Touro de Wall Street (Getty Images/Getty Images)
A regra número um dos investidores indica que quando a incerteza sobe, a ordem é: vender ações nas bolsas de valores e comprar ativos portos-seguros, como ouro, imóveis ou títulos da dívida pública.
Ou seja, fuga das bolsas de valores e compra de títulos da dívida pública de países considerados sólidos, como Estados Unidos, Alemanha ou Japão.
Entretanto, essa regra parece não estar sendo seguida pelos investidores internacionais no momento da máxima incerteza dos últimos anos: a guerra na Ucrânia.
Todos os analistas financeiros estavam esperando uma debandada das bolsas de valores, principalmente europeias, por causa dos efeitos esperados da invasão russa, e uma contemporânea busca incessante para os títulos da dívida pública.
Entretanto, desde o início das das hostilidades, ocorreu o exato oposto.
Mesmo com essa enorme dose de incerteza geopolítica, econômica e contábil corporativa, as bolsas resistiram bem.
Até considerando a queda dos dois últimos pregões, o S&P 500 está positivo em cerca de 2%.
Analisando apenas o primeiro mês após o início da invasão, que começou no dia 24 de fevereiro, o principal índice de Wall Street passou de 4.225 pontos para 4.631 pontos.
Mesma história no caso das bolsas europeias. O EuroStoxx 50 está praticamente inalterado.
Existem alguns índices que estão em declínio. Mas essas quedas são muito contidas.
Nada se compara à extensão da incerteza provocada por um conflito dessas proporções.
Por outro lado, o mercado de títulos da dívida pública registrou um dos colapsos mais estrondosos das últimas décadas.
Os preços despencaram e os rendimentos subiram.
O Bund alemão, título do tesouro da Alemanha com vencimento em dez anos, considerado o ativo porto seguro por antonomásia na Europa, rendia 0,22% no dia em que os exércitos russos cruzaram a fronteira ucraniana.
Agora está perto de 1%.
O título da dívida pública americana, o Treasury, ativo porto-seguro por excelência no mundo inteiro, rendeu 1,99% no início da guerra.
Agora está pouco abaixo de 3%.
No entanto, a economia desacelera e a recessão é temida em muitas regiões do mundo, como Europa e Estados Unidos.
Os lucros corporativos estão caindo em um contexto de custos cada vez maiores das matérias-primas.
Mas então, por que os mercados parecem não se importar com essas grande incerteza?
A resposta é simples: o que mais preocupa não é a guerra, mas o efeito que está tendo sobre a inflação e, portanto, sobre as escolhas dos bancos centrais.
Com a alta dos preços chegando a 8,5% nos Estados Unidos e 7,5% na Zona do Euro, os bancos centrais estão prontos para um dos apertos monetários mais rápidos e agressivos das últimas décadas.
Para os Estados Unidos, é preciso voltar em 1982 para encontrar uma política monetária tão restritiva iniciada pelo banco central de Washington, o Federal Reserve (Fed).
Portanto, parece óbvio que o mercado de títulos da dívida pública seja atingido por um violento terremoto.
Sem considerar que até poucos meses atrás, os mercados tinham sido inundados por US$ 18 trilhões de títulos com rendimentos nominais abaixo de zero. Ou seja, com rendimentos negativos.
Como eles poderiam permanecer inalterados diante da disparada da inflação e das taxas de juros em franca alta?
Assim, diante do colapso dos títulos do governo, o ativo porto-seguro, paradoxalmente, tornou-se a bolsa de valores.
O capital que fugiu dos títulos públicos foi em parte para as ações, especialmente as que protegem melhor contra a inflação.
Ou seja, empresas que operam commodities ou que conseguem repassar rapidamente essa alta dos preços para os clientes.
Não por acaso, por aqui no Brasil, a Vale (VALE3) passou de R$ 60 em dezembro para R$ 105 em março.
Ou a Petrobras (PETR3), que subiu de R$ 30 em dezembro para R$ 38 em abril.
Isso, juntamente com uma série de outros motivos técnicos, como o reequilíbrio das carteiras que sustentou os preços em março, criou esse paradoxo do mercado.
Dessa forma, também esta guerra respeitou a tradição de todos os eventos bélicos: com as bombas, no final das contas, as bolsas de valores sobem.
A verdadeira questão é se a manutenção desses valores é sustentável.
E a resposta, diante da forte queda das bolsas de valores nos últimos dias, parece ser uma real incerteza.