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Após consagração nas urnas, Cristina terá de passar pelo teste da crise mundial

Economia argentina deve perder fôlego, empurrada pela deterioração global; "festa" dos subsídios e programas sociais poderá sofrer ajustes

Cristina Kircher após votar nas eleições presidenciais da Argentina (AFP/Juan Mabremata)
DR

Da Redação

Publicado em 24 de outubro de 2011 às 22h26.

São Paulo - Reeleita neste domingo, a presidente argentina, Cristina Kirchner , será reempossada em dezembro com um desafio pela frente: vencer o teste que a crise mundial lhe trará. Com um crescimento anual médio de 6,4% desde 2003 e uma expansão de 100% no PIB per capita desde 2002, o país vizinho beneficiou-se, em grande medida, de condições favoráveis na economia internacional.

A demanda dos emergentes, sobretudo da China, impulsionou os preços das commodities agrícolas e o crescimento brasileiro também contribuiu, já que a Argentina é nosso principal parceiro comercial. Somou-se a esse dinamismo externo a adoção de políticas fiscais e monetárias expansionistas.

Este quadro vigoroso, no entanto, passa por um processo de transformação, que deve impor dificuldades ao manejo da política econômica. Caberá ao derradeiro governo Kirchner – clã que completará doze anos no poder em 2015 – realizar ajustes dolorosos antes de ser pego no contrapé pela desaceleração global.

A reviravolta – Em 2002, imediatamente após declarar a moratória da dívida, a Argentina foi ao fundo do poço. O desemprego chegou a 22,4%, cerca de 40% da capacidade industrial ficou ociosa e o Produto Interno Bruto despencou 18,4% em relação ao patamar de quatro anos antes.


No entanto, após a eleição de Néstor Kirchner, em 2003, a recuperação foi meteórica. Beneficiado pelos altos preços internacionais de grãos – especialmente a soja, que passou de 200 dólares para mais de 500 dólares por tonelada em dez anos –, o país obteve um importante ingresso de divisas na última década.

O espaço que se criou nas contas públicas – afinal de contas, o país simplesmente deu o calote em boa parte de seu endividamento, o que até hoje lhe custa a desconfiança do mercado financeiro – permitiu ao governo expandir os gastos. Começaram então a concessão desenfreada de subsídios, com destaque para os setores de energia elétrica e combustíveis, e a expansão dos programas sociais.

Economistas apontam aí não apenas uma preocupação da Casa Rosada com a população desamparada, mas também uma forma de angariar apoio político das massas. As taxas de juros foram mantidas baixas e o câmbio, desvalorizado, favorecendo as importações. Com isso, o consumo interno aumentou cerca de 4% ao ano e o desemprego caiu para 7%.

Um dos maiores perigos a espreita da Argentina refere-se justamente à gastança do estado, que subiu 35% ao ano desde 2003, oferecendo riscos à política fiscal. Por outro lado, a economia já dá sinais de superaquecimento, com uma inflação batendo em 25% ao ano, segundo estimativas extraoficiais – a Casa Rosada não só manipula os índices oficiais de preços, como persegue as consultorias que realizam seus próprios cálculos.

Quadro insustentável – Embora os Kirchner tenham se mantido em situação confortável até o momento, o que se comprova pela vitória grandiosa nas urnas, analistas são unânimes em afirmar que não é possível sustentar uma economia com índices tão elevados de desequilíbrio fiscal e inflação por muito tempo – sobretudo quando condições externas favoráveis já não existem mais.


O crescimento da economia mundial está desacelerando; o preço da soja deve recuar nos próximos meses; e a demanda brasileira também deve estacionar. Em resumo, vários combustíveis da expansão argentina começarão a faltar. Os gastos públicos, se não forem ajustados, terão de ser confrontados com uma arrecadação que tem tudo para perder fôlego.

É evidente que as eleições deste final de semana indicaram uma preferência do povo argentino por este modelo expansionista. No entanto, a crise deve forçar a moderação das políticas fiscal e monetária. “Correções no gasto público, sobretudo nos subsídios, são aconselháveis. Seria uma forma de acabar com a pressão sobre o balanço fiscal do governo”, avalia Felipe Hernandez, economista do banco RBS.

Permitir a depreciação da moeda local para desestimular o crescimento vertiginoso das importações também é uma saída, em sua visão.

Com o empurrão da crise, a Argentina não deve escapar de uma desaceleração econômica. “As restrições de capacidade produtiva, a desaceleração global, os juros maiores e uma política fiscal possivelmente menos expansionista irão reduzir o ritmo de crescimento da economia”, diz o Itaú em seu relatório mensal sobre a América Latina.

O banco prevê que a alta do PIB deve passar de 9% em 2010 para 6,0% em 2011 e 3,2% no ano que vem. Já a inflação deve saltar para 30% em 2012, impulsionada pela desvalorização cambial. “Se o cenário global piorar mais, o governo pode acelerar o ajuste das políticas monetária e fiscal, ou aceitar ainda mais depreciação do peso e inflação. De qualquer forma, aumentaria o risco de uma queda brusca na economia, mais cedo ou mais tarde”, prevê o Itaú.

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A demanda dos emergentes, sobretudo da China, impulsionou os preços das commodities agrícolas e o crescimento brasileiro também contribuiu, já que a Argentina é nosso principal parceiro comercial. Somou-se a esse dinamismo externo a adoção de políticas fiscais e monetárias expansionistas.

Este quadro vigoroso, no entanto, passa por um processo de transformação, que deve impor dificuldades ao manejo da política econômica. Caberá ao derradeiro governo Kirchner – clã que completará doze anos no poder em 2015 – realizar ajustes dolorosos antes de ser pego no contrapé pela desaceleração global.

A reviravolta – Em 2002, imediatamente após declarar a moratória da dívida, a Argentina foi ao fundo do poço. O desemprego chegou a 22,4%, cerca de 40% da capacidade industrial ficou ociosa e o Produto Interno Bruto despencou 18,4% em relação ao patamar de quatro anos antes.


No entanto, após a eleição de Néstor Kirchner, em 2003, a recuperação foi meteórica. Beneficiado pelos altos preços internacionais de grãos – especialmente a soja, que passou de 200 dólares para mais de 500 dólares por tonelada em dez anos –, o país obteve um importante ingresso de divisas na última década.

O espaço que se criou nas contas públicas – afinal de contas, o país simplesmente deu o calote em boa parte de seu endividamento, o que até hoje lhe custa a desconfiança do mercado financeiro – permitiu ao governo expandir os gastos. Começaram então a concessão desenfreada de subsídios, com destaque para os setores de energia elétrica e combustíveis, e a expansão dos programas sociais.

Economistas apontam aí não apenas uma preocupação da Casa Rosada com a população desamparada, mas também uma forma de angariar apoio político das massas. As taxas de juros foram mantidas baixas e o câmbio, desvalorizado, favorecendo as importações. Com isso, o consumo interno aumentou cerca de 4% ao ano e o desemprego caiu para 7%.

Um dos maiores perigos a espreita da Argentina refere-se justamente à gastança do estado, que subiu 35% ao ano desde 2003, oferecendo riscos à política fiscal. Por outro lado, a economia já dá sinais de superaquecimento, com uma inflação batendo em 25% ao ano, segundo estimativas extraoficiais – a Casa Rosada não só manipula os índices oficiais de preços, como persegue as consultorias que realizam seus próprios cálculos.

Quadro insustentável – Embora os Kirchner tenham se mantido em situação confortável até o momento, o que se comprova pela vitória grandiosa nas urnas, analistas são unânimes em afirmar que não é possível sustentar uma economia com índices tão elevados de desequilíbrio fiscal e inflação por muito tempo – sobretudo quando condições externas favoráveis já não existem mais.


O crescimento da economia mundial está desacelerando; o preço da soja deve recuar nos próximos meses; e a demanda brasileira também deve estacionar. Em resumo, vários combustíveis da expansão argentina começarão a faltar. Os gastos públicos, se não forem ajustados, terão de ser confrontados com uma arrecadação que tem tudo para perder fôlego.

É evidente que as eleições deste final de semana indicaram uma preferência do povo argentino por este modelo expansionista. No entanto, a crise deve forçar a moderação das políticas fiscal e monetária. “Correções no gasto público, sobretudo nos subsídios, são aconselháveis. Seria uma forma de acabar com a pressão sobre o balanço fiscal do governo”, avalia Felipe Hernandez, economista do banco RBS.

Permitir a depreciação da moeda local para desestimular o crescimento vertiginoso das importações também é uma saída, em sua visão.

Com o empurrão da crise, a Argentina não deve escapar de uma desaceleração econômica. “As restrições de capacidade produtiva, a desaceleração global, os juros maiores e uma política fiscal possivelmente menos expansionista irão reduzir o ritmo de crescimento da economia”, diz o Itaú em seu relatório mensal sobre a América Latina.

O banco prevê que a alta do PIB deve passar de 9% em 2010 para 6,0% em 2011 e 3,2% no ano que vem. Já a inflação deve saltar para 30% em 2012, impulsionada pela desvalorização cambial. “Se o cenário global piorar mais, o governo pode acelerar o ajuste das políticas monetária e fiscal, ou aceitar ainda mais depreciação do peso e inflação. De qualquer forma, aumentaria o risco de uma queda brusca na economia, mais cedo ou mais tarde”, prevê o Itaú.

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