Fifa exclui "corrupção" de seu novo Código de Ética após reunião
Entidade ainda estabeleceu que se um crime foi cometido há mais de 10 anos, o dirigente em questão não poderá mais ser punido
Estadão Conteúdo
Publicado em 14 de agosto de 2018 às 10h25.
Última atualização em 14 de agosto de 2018 às 10h25.
Genebra - A Fifa prometeu e cumpriu: não há mais corrupção no futebol. Pelo menos é isso que indica o novo Código de Ética da entidade que, a partir da Copa do Mundo da Rússia, que acabou em 15 de julho, excluiu a palavra "corrupção" de seus artigos.
Em junho, em uma reunião confidencial, o Conselho da Fifa aprovou o seu novo Código de Ética e, de forma conveniente, retirou do texto qualquer referência ao termo. Quando o suíço Gianni Infantino assumiu a Fifa em 2016, em meio à pior crise de credibilidade da história do futebol, ele fez questão de anunciar que os problemas tinham acabado e que a "nova Fifa" seria diferente.
Além da extinção da palavra "corrupção" do novo código, a Fifa ainda estabeleceu que se o crime foi cometido há mais de 10 anos ou se a investigação não for concluída em uma década, o cartola em questão não poderá mais ser punido.
Na prática, se um pagamento de propina não for descoberto ou revelado em um prazo de 10 anos, o caso está encerrado. No Código de Ética original, criado pelo suíço Joseph Blatter em 2004, não havia limite.
Os investigadores independentes da Fifa agora terão apenas cinco anos para concluir qualquer tipo de processo sobre as demais irregularidades e a "procuradora-geral" da entidade, a colombiana Maria Claudia Rojas, terá o poder inclusive de chegar a acordos de delação premiada com suspeitos, um instrumento que, em um ambiente de poucas regras e arbitrariedade, poderia levar à proteção de eventuais aliados.
Difamação
Mas se a corrupção foi erradicada do texto, a Fifa introduziu um novo crime: a difamação. Pelas novas regras, uma pessoa está "proibida de fazer declarações públicas de natureza difamatória contra a Fifa" ou contra outros cartolas.
Sem dar detalhes sobre o que isso poderia significar, o código mantém uma flexibilidade ampla para permitir que qualquer um possa ser investigado por tal crime. Uma declaração difamatória levaria uma pessoa a ser suspensa do futebol por dois anos e, no caso de um novo incidente, a pena aumentaria para cinco anos.
Entre membros da Fifa que conversaram com o Estado, a medida é um sinal claro de que a entidade não vai tolerar críticas. Em 2016, Gianni Infantino demitiu o investigador independente da Fifa e seu o juiz. O auditor das contas da entidade, o italiano Domenico Scala, pediu demissão antes, diante da mudanças das regras.
Atacado por muitos por seu caráter centralizador, Gianni Infantino viu como vários de seus delegados de seus órgãos independentes abandonaram os seus trabalhos na Fifa por julgar que a entidade não estava comprometida com as reformas que prometeu depois das prisões dos cartolas, em 2015.
Um dos que abandonou a entidade foi o português Miguel Maduro. Ele era o responsável na Fifa pelo Comitê de Governabilidade, criado justamente para colocar ordem na entidade abalada pela corrupção, organizar e fiscalizar eleições e estabelecer regras sobre quem poderia fazer parte da gestão do futebol.
Mas ele durou apenas alguns meses no cargo, depois de ver a sua independência minada pela cúpula da entidade, que o teria pressionado a tomar certas decisões contra as próprias regras da Fifa.
No ano passado, ele prestou depoimento diante do Parlamento Britânico e revelou como, para proteger o governo russo e de tentar evitar qualquer punição contra representantes do Kremlin, como Vitaly Mutko, a direção da Fifa o pressionou a não puni-lo. Sua saída foi seguida pelo pedido de demissão de outros membros, inclusive por parte de Navi Pillay, ex-chefe de Direitos Humanos da ONU e que havia aceitado o convite para também fazer parte do esforço da nova Fifa em virar a página da corrupção.