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Copenhague vai ficar só no blá-blá-blá?

Há menos de um mês da Conferência de Copenhague, os principais países que vão participar da reunião ainda não conseguiram se entender - e o encontro corre o risco de naufragar

Copenhague (Dinamarca) (.)

Copenhague (Dinamarca) (.)

DR

Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.

Há um ano, o mundo vivia uma fase de otimismo em relação aos planos para combater uma de suas maiores ameaças: o aquecimento global. Essa disposição era explicada, sobretudo, pela eleição de Barack Obama à Presidência dos Estados Unidos. Afinal, ao contrário de seu antecessor, o republicano George W. Bush, o democrata acredita nas evidências científicas das mudanças climáticas - e isso já parecia ser um avanço. Além disso, Obama alardeava que cabia a seu país, o mais rico e poderoso do mundo, assumir a liderança de um movimento que, em última instância, definiria um acordo global de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa. O plano é que esse acordo histórico fosse selado em Copenhague, na Dinamarca, numa conferência que ocorreria na primeira quinzena de dezembro de 2009. Nessa data, representantes de 192 países se reuniriam para definir um sucessor para o Protocolo de Kyoto, um tratado assinado em 1997 que estabeleceu pela primeira vez limites para as emissões de países ricos. Hoje, porém, a menos de 30 dias da realização do evento, o clima é de desconfiança, para dizer o mínimo. Para muitos ambientalistas e representantes dos governos que participarão das discussões, as chances de assinatura de um acordo abrangente em Copenhague não são muito promissoras. "É realista dizer que não seremos capazes de estabelecer um tratado e que o melhor que podemos esperar dessa reunião é que consigamos definir uma base para futuras negociações", disse a chanceler alemã Angela Merkel em 30 de outubro, ao fim de um encontro de dois dias com lideranças europeias.

Parte da dúvida sobre a eficácia do encontro recai, ironicamente, sobre a atuação dos Estados Unidos. Num espaço de 12 meses, o país que surgia como um líder potencial na cruzada contra as mudanças climáticas tornou-se um entrave para as negociações. A explicação para isso pode soar um tanto quanto mesquinha aos olhos de ambientalistas altruístas, mas ilustra bem a dinâmica das relações entre os países: todos esperavam que os Estados Unidos dessem o exemplo e se comprometessem com uma meta de redução de emissões agressiva. Aí, o caminho natural seria segui-lo e definir objetivos igualmente ambiciosos. Essa lógica de raciocínio está fundamentada no simples fato de que os americanos são o segundo maior emissor de CO2 per capita do planeta (no topo da lista está a Austrália, cuja economia, fortemente baseada no agronegócio, já começou a sofrer os efeitos da mudança climática). Enquanto um cidadão americano emite, em média, 25 toneladas de CO2 por ano - muitas vezes impulsionado pelo consumo de diesel de um utilitário esportivo beberrão -, um europeu contribui com cerca de 10 toneladas para o aquecimento global. Um brasileiro emite, em média, 5 toneladas. Obama continua fazendo discursos inflamados de combate ao
aquecimento e está tentando aprovar no Senado americano uma legislação climática, mas a chance de que ela receba sinal verde antes de Copenhague é quase nula. Mesmo que a tal legislação fosse votada, ela é tão tímida que sua repercussão em Copenhague seria mínima. Ela prevê uma meta de redução de emissões até 2020 de 3% em relação a 1990. Pode ser muito para os Estados Unidos, mas é pouquíssimo para o planeta.

   <hr>  <p class="pagina"><strong>Centelha de esperança</strong><br> <br> Há hoje um consenso entre os cientistas, e também entre os governantes, de que a temperatura média da Terra não pode subir mais do que 2 graus centígrados<br> até o final deste século. Se o termômetro ultrapassar essa marca, as ameaças à vida aqui se tornarão imprevisíveis. Para respeitar esse limite, países ricos, como os Estados Unidos, teriam de se comprometer com reduções de emissões de, no mínimo, 20% até 2020 e 80% até 2050. O que faz despertar uma centelha de esperança em quem vem acompanhando as discussões pré-Copenhague é que o Japão e a União Europeia declararam que estão dispostos a encarar o desafio. A eleição do democrata Yukio Hatoyama para primeiro-ministro do Japão, em setembro, teve efeitos imediatos - o país decidiu que a redução de emissão de CO2 até 2020 será de 25%, ante os 15% anunciados até então. Já a Europa prometeu aumentar a meta para 30% se pares igualmente poderosos endossarem o mesmo número. "Colocamos as nossas cartas na mesa. Agora queremos que os outros façam o mesmo", disse Ed Miliband, ministro de Energia e de Clima da Inglaterra.</p>

