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Al Gore, as mudanças climáticas e a agricultura

Em passagem pelo país, ele foi atração do Global Agribusiness Forum, onde falou sobre o tênue e perigoso equilíbrio entre as mudanças climáticas e a agricultura


	"Nosso planeta é grande, mas é um só", alertou o Nobel da Paz
 (Getty Images)

"Nosso planeta é grande, mas é um só", alertou o Nobel da Paz (Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 1 de outubro de 2012 às 08h32.

São Paulo - Prêmio Nobel da Paz, ex-vice-presidente dos Estados Unidos, produtor do premiado documentário Uma Verdade Inconveniente. Antes de ter essas credenciais, Al Gore já era um respeitado parlamentar no Congresso americano. Foi nessa época, há 24 anos, que José Goldemberg, cientista e ex-ministro da Educação e secretário do Meio Ambiente o conheceu e ficou impressionado com o conhecimento de ciência de Gore.

"Ele conseguiu traduzir a língua dos cientistas para o homem real e a política". Foi dessa maneira que Goldemberg apresentou o ex-vice-presidente americano para uma plateia repleta de CEOs e empresários do agronegócio brasileiro, reunidos em São Paulo, no Global Agribusiness Forum, esta semana. Durante dois dias o encontro discutiu formas para que o setor continue crescendo, com sustentabilidade.

Al Gore fala com segurança. Todos os alarmantes dados que mostra são baseados em fatos e pesquisas. "Esta crise climática é difícil de ser aceita por muitos porque nunca antes houve igual na história", afirmou. Para ele, o problema climático é um dos maiores enfrentados pela civilização moderna e está colocando em sério risco o equilíbrio natural do planeta.

Gore diz que essa instabilidade foi provocada pelo crescimento desproporcional da população mundial - quadruplicada nos últimos cem anos e o poder das novas tecnologias, que começou ainda no passado com o uso do óleo e do carvão. "Hoje, 85% de nossas tecnologias dependem dos combustíveis fósseis", revela Gore.

"Com isso, diariamente colocamos nove milhões de toneladas de CO2 na atmosfera. Esses gases continuarão lá daqui a 20 mil anos". Todos esses gases estão concentrando muito mais calor do sol na atmosfera. Cientistas calcularam a quantidade desse calor extra. Ele é o equivalente à energia gerada pela explosão de 400 mil bombas atômicas todos os dias. "Nosso planeta é grande, mas é um só", alertou.

Ao falar sobre a agricultura, o ativista mostrou como ela está intimamente ligada ao início da atividade humana no planeta. Foi na Idade da Pedra que o homem começou a plantar e a fazer uso da agricultura. E continua sendo essa mesma base de alimentos que faz parte da nossa dieta ainda hoje.


"Desde aquela época nunca tínhamos visto um padrão climático diferente na Terra, mas agora está mudando", disse. "E está mudando porque estamos extraindo energia da crosta terrestre". Al Gore mostrou como a energia retirada da crosta, que estava parada ali há milhões de anos, está gerando combustão e desestabilizando o equilíbrio ao qual a civilização humana estava adaptada e é completamente dependente.

Desde que a temperatura do planeta começou a ser medida, por volta de 1880, nunca foram registradas tantas máximas como nas últimas décadas e, mais especificamente, nos últimos anos. Os 14 anos passados foram os mais quentes da história e 2010 o pior deles. "Tivemos mais de 330 meses consecutivos com temