Chamado de Trump das Filipinas, Duterte faz um ano na presidência
Duterte foi chamado de “Donald Trump das Filipinas” por seus discursos sem filtros e vem acumulando polêmicas desde que chegou à Presidência
Thiago Lavado
Publicado em 25 de julho de 2017 às 18h10.
Última atualização em 26 de julho de 2017 às 09h17.
O cargo de presidente mais polêmico do planeta tem um dono incontestável: é o líder norte-coreano Kim Jong-Un, cuja diversão preferida é testar mísseis com potencial de explodir cidades inimigas. O americano Donald Trump também tem seus predicados. Mas o filipino Rodrigo Duterte é o principal concorrente de Kim na conquista da antipatia global. Nesta segunda-feira, ele fez seu primeiro discurso anual à nação, marcando seus primeiros 12 meses no cargo. Como esperado, voltou a dizer que, apesar da pressão internacional, a guerra às drogas implementada por seu governo "não vai parar".
Duterte foi chamado de “Donald Trump das Filipinas” por seus discursos sem filtros e vem acumulando polêmicas desde que chegou à Presidência — de acusações de violar os direitos humanos nas Filipinas aos xingamentos aos Estados Unidos e ao ex-presidente Barack Obama, que chamou de “filho da p…” numa cúpula do G-20.
As Filipinas têm importância estratégica no Sudeste Asiático, com Duterte já tendo se encontrado com o presidente da China, Xi Jinping, e com o primeiro ministro do Japão, Shinzo Abe. As atuais tensões a serem resolvidas no Mar do Sul da China também passam pelo país. As Filipinas são um dos países que mais crescem na Ásia. Com um crescimento de 6,9% no PIB de 2016 e uma projeção de crescimento de 6,4 % neste ano, o país vem superando concorrentes de peso como a China e o Vietnã.
O plano do presidente Rodrigo Duterte de investir 160 bilhões de dólares em infraestrutura para a criação de empregos também foi bem recebido nacionalmente e inclui usar 1 bilhão em contratos para construir um aeroporto e uma estrada de ferro, transformando em um centro de comércio uma antiga base militar americana.
Mas é por uma razão muito menos nobre que as Filipinas têm estampado as manchetes de jornais no Ocidente. Desde que assumiu a Presidência, em junho do ano passado, Duterte tem promovido uma violenta política de combate, e caça, a traficantes e usuários de drogas. Inimigos políticos que acabaram na cadeia afirmam que o governo conspira para prender dissidentes e organizações de direitos humanos apontam os dedos para as violações do governo. Confira as principais encrencas em que Duterte meteu as Filipinas no último ano:
Chegada à Presidência
Antes de chegar à Presidência, Duterte alternou entre prefeito e vice-prefeito da cidade de Davao, uma das maiores das Filipinas, de 1986 até o ano passado. Nesse meio tempo, foi deputado entre 1998 e 2001, além de promotor, e ficou conhecido por articular "esquadrões da morte" contra criminosos e promover o vigilantismo.
Foi ao longo da atuação política em Davao que ganhou projeção nacional e o apelido de “justiceiro”. "Todos vocês que estão envolvidos com drogas: eu vou matar vocês. Não tenho paciência, não tenho meio termo", declarou em um comício às vésperas da eleição presidencial.
Durante a campanha, ele prometeu matar até 100.000 traficantes e viciados em drogas. "Eu sou o esquadrão da morte? Sim. Isso é verdade", disse, enquanto falava sobre seu tempo como prefeito.
Ele também foi acusado de não ter nenhuma plataforma consistente além em sua promessa de "lei e ordem". Conhecido por ter feito de Davao uma das cidades mais seguras das Filipinas, o ex-prefeito se aproveitou da vontade de mudança da população para conseguir se eleger.
Duterte assumiu o cargo em 30 de junho de 2016, após vencer as eleições em maio com 38% dos votos — no sistema filipino, ganha o candidato mais votado, independente de sua base de apoio no Congresso. Duterte teve mais de 14 milhões de votos, quase o dobro de votos dos adversários, o liberal Mar Roxas e a empresária e filantropa Grace Poe (que concorreu de forma independente). Nas Filipinas, os presidentes têm mandato de seis anos.
A guerra às drogas
Em discursos, Duterte já foi autor de declarações como "esqueçam as leis sobre direitos humanos" e chegou a se comparar com Hitler, ao afirmar que ficaria feliz em “exterminar” os 3 milhões de usuários e traficantes de drogas nas Filipinas. “Se a Alemanha teve Hitler, as Filipinas terão…”, disse, em setembro, apontando para si mesmo.
A polícia afirma que a mídia internacional exagera a questão, mas declara que, desde que Duterte assumiu a presidência em junho, o número de mortos pelas forças do Estado é de cerca de 3.200 pessoas envolvidas com tráfico ou consumo de drogas, em especial cristais de metanfetamina, que os filipinos chamam de “shabu”. Outras estimativas apontam que, até o final de junho, o número de mortes era de, pelo menos, 7.500 pessoas, se contabilizarmos os assassinatos cometidos por grupos de extermínio. Em um ano, esse número resulta em uma média de 20 mortes por dia diretamente como resultado da política de guerras às drogas do governo.
De acordo com dados do Comitê para Drogas Pesadas das Filipinas, em torno de 1,8 milhão de cidadãos estão envolvidos com drogas, embora os diretores do comitê afirmem que o número pode ser de até 3 milhões de pessoas, metade delas envolvidas com “shabu”.
Duterte afirmou que um usuário de shabu “não é mais uma pessoa, é um morto vivo, que não tem serventia para a sociedade”. Em seu discurso nesta segunda-feira, ele prometeu que irá caçar traficantes “até os portões do inferno”. Os que não morreram ainda também viraram estatística: o governo já bateu em mais de 3,5 milhões de residências (nos bairros nobres, ao invés de armas, a polícia apresenta folhetos que informam o que acontece com quem é pego usando drogas), forçando milhares a se renderem e encarcerando 80.000 pessoas, o que lotou as cadeias.
Há quem goste do método dutertiano: além da eleição com folga à Presidência, a política de combate à criminalidade do governo é aprovada por 8 em 10 filipinos, segundo uma pesquisa independente da Pulse Asia Research divulgada em abril. Em junho, uma pesquisa do mesmo instituto mostra que o índice de aprovação de Duterte no governo é de 82%.
O inimigo mora em casa
Uma peculiaridade filipina é que, como presidente e vice são eleitos separadamente, o vice de Duterte acabou sendo uma candidata da oposição: a então deputada Leni Robredo, do Partido Liberal. A eleição foi polêmica, já que Robredo venceu com uma vantagem de apenas 0,64% o principal adversário, o senador Bongbong Marcos, do Partido Nacionalista e da coalizão de Duterte (e filho de um ex-ditador filipino, Ferdinand Marcos, que governou de 1965 a 1986).
O Partido Liberal de Leni Robredo é o mesmo do antecessor de Duterte, Benigno Aquino III (que governou de 2010 a 2016). Hoje, Robredo é uma das principais vozes de oposição nas filipinas. “Existem muitos de nós contra as políticas do presidente. Espero conseguir desempenhar o papel de unificar todas as vozes discordantes”, disse em dezembro. Ela afirma haver um complô para tirá-la do governo. Robredo tem aprovação de 61% da população, segundo levantamento do Research Pulse de junho.
O Estado Islâmico filipino
A popularidade de Duterte pode ser explicada pelo fato de a segurança ser uma das maiores preocupações dos filipinos. E nos últimos meses, há ainda mais motivos para isso: o governo filipino vem travando uma dura batalha com militantes do grupo terrorista Abu Sayyaf, ligado ao Estado Islâmico e responsável por sequestros desde a década de 1990. O grupo se concentra no sul do país, e dominou a cidade de Marawi no fim de maio. A investida começou após uma operação do governo filipino tentar prender o líder filipino do ISIS, Isnilon Hapilon. A batalha levou o sul do país a uma crise humanitária, com mais de 300.000 pessoas sendo forçadas a deixar suas casas e mais de 100 mortos, entre civis e militares. Duterte prometeu que recuperaria a cidade no começo de junho, mas a guerra continua. Em sua visita à Rússia, em maio, Duterte pediu apoio logístico e armas ao presidente russo, Vladimir Putin.
Obama, “o filho da p…”
Além de ameaças aos traficantes e criminosos filipinos, os discursos de Duterte costumam ser recheados de insultos aos Estados Unidos. O presidente filipino ficou marcado ao chamar o ex-presidente americano, Barack Obama, de “filho da p…”. O insulto resultou em um cancelamento de uma reunião entre os líderes dos dois países. “É bom você não interferir, senão, filho da p*, vou te fazer pagar por isso”, disse o filipino.
Não parou por aí. Em outubro de 2016, diante da recusa dos Estados Unidos em venderem armas às Filipinas, Duterte soltou novamente um “vá para o inferno” a Obama, além de chamar os cidadãos dos Estados Unidos de “macacos americanos” e o país de “valentão”, dizendo que os Estados Unidos tentam interferir em outros lugares com constantes acusações de violações de direitos humanos.
Com Donald Trump, a relação ficou bem mais amena. Logo após confirmada a vitória de Trump nas eleições de 8 de novembro nos Estados Unidos, Duterte ligou ao presidente eleito, enviou “calorosas felicitações” e afirmou que “não quer discutir mais, porque Trump está lá”. Em uma nova conversa telefônica em 24 de maio, Trump elogiou a política de guerra às drogas de Duterte. “Eu só queria te parabenizar, porque venho ouvindo falar do inacreditável trabalho que você tem feito com a questão das drogas”, disse o presidente americano.
Mar do Sul da China
Mas apesar da relação com Trump ser melhor do que era com Obama, Duterte diz que mudou o rumo da política externa filipina, se aproximando mais da Rússia e da China. No ano passado, o presidente filipino visitou Moscou e Pequim, e vem tentando se aproximar dos vizinhos, ao mesmo tempo em que se distancia dos Estados Unidos.
A relação com os chineses é um dos principais assuntos da política externa filipina, e tema-chave no Sudeste Asiático. Os países têm desavenças sobre territórios do Mar do Sul da China, região que também é disputada por Vietnã, Taiwan e Malásia. Por ali, no encontro entre os oceanos Índico e Pacífico, circula um terço do comércio mundial. A região também tem uma grande reserva de petróleo, e alguns chamam o Mar do Sul de “o segundo Golfo Pérsico”.
Em abril deste ano, Duterte mandou tropas a regiões desocupadas do Mar do Sul, irritando Pequim. “Parece que todo mundo está pegando um pedaço aqui. Então melhor viver nas que ainda estão desocupadas”, disse. Na visita de Duterte a Pequim, o presidente Xi Jinping o alertou de que entraria em guerra se os filipinos começassem a explorar petróleo no Mar do Sul da China. E Duterte, ao que tudo indica, não quer de fato entrar em guerra com os chineses -- o presidente já admitiu que isso seria uma “carnificina” para o lado filipino.
Os Estados Unidos e as Filipinas têm um acordo para apoio militar dos americanos aos filipinos, caso ecloda uma guerra com a China, mas pesquisadores que estudam os conflitos na região afirmam que, com a atual postura de Donald Trump para conflitos internacionais, os Estados Unidos pouco ajudariam no caso de uma improvável guerra.
Com tudo isso na conta, Duterte pode até falar grosso com as grandes potências, mas só interfere mesmo é no seu quintal.