Convenção Republicana: da Ilha da Fantasia direto para a Casa Branca
OPINIÃO | Em 2024, nunca a fantasia esteve tão unida e próxima da Casa Branca
Colunista
Publicado em 19 de julho de 2024 às 12h42.
Quem acompanhava seriados de TV nos anos 80 deve se lembrar da “Ilha da Fantasia”. Um luxuoso resort em uma ilha remota do Oceano Pacífico era o perfeito palco para acontecimentos intrigantes. Lá, os hóspedes podiam experimentar qualquer fantasia que desejassem, apesar dos resultados desses experimentos nem sempre saírem como esperado. O resort era administrado pelo enigmático Sr. Roake (Ricardo Montalban) e seu assistente, Tattoo (Hervé Villechaize), e os acontecimentos na Ilha da Fantasia aparentavam ter vida própria. A convenção do Partido Republicano, em Milwaukee, tem diversos elementos desse famoso seriado. Para quem nunca havia estado presencialmente nesse tipo evento, foi uma experiencia incrível que merece reflexão.
Primeiramente, Milkwaukee mostrou ao mundo a nova, e solidamente estabelecida, face desse grupo político que já foi de Abraham Lincoln, Theodore Roosevelt, Dwight Eisenhower, Richard Nixon, Ronald Reagan e de George W. Bush.Hoje, é impossível distinguir entre o Trumpismo e o Partido Republicano. Um pertence ao outro.O evento é quase exclusivamente um culto pessoal ao ex-presidente Donald Trump. A ala moderada dos republicanos foi expulsa da convenção, ou nem convidada. Faltaram nomes como Mitt Romney, Liz Cheney, Chris Christie, Lisa Murkowski, Susan Collins ou Larry Hogan.
Outros que foram publicamente atacados (muitas vezes humilhados) por Donald Trump tiveram a sua chance de mostrar que mudaram radicalmente de ideia sobre o mesmo. São exemplos dessa incrível metamorfose de opinião, os senadores Marco Rubio, Ted Cruz e até mesmo a ex-candidata presidencial, Nikki Haley. Aprecie sem moderação poderia ser o lema do evento.
O problema disso é que candidatos e candidatas com esse perfil mais alinhado com o trumpismo tem sofrido inúmeras derrotas eleitorais desde 2016.
As derrotas são mais frequentes que as vitórias. Nos últimos oito anos, os republicanos sofreram encolhimento em número de governadores, de senadores e deputados eleitos. E, diferentemente de 1972, 1984 e 2004, não conseguiram reeleger o presidente.Existe o bônus e ônus de aderir plenamente ao trumpismo.
O discurso de Trump na convenção republicana
O discurso de Trump
Donald Trump, em seu discurso, tentou, no início, se humanizar em função do atentado . Parecia tentar se conectar com uma nova parcela de eleitores. Confesso que achei muito inteligente a largada do discurso. Também mencionou, algumas vezes, que pretende “unir o país”. Porém, ao longo de sua longa fala, acabou retomando as abordagens populistas e que basicamente dialogam com a sua base mais estridente. Em resumo, pouco se esforçoou para dialogar com os eleitores independentes, tão essenciais para a vitória em novembro. Foi, no final, o comunicador/candidato de sempre. Gostem ou não, o personagem felizmente sobreviveu a um tiro mas sua persona política segue intacta.
Segundo, o próprio indicado para compor a chapa republicana, o senador por Ohio, J.D. Vance, no passado, chegou a comparar Trump com Hitler. Mas também, segundo o próprio, mudou de ideia. A escolha trumpista não passou por complementariedade eleitoral, como costuma ser. Até porque Vance tem baixo potencial de atrair novos grupos de eleitores. Seu perfil (apesar de ser muito mais jovem) e suas ideias são muito similares, para não dizer idênticas, às do ex-ocupante da Salão Oval. Seu mapa eleitoral em Ohio é extremamente correlato ao candidato presidencial derrotado em 2020. A decisão de convidá-lo foi, portanto, essencialente pela sensibilidade de Trump que Vance lhe será extremamente fiel.
Fidelidade, acima de tudo e de todos, é a qualidade mais relevante para o trumpismo moderno.
FOTOS: O atentado a Trump
Terceiro, encontrei circulando sozinho nos corredores convenção, o recém eleito e líder do Reform UK, Nigel Farage.
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Para quem não sabe, Farage era o ícone do partido “Brexit” e representa a ascendente direita populista no Reino Unido. Ele tem uma frase famosa que reflete muito o espírito republicano dos novos tempos: “Ser populista é muito popular”. Nada mais adequado para o contexto que testemunhei por aqui. Aquele Partido Republicano do livre mercado, da abertura comercial, da globalização, da gestão fiscal responsável, da liderança diplomática e bélica americana e do respeito às mais básicas liturgias institucionais não apareceu por aqui. Tenho dúvidas se Ronald Reagan teria o lugar de fala na Milkwaukee republicana de 2024. Os discursos, as propostas e as ideias apresentadas por seguidos palestrantes flertaram com o populismo amplamente conhecido e difundido na América Latina. Solução simples para problemas complexos.
Apesar do clima de “Ilha da Fantasia”, os ventos permanecem muito favoráveis para um retorno trumpista ao posto mais alto dos Estados Unidos. Como todos já sabemos, do outro lado, temos um governo mal avaliado e um presidente, Joe Biden, que tem suas faculdades mentais questionadas diariamente.
Para complicar, enquanto por aqui só se respira união (os moderados já foram devidamente excluídos), entre os democratas a confusão ainda reina com a possível desistência de Joe Biden. Para inúmeros delegados republicanos com quem conversei, a candidata será a vice-presidente Kamala Harris. Os ataques direcionadas à ex-senadora da Califórnia, inclusive, já estão fortes e difundidos. O tabuleiro está montado para encarar a vice-presidente.
Portanto, não custa lembrar que na “Ilha da Fantasia”, assim como nesse mega evento Republicano, os desejos pouco dialogavam com as complexidades da vida cotidiana. Os resultados dessa dissonância cognitiva, entre o desejado e o possível, atraíam alta audiência para o seriado, mas distanciavam a “Ilha da Fantasia”da realidade. Em 2024, no entanto, nunca a fantasia esteve tão unida e próxima da Casa Branca.