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Amazônia está sujeita a "loucuras" sem estratégia de redução de emissões

Marasmo político ameaça um dos mecanismos mais promissores de uma nova economia rural, o REDD, e expõe a floresta a projetos nebulosos, diz Paulo Moutinho, do IPAM

A Funai registra 30 acordos de REDD entre empresas estrangeiras e indígenas na Amazônia

A Funai registra 30 acordos de REDD entre empresas estrangeiras e indígenas na Amazônia

Vanessa Barbosa

Vanessa Barbosa

Publicado em 22 de março de 2012 às 14h37.

São Paulo – Recentemente, a notícia de que indígenas teriam vendido direitos sobre terras na floresta amazônica para uma empresa irlandesa do mercado de crédito de carbono causou alvoroço e questionamentos sobre as condições em que acontecem esses contratos. Não é a primeira vez. A Funai registra ao menos 30 acordos semelhantes entre grupos estrangeiros e  tribos da região, sendo que a maioria incorre em sérios problemas jurídicos, uma vez que o país não possui um regime nacional de REDD, sigla para Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação.

Por permitir a compensação monetária de países que combatem o desmatamento em seus territórios e que consequentemente reduzem emissões de gases efeito estufa, esse mercado voluntário é considerado por muitos especialistas como um dos mecanismos financeiros ambientais mais promissores para combater as mudanças climáticas. Mas diante do cenário atual, ainda sem regras claras, é preciso cautela.

“O Brasil é o país mais bem capacitado para liderar esse processo, mas se não tivermos um regime federal, veremos a proliferação de acordos estranhos, que carecem de segurança jurídica, seja com indígenas ou outras populações”, afirma Paulo Moutinho, diretor do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), referência em estudos voltados para promover o desenvolvimento sustentável da floresta. “No longo prazo, o marasmo político pode representar a própria morte da promessa de uma nova economia rural na Amazônia”, alerta. Em entrevista à EXAME.com, o ambientalista, que foi um dos autores da proposta de redução compensada do desmatamento, que culminou na criação do mecanismo de REDD durante a Convenção de Bali, em 2007, falou das oportunidades e desafios do REDD para o Brasil.

EXAME.com - Como o comércio de créditos de carbono oriundos de iniciativas de REDD pode ajudar a combater o desmatamento na Amazônia, preservar os recursos natruais e ajudar o Brasil a reduzir emissões?

(Divulgação)

Moutinho - O Redd traz algo que está fora da dinâmica econômica para dentro dessa dinâmica, que são as florestas tropicais. Hoje, mais da 70% do desmatamento na Amazônia origina-se da conversão da floresta em pastagens extensivas de baixa produtividade. Isso acontece em função da ausência de um mecanismo financeiro que permita que a floresta em pé tenha algum valor monetário. Com o REDD, é possível compensar países que demonstrem performances positivas na redução de desmatamento e das emissões de gases efeito estufa. É um processo que agrega valor a floresta em pé, gera ganhos econômicos para os proprietários e para o país, e mantém importantes serviços ecológicos providos pelos ecossistemas florestais saudáveis Trata-se de uma oportunidade de mudar a lógica econômica rural.

EXAME.com - Por que o sucesso do REDD depende tanto do Brasil?

Moutinho - O Brasil reúne os elementos mais apropriados para a regulamentação do REDD. Uma coisa fundamental é a medição do desmatamento, necessária para calcular os esforço feitos. Temos através do INPE o melhor sistema de monitoramento de florestas tropicais do mundo. Há também o Fundo Amazônia, gerido pelo BNDES, uma Política Nacional de Mudanças Climáticas que estabeleceu uma meta por lei de redução do desmatamento até 2020. Além disso, o país conta com uma comunidade científica expressiva de excelência e uma governança crescente na região amazônica. Não dá para encontrar esse conjunto de características em outras áreas de interesse para o REDD, como a Bacia do Congo ou a Ásia. Se não for aqui, não tem como ser em outro lugar.

EXAME.com - O que está emperrando a criação desse marco regulatório por aqui?

Moutinho - Uma certa cautela exagerada por parte do governo brasileiro, que está esperando para ver no que vai se desdobrar o mercado mundial de carbono. Com isso, o governo evita estabelecer qualquer compromisso mais efetivo dentro do país em relação à redução do desmatamento porque mais tarde ele pode ser cobrado ou, então, pode ter que fazer o serviço de “vassoura” das emissões, que também é reponsabilidade dos países desenvolvidos. Isso explica em parte a lentidão de ações.


A segunda coisa é que o Brasil vive um conflito de macro políticas muito grande. Ao mesmo tempo em que temos o Programa de Proteção e Combate de Desmatamento da Amazônia (PPCDAM), temos um Plano Plurianual de expansão do agronegócio. Ao mesmo tempo em que temos um investimento do governo federal de três bilhões de reais para o ABC (programa Agricultura de Baixo Carbono), temos 70 bilhões de reais investidos na agricultura tradicional. Para não falar de todo o ataque à legislação, como o Código Florestal.

Existe ainda uma demanda por commodities no Brasil e no mundo que pressiona a abertura de novas áreas de produção, especialmente na Amazônia. Esses conflitos todos então fazendo com que as tomadas de decisões aconteçam de forma mais lenta pela própria dificuldade que essas incongruências geram.

EXAME.com - Essa lentidão lembra o processo penoso de criação da Política Nacional de Resíduos Sólidos...

Moutinho - Um pouco, sim. Mas diferente da PNRS, a discussão sobre REDD não é marcada por uma inanição dos estados, e esse é o grande diferencial. A esperança mora no que os estados estão fazendo, especialmente os amazônicos, entre eles o Acre, que montou um programa estadual de pagamento por serviços ambientais, onde REDD é um elemento fundamental. O Amazonas também tem um certo pioneirismo na construção de leis estaduais para a mudança no clima e o Mato Grosso está finalizando uma lei que estabelece regras para o REDD.

Enfim, os estados estão muito mais avançados nas suas pretensões do que o próprio governo federal. O problema é que sem uma regulamentação federal fica muito difícil garantir o sucesso desses projetos e do próprio mecanismo no longo prazo. Enquanto o governo não resolver isso, haverá uma insegurança jurídica tanto pras comunidades envolvidas quanto para o investidor. Cada um faz os cálculos de suas emissões evitadas de forma diferenciada, criando um certo caos no sentido em que você não sabe exatamente qual foi a metodologia ou a contabilidade usada.

EXAME.com - Como você avalia os benefícios potenciais do REDD para as comunidades indígenas?

Moutinho - É preciso tratar esses entes por populações indígenas em geral, não dividindo por etnias. É preciso remunerar tanto aquele indígena que está isolado no meio da floresta sem ameaça nenhuma, como aqueles povos que sofrem com ameaça de desmatamento e invasão de suas terras. Recentemente lançamos a publicação “REDD no Brasil: um enfoque amazônico”, junto com a secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE-PR), com propostas para que a distribuição de benefícios seja justa e transparente e atinja aqueles que realmente realizam esforços de redução de desmatamento ou conservação florestal.

Hoje, você remunera um país apenas pelo esforço de redução de emissões, ou seja do fluxo de carbono, que é demonstrada pela queda na taxa de desmatamento. Mas há um incentivo perverso nesse cenário, que é o de beneficiar quem desmatou muito no passado e agora deixou de desmatar. Quando você inclui nessa conta o estoque de carbono, você leva em conta quem conserva a floresta e não apenas quem reduziu o desmatamento. Com a remuneração de todas as comunidades, você evita assédios isolados a indígenas por empresas estrangeiras, que apresentam propostas e valores de compensação diferentes.

EXAME.com - Qual o estágio atual das discussões sobre REDD no mundo?

Moutinho - Dentro das convenções das Nações Unidas, as discussões estão evoluindo, mas a uma velocidade que às vezes não é muito adequada. Além disso, há uma coalisão de países disponibilizando recursos públicos, que hoje somam quase 5 bilhões de dólares, para ser investido em regiões que detém grandes áreas de florestas. Essa ação com dinheiro público é o que chamamos de “Redness for REDD”, um preparatório para o REDD. O Banco Mundial também tem um fundo para floresta e carbono onde ele investe recursos nos países para que eles possam se preparar. E o país mais bem capacitado para isso é o Brasil. Se não avançarmos na discussão estratégia nacional para Redd será muito difícil isso acontecer em outros países.

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