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Daniel Wolfe, da Lausanne: uma Copa contraditória na Rússia

"Temos um país que deveria estar convidando o mundo para vê-lo, mas não tem uma relação muito amigável com o mundo", diz pesquisador

DANIEL WOLFE, DA LAUSANNE: "temos essa grande batalha por poder e recursos, e no meio disso, pessoas torcendo e jogando futebol" (Alexander Skobelkin/Divulgação)
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Carolina Riveira

Publicado em 30 de novembro de 2017 às 21h12.

Última atualização em 1 de dezembro de 2017 às 12h19.

Os grupos da Copa do Mundo de 2018 serão sorteados nesta sexta-feira em um momento contraditório para a Rússia. O país será sede da 21ª edição do torneio, que começa em 14 de junho, e foi escolhido em 2010, após bater a candidatura da Inglaterra e das duplas Bélgica/Holanda e Portugal/Espanha.

A Copa acontece apenas quatro anos depois de os russos já terem sediado as Olimpíadas de Inverno, nos Jogos de Sochi 2014. Na ocasião, a ideia, como aconteceu no Brasil ou na China, era usar os grandes eventos para se firmar como potência mundial.

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Mas o clima da Copa será bem diferente da festança de Sochi, como aponta o pesquisador Sven Daniel Wolfe, da Universidade de Lausanne, na Suíça. De 2010 para cá, a Rússia se envolveu em diferentes confrontos geopolíticos e a relação com o resto do mundo não é das melhores.

Wolfe, que é americano e vem estudando grandes eventos esportivos na Rússia, diz que, nesse cenário, o objetivo do presidente Vladimir Putin com a Copa é fortalecer a imagem do governo domesticamente. Mas mesmo dentro de casa a competição é controversa. A começar pelo futebol, que é pouco popular no país. O legado também é questionável: assim como no Brasil, sede da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016, a Rússia corre o risco de investir bilhões de dólares numa série de elefantes-brancos, estádios que serão pouco usados no futuro. “É uma pergunta muito desconfortável para as autoridades: se a seleção não é boa e ninguém gosta tanto de futebol, porque estamos fazendo isso, então?”, afirma Wolfe. Veja abaixo os melhores trechos da conversa com EXAME.

A Rússia foi escolhida como sede em 2010, há quase oito anos. O que mudou desde então?

O humor geral do mundo com relação à Rússia mudou muito. O Putin [presidente russo] voltou para seu terceiro mandato, houve os protestos em 2011, depois vieram as sanções do Ocidente pela anexação da Crimeia… Tudo isso mudou muito a atitude da Rússia com o Ocidente e vice-versa. Temos, então, uma situação muito embaraçosa. Temos um país que deveria estar convidando o mundo para vê-lo, mas, ao mesmo tempo, não tem uma relação muito amigável com o mundo. É um cenário esquisito.

Nas Olimpíadas de Inverno de Sochi, em 2014, o evento foi usado para mostrar a Rússia para o mundo e firmar o país como potência. O mesmo vai acontecer na Copa?

A ideia de mostrar o país foi muito forte em Sochi. Mas não vejo o mesmo tipo de ideia na Copa. As Olimpíadas de Sochi foram desenhadas para reformular a opinião internacional e doméstica sobre a Rússia. Já a Copa é muito mais focada domesticamente: vamos desenvolver o país, ser independentes, orgulhosos da nossa nação. Hoje, os russos não estão se importando muito com sua imagem internacional. As visões do Ocidente sobre a Rússia, em termos de sanções e conflitos geopolíticos, já estão muito claras, e isso não vai mudar. Além disso, são eventos diferentes: a Copa tem sedes espalhadas pelo país, e a própria cerimônia de abertura, que é um momento de exibição, é diferente e mais modesta.

No Brasil, uma das ideias ao trazer a Copa era justamente construir um legado, ajudando no desenvolvimento de sedes em todo o país. A ideia na Rússia é a mesma?

É bastante similar. Mas o quão efetiva foi essa estratégia no Brasil? Na Rússia, é a mesma coisa. Claro, em países grandes como Rússia e Brasil, desenvolver o país é muito necessário. Então, na Rússia, há novos aeroportos, novas estradas, estações de metrô. Mas uma pergunta muito importante é o que acontece depois que o evento acabar. Temos de esperar pra ver, mas o perigo é que os russos terminem com aeroportos muito grandes, estádios vazios… Os estádios em Moscou e São Petersburgo vão ser usados depois, mas há lugares como Saransk [com população de 300.000 e apenas a 64ª cidade mais populosa da Rússia], em que se construiu um estádio de 45.000 pessoas que tem grandes chances de não ter demanda depois.

Em Sochi, a Rússia teve bons resultados esportivamente: foi o primeiro colocado no quadro de medalhas. Mas não deve acontecer o mesmo com a seleção de futebol. Qual a relação dos russos com o esporte? Maus resultados podem atrapalhar a propaganda interna que o governo deseja?

Futebol na Rússia é assistido, mas não tão popular. É claro que os russos amam a sua seleção, então seria adorável dar a eles algumas vitórias. Mas a verdade é que a Rússia é um dos piores times classificados, e ninguém espera que saiam da primeira fase. O que é uma pergunta muito desconfortável para as autoridades: se a seleção não é boa e ninguém gosta tanto de futebol, porque estamos fazendo isso, então? O time chegou às semifinais da Eurocopa [torneio de seleções de futebol da Europa] em 2008, mas desde então, não vem tendo mais sucessos.

E diante da pouca popularidade do futebol e das controvérsias sobre os gastos públicos com o evento, os russos estão empolgados em receber a Copa?

Eu vi uma grande animação nos russos quando estive no país, mas menos pelo esporte e mais pela oportunidade de receber estrangeiros e mostrar o quão bom é o país deles. Existe esse desejo de ser um bom país-sede. Não tenho dúvida de que, na perspectiva dos organizadores e da FIFA, o evento vai dar certo; dúvido que haverá problemas de organização, segurança ou infraestrutura. A Rússia já provou que pode sediar um evento desse tipo. Mas as pessoas estão um pouco cansadas de grandes eventos. Principalmente as pessoas em Sochi, que têm vivido isso nos últimos anos.

Pode haver protestos populares contra os gastos públicos, como ocorreram quando o Brasil sediou a Copa de 2014?

Eu duvido que aconteça na Rússia algo como os protestos de 2013 no Brasil. O Brasil parece ter uma cultura muito mais ativa de protestos. Não vemos nada como isso na Rússia. Isso não significa que as pessoas estão apoiando. É que é um cenário político diferente. E também há pessoas que estão apoiando muito, que querem muito mostrar o orgulho que têm do país deles e acham que a Copa é uma forma de fazer isso.

A Rússia vive um período turbulento no cenário mundial, com sanções impostas pelo Ocidente, discussões sobre interferência na eleição dos Estados Unidos, atuação na Síria, anexação da Crimeia… Como essa situação geopolítica pode se refletir nos jogos?

Grandes eventos esportivos sempre têm um elemento político, ainda que a FIFA diga que devemos deixar a política de fora. Os Estados Unidos não se classificaram, mas vamos ver, por exemplo, a imprensa americana focando nos momentos ruins, nos possíveis erros de organização. Mas os líderes mundiais e as torcidas querem apoiar seus times. Os alemães, que venceram a última Copa, não vão deixar de ir à Rússia, mesmo que não apoiem as políticas do país. O ideal seria que eventos mundiais como esse unissem os líderes para trazer políticas de paz. Mas não acho que isso vai acontecer.

Além dos conflitos geopolíticos, o governo russo vem sendo acusado de tentar calar a oposição, não conceder direitos a minorias LGBTI ou apoiar violações de direitos humanos na guerra na Síria. A Copa pode ser uma forma de dar luz a essas questões e permitir que a comunidade internacional pressione mais a Rússia?

Não acredito que alguém vá usar a Copa para criticar e pressionar a Rússia. Na verdade, não está muito claro o que a comunidade internacional possa fazer, porque o Kremlin já deixou claro que não vai se deixar pressionar. E a questão é se as pessoas que militam na Rússia, que trabalham para uma sociedade mais aberta e democratica, seriam de fato beneficiadas por essa pressão. Quando o Ocidente critica a Rússia, o quanto isso efetivamente ajuda as pessoas no país? Então, temos essa grande batalha por poder e recursos, e no meio disso, pessoas torcendo e jogando futebol. Politicamente, é um momento muito estranho.

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