Curdos decretam mobilização geral prestes a lidar com ofensiva da Turquia
Presidente Trump garantiu que não "abandonou" os curdos e ameaçou "acabar" com a economia da Turquia
AFP
Publicado em 9 de outubro de 2019 às 08h56.
Última atualização em 9 de outubro de 2019 às 09h23.
Os curdos do norte da Síria , diante da indefinição de seu aliado americano, ordenaram nesta quarta-feira uma "mobilização geral" de três dias diante da perspectiva de uma ofensiva iminente da Turquia.
Após o anúncio no domingo da retirada das tropas americanas da Síria pela Casa Branca, o presidente Donald Trump garantiu que não "abandonou" os curdos e ameaçou "acabar" com a economia da Turquia "se ultrapasse os limites".
Mas na fronteira entre a Turquia e a Síria, soldados e veículos blindados turcos foram enviados em vista de uma operação contra a principal milícia curda da Síria.
"Proclamamos o estado de mobilização geral por três dias", anunciou em comunicado a administração semi-autônoma curda, que controla vastas áreas no norte e nordeste da Síria.
Ela pediu ao povo curdo "que se dirija à zona de fronteira" para garantir "a resistência" e disse que responsabilizaria os Estados Unidos e toda a comunidade internacional em caso de "catástrofe humanitária" na região.
Nesta quarta-feira, na localidade síria de Ras al-Ain, que pode estar na mira de Ancara, grandes barracas foram instaladas na fronteira para uma manifestação organizada pelas autoridades curdas, constatou um correspondente da AFP.
Pneus foram empilhados, prontos para serem queimados no caso de uma ofensiva para atrapalhar a visibilidade do agressor.
As bandeiras das Unidades de Proteção do Povo (YPG), a principal milícia curda da Síria, eram muitas na área, logo em frente à bandeira vermelha e branca da Turquia, do outro lado da fronteira.
Aliados do Ocidentais na luta contra o grupo Estado Islâmico (EI), as YPG são consideradas por Ancara como um grupo "terrorista" por causa de suas ligações com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que lidera uma guerrilha na Turquia.
"A guerra nos persegue há anos e todos os dias Recep Tayyip Erdogan ameaça nos atacar", disse Kawa Salim, de 32 anos, no mercado de Ras al-Ain. "Vamos defender nossas casas e nossa pátria por todos os meios".
As tropas americanas deixaram na segunda-feira Ras Al-Ain e outras áreas de fronteira, antes de Washington tentar amenizar a questão, garantindo se tratar de um remanejado para outras regiões.
O ministro russo das Relações Exteriores, Serguei Lavrov, reconheceu nesta quarta que os curdos da região estão "muito preocupados". "Eles temem que isso inflame toda a região".
A Turquia já realizou duas ofensivas na Síria, incluindo uma no início de 2018 que permitiu que seu Exército e aliados sírios controlassem o enclave curdo de Afrin (noroeste).
"Atravessar a fronteira em breve"
O ministério da Defesa turco disse na terça-feira que "todos os preparativos para uma operação" estavam concluídos.
E o diretor de comunicação da presidência turca, Fahrettin Altun, escreveu no mesmo dia no Washington Post que os soldados turcos "atravessariam a fronteira sírio-turca em breve".
De acordo com o jornal turco Hürriyet, a Turquia planeja primeiro controlar uma faixa de território na fronteira de 120 km de comprimento e cerca de trinta quilômetros de profundidade, das cidades de Tal Abyad a Ras al-Ain.
Em agosto, os Estados Unidos impediram in extremis uma ofensiva turca contra as YPG, propondo criar com ela uma "zona de segurança". Mas, desde então, Ancara não parou de reclamar de atrasos, ameaçando se lançar unilateralmente nesta empreitada.
Em médio prazo, Ancara pretende criar uma "zona de segurança" de 30 km de profundidade estendendo-se do Eufrates à fronteira do Iraque, ou 480 km.
Segundo o governo turco, esta área deve hospedar parte dos 3,6 milhões de refugiados sírios na Turquia e separar os territórios fronteiriços turcos daqueles conquistados pelas YPG.
O conflito sírio desencadeado pela repressão aos protestos pró-democracia em 2011 deixou mais de 370.000 mortos e milhões de refugiados.