa Sul-americano da União das Nações Sul-americanas (Unasul), podem ser o diferencial para que governos e sociedades a considerem como área de estudos capaz de gerar subsídios sob vários aspectos, inclusive econômicos e sociais.
“Os estudos em Defesa mostram que a dependência de países de empresas de outras regiões pode limitar sua capacidade de defender-se, mas também sua capacidade de planejamento econômico e social em nível regional."
Entre os motivos, Saint-Pierre destaca o fato de que algumas empresas podem determinar o que e para quem vendem seus produtos.
“Trata-se de uma dependência estratégica. A partir de estudos acadêmicos é possível entender melhor esse processo e obter subsídios para a tomada de decisões que combinem o conhecimento científico e tecnológico e também estratégias de desenvolvimento econômico e social”, diz.
O reequilíbrio de forças políticas e econômicas na região, ocorrido nas últimas décadas, também possibilita outro olhar sobre a América Latina, conforme destacou Diana Tussie, diretora de Relações Internacionais do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas da Argentina (Conicet).
Para ela, nas duas últimas décadas, após a adoção de mecanismos como o Mercosul e a integração econômica e comercial, foram criadas as condições para que o regionalismo ganhasse nova dinâmica, envolvendo também a sociedade civil.
“Esse envolvimento tem sido marcadamente crescente em áreas distintas, e incorpora questões de energia, recursos hídricos, defesa, produção científica e educação. Percebemos que há mais compartilhamento das experiências e maior interdependência regional, ao menos na América do Sul”, afirma.
Regionalismo na sociedade
Para medir o nível de conhecimento das pessoas sobre essa integração, em suas diferentes faces, Janina Onuki, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), apresentou uma série de resultados de surveys, realizados ao longo dos últimos anos sobre o Mercosul.
De acordo com a pesquisadora, alguns resultados chamam a atenção sobre como os países do bloco lidam de maneira particular com distintas questões.
Segundo ela, apenas 1/3 dos acordos discutidos e aprovados pelo Mercosul foram incorporados pelos países-membros.
“Há resistências domésticas às resoluções regionais. No Brasil, a maior parte dos processos foi integrada no primeiro mandato do presidente Lula, sobretudo aqueles com características mais comerciais do que sociais. Já o Paraguai incorporou a maior parte das resoluções em menor tempo. Hoje há várias demandas que vão além das comerciais, embora essas ainda permaneçam”, observa.
Essas pesquisas, realizadas nos cinco países que integram o Mercosul – Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela – revelam que o desconhecimento sobre o bloco diminuiu, ficando na casa dos 30%.
A metodologia escolhida envolve opinião pública, dividindo pessoas por faixa de renda, a fim de estabelecer o nível de conhecimento sobre o Mercosul em diferentes esferas econômicas das sociedades.
“Fizemos pesquisas com público geral e com as chamadas elites, e a diferença de conhecimento entre os dois grupos foi mínima. No entanto, enquanto 80% das elites afirmam ter interesse em política externa, apenas 25% do público geral demostrou ter predileção pelo assunto.”
Segundo a pesquisadora, antes o Mercosul era apoiado por camadas mais pobres, mas hoje é apoiado pelas camadas mais ricas da população, o que denota uma inversão do posicionamento político em relação à sua importância, tanto dos governos quanto de suas instituições.
O desafio para conciliar tantos e tão diferentes interesses, segundo Mercedes Botto, diretora da área de estudos latino-americanos da Universidade de Buenos Aires (UBA), exige entender a complexidade dessa cooperação.
Para ela, o fenômeno da integração regional é bastante mutável e o poder vinculante de lideranças regionais não tem sido observado no Mercosul.
“As lideranças regionais têm a capacidade de regular as respostas e concordâncias dos países-membros, mas não há atualmente um país líder que faça valer suas posições na região. Contudo, mesmo que os espaços de cooperação sejam ainda poucos, devem ser ocupados pelas sociedades latino-americanas.”
Mercedes Botto afirma que políticas comerciais, educacionais e de pesquisa têm lógicas diferentes, mas a quantidade de agendas regionais revela mais temas do que uma cooperação genérica ou simples troca de informação.
Segundo a pesquisadora, há atualmente um compartilhamento de linhas de ação, embora a característica de não se incorporar localmente as normas regionais ainda predomine, o que tornam lentos os efeitos positivos da integração.