Ao exigir que outros países se mexam, Miliband, uma das figuras públicas que mais têm se esforçado para que Copenhague não naufrague, está se referindo não só aos países desenvolvidos. O recado é também para os emergentes Índia, Brasil e China. Durante muito tempo, o discurso clássico entoado por esses países foi que eles não eram culpados pelo aquecimento global e que seria injusto envolvêlos na solução do problema. Justo ou não, alguns dos emergentes parecem ter entendido que o problema é uma ameaça global e que só o esforço dos ricos não será suficiente para solucioná-lo. O Brasil assumiu publicamente o compromisso de diminuir o desmatamento da Amazônia em 80% até 2020. A medida é relevante, porque é o corte e a queima de florestas que dão ao país o título de quarto maior emissor de gases causadores de efeito estufa do mundo. Há, porém, muita pressão por parte de ONGs e do setor privado para que o Brasil leve para Copenhague uma meta concreta de redução de suas emissões. Para se comprometer globalmente com um número razoável, o país teria basicamente de deixar árvores em pé - algo bem mais barato, por exemplo, que trocar termelétricas movidas a carvão por parques eólicos e painéis solares, medidas que os europeus e os chineses terão de adotar. Até o fechamento desta edição, porém, o governo brasileiro não havia se pronunciado sobre uma proposta concreta para a reunião. "É claro que o país ajudaria se fizesse uma proposta mais agressiva, mas não tem protagonismo suficiente para transformar Copenhague num sucesso", afirma Eduardo Viola, professor de relações internacionais da Universidade de Brasília.

Se o Brasil não tem força para mudar radicalmente as regras do jogo (e se esquiva sempre que pode), outro emergente toma o lugar de protagonista nessa discussão - a China. Tão importante quanto os Estados Unidos em termos de poderio econômico e capacidade de emitir CO2 (a China é hoje o maior emissor do mundo em termos absolutos), o país deu início recentemente a uma cruzada verde. Hoje é o maior produtor mundial de painéis solares e tem o quinto maior parque eólico do mundo. Tudo isso para cumprir um objetivo definido pelo governo de, até 2020, suprir 15% da demanda de energia do país com fontes renováveis. Agora, o país precisa que sua postura nas negociações internacionais pelo clima reflita essa transformação. O presidente chinês, Hu Jintao, adotou o discurso sobre a urgência do combate ao aquecimento, mas se recusa a estabelecer uma meta de redução para suas emissões ou definir o ano em que elas atingirão seu pico. "Como Obama não se mexeu até agora, Jintao teme dar o primeiro passo e ficar em desvantagem", diz Viola. Ainda em novembro, Obama deve fazer uma visita à China, e há uma expectativa de que os dois países discutam o tema e possam até mesmo firmar um acordo bilateral de ações contra o aquecimento - medida que não é vista com bons olhos pelo resto do mundo, porque enfraqueceria a reunião de Copenhague. Até agora, no entanto, o que fontes oficiais do governo americano vêm dizendo é que o assunto não deve entrar na pauta. Em meio a tantas dúvidas há apenas uma certeza. "Nos últimos 20 anos, essa é, sem sombra de dúvida, a negociação mais necessária e complexa a ser feita na arena internacional", afirma Viola.

   <hr>  <p class="pagina"><strong>Eles não se entendem</strong><br>Às vésperas da reunião da ONU sobre clima, há ainda muita incerteza sobre o que alguns dos países e das regiões envolvidos na discussão irão propor. Saiba qual é, até agora, o posicionamento de alguns deles</p>

CHINA:
Há dois anos como o maior emissor de CO2 do mundo, o país iniciou uma cruzada verde e vem se transformando no queridinho dos ambientalistas. Até 2020, a China quer obter 15% de sua energia de fontes renováveis, o que fará com que tenha uma das maiores indústrias de energia eólica e solar do mundo. A despeito dos avanços, o país se recusa a estabelecer uma meta de redução das emissões.

ESTADOS UNIDOS:
Segundo maior emissor de CO2 do planeta, o país era o favorito para ser a estrela de Copenhague, graças às promessas feitas por Barack Obama durante a campanha presidencial. A legislação climática que ele tenta aprovar no Senado, porém, prevê uma meta de redução de emissões até 2020 de apenas 3% em relação a 1990 - e há uma chance remota de que ela seja votada antes da reunião, em dezembro.

UNIÃO EUROPEIA:
A região quer liderar o processo de combate ao aquecimento global e foi a primeira a se comprometer em diminuir em 20% as suas emissões de CO2 na atmosfera
até 2020 e em 95% até 2050. Suas lideranças anunciaram que estão dispostas a aumentar a meta para 30% até 2020 se outros países igualmente ricos, como os Estados Unidos, também assumirem o mesmo compromisso.

BRASIL:
Até agora, o compromisso público assumido pelo governo foi que o país diminuirá em 80% o desmatamento na Amazônia até 2020 - o corte e a queima de florestas respondem por 60% de nossas emissões. Há, porém, pressão de ONG s e do setor privado para que o país leve a Copenhague uma meta concreta de redução das emissões. Até o fechamento desta edição, o governo brasileiro não havia se pronunciado sobre o assunto.

JAPÃO:
A eleição do democrata Yukio Hatoyama para primeiro-ministro, em setembro, mudou a postura do país frente ao aquecimento global. Hatoyama declarou que estava disposto a ampliar a meta de redução de emissões para 2020 de 15% para 25%. Recentemente, porém, o governo revelou que pode afrouxar a meta se outras nações não se comprometerem com números semelhantes em Copenhague.

ÍNDIA:
Entre os emergentes, é o país que mais reluta em aceitar uma meta de redução de suas emissões. O argumento dos governantes é que, embora esteja entre os maiores emissores de CO2 do mundo em volume absoluto, sua emissão per capita é uma das mais baixas. Isso significa que boa parte da população não emite porque não tem nem mesmo acesso a energia elétrica.

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