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Eleições na Argentina: campanha presidencial usa inteligência artificial em grande escala

Vídeos viralizam nas redes sociais, e especialistas alertam para potencial nocivo se uso for para fazer deepfake

Javier Milei e Sergio Massa, durante debate no domingo, dia 12 (Luis Robayo/AFP)
Agência o Globo

Agência de notícias

Publicado em 14 de novembro de 2023 às 16h44.

Última atualização em 14 de novembro de 2023 às 17h23.

A campanha eleitoral argentina é a primeira da região na qual a inteligência artificial está sendo usada em grande escala, sobretudo na produção de vídeos que viralizaram nas últimas semanas em redes sociais como Instagram, TikTok e YouTube.

Fontes da campanha do peronista Sergio Massa admitiram ao jornal O Globo que ferramentas de IA são essenciais para a equipe de estrategistas que assessora o candidato, formada, também, por brasileiros, americanos e espanhóis.

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Já fontes da campanha do candidato da direita radical Javier Milei negaram a utilização da IA, mas admitiram que sistemas populares atualmente, entre eles Midjourney e Dall-e, são usados por apoiadores do líder do partido A Liberdade Avança.

Um dia após o último debate entre os dois candidatos, a campanha de Massa lançou ontem nas redes um vídeo sobre um episódio que traumatizou a sociedade argentina: o afundamento, em 2 de maio de 1982, do cruzador ARA Belgrano, durante a Guerra das Malvinas, que matou 323 argentinos. No vídeo, com personagens de animação, aparecem soldados argentinos na embarcação, e em seguida a então primeira-ministra britânica Margaret Thatcher dando a ordem de “atacar o Belgrano”. Antes do ataque acontecer, aparece a voz de Milei dizendo que “na História da Humanidade ouve grandes líderes, a senhora Thatcher foi [ um deles ]”. O vídeo termina com a seguinte mensagem, dita por Massa durante o debate: “Um país não pode ser liderado por quem admira seus inimigos.”

Na semana passada, um vídeo produzido por seguidores do candidato da direita radical causou forte polêmica no país. Nele, o candidato peronista aparecia cheirando cocaína. A campanha de Massa acusou a de Milei de criar as chamadas deepfakes que, como explica o brasileiro Ricardo Campos, professor assistente na Universidade Goethe, de Frankfurt, na Alemanha, e diretor do instituto LGPD, “são vídeos ou áudios manipulados para parecerem genuínos”.

"Candidatos políticos e figuras públicas podem ser retratados dizendo ou fazendo coisas que nunca ocorreram, o que pode afetar drasticamente a opinião pública. Essa é uma discussão que vem crescendo e ganha ainda mais relevância em razão dos casos recentemente ocorridos na Argentina", afirma Campos.

Como acrescenta Campos, que colabora na elaboração de projetos de lei sobre FakeNews e IA no Brasil, “as deepfakes têm se tornado tão realísticas, chegando ao ponto de confundir um espectador leigo ou desatento, que elas podem levar, nas palavras do professor Marc Blitz, da Universidade de Oklahoma City, a uma ‘anarquia informacional’.”

"Deepfakes podem causar tamanho desgaste à credibilidade das instituições, tanto públicas quanto privadas, que essas possivelmente enfrentarão uma crescente dificuldade de se mostrarem confiáveis para as pessoas de maneira geral, caracterizando a erosão da confiabilidade", frisou Campos ao O Globo.

Jurassic Park e Star Wars

O argentino Agustín Huerta, vice-presidente senior de Inovação Digital da multinacional Globant, concorda e, como Campos, defende a necessidade de que exista algum de regulação sobre o uso de IA.

"A existência de um marco legislativo é necessária, mas é difícil de avançar. Até agora, tivemos no mundo grandes fracassos, por exemplo, nas tentativas por parte da União Europeia", admite Huerta.

Os vídeos que circulam na Argentina buscam, essencialmente, aumentar a imagem negativa dos dois candidatos que disputarão o segundo turno, no próximo domingo. A campanha de Massa jogou com falas polêmicas de Milei sobre livre porte de armas, venda de órgãos e momentos em que o candidato perdeu as estribeiras. Num dos vídeos mais vistos nas últimas semanas, Milei aparece brindando com o ex-presidente Mauricio Macri, agora seu principal aliado, sua irmã, Karina Milei, rodeada de cachorros clonados, entre outras imagens, e, no final, o pedido de união dos argentinos para defender a democracia, no melhor estilo Avengers.

Em outros vídeos o candidato peronista aparece como herói do filme Jurassic Park, na tentativa de reforçar a imagem de um dirigente corajoso. A equipe de campanha também criou fotos de Massa feitas com IA como líder de exércitos libertadores, abraçado ao Papa Francisco (com quem mantém uma relação tensa por sua oposição à chegada do argentino ao comando da Santa Sé, em 2013), ou como um dos protagonistas da saga de Star Wars.

"Esta é a primeira campanha na América Latina na qual se usa tanta IA e isso tem a ver com a popularização das ferramentas. Hoje é muito mais simples usá-las", diz o especialista da Globant.

Para ele, o mais preocupante é que a IA seja usada para campanhas agressivas, e não sobre propostas.

"O objetivo é destruir o outro",  enfatiza Huerta.

Projeto de lei no Brasil

A Argentina, como quase todos os países da América Latina, não tem restrições para a utilização de IA. Houve debates no Congresso, mas o máximo que se conseguiu foi promover um pedido para que o Ministério de Ciência e Tecnologia elabore normas sobre o uso de IA, algo que nunca aconteceu.

Campos destaca que o escasso avanço em matéria de regulações é um problema global. Entre os poucos exemplos que existem no mundo, acrescenta o especialista, na China uma legislação foi promulgada para regular deepfakes, exigindo que todo conteúdo gerado artificialmente seja claramente rotulado como tal; nos Estados Unidos, Califórnia e Texas aprovaram leis proibindo o uso de deepfakes em contexto eleitoral; e em seu Artigo 52, o chamado AI Att Europeu prevê a obrigação de informar que um conteúdo foi artificialmente gerado.

No Brasil, explica Campos, o deputado federal Rafael Brito (MDB/AL) apresentou, em outubro passado, o projeto de lei n° 5241/2023, incorporado ao PL 1002/2023. “A proposição busca alterar o Código Eleitoral para tipificar o crime de divulgação, durante período de campanha eleitoral, de vídeos e conteúdo audiovisual com ‘deepfake’, que tenham o objetivo de induzir a erro o eleitorado, difamar candidatos ou partidos políticos, ou influenciar fraudulentamente o resultado das eleições.

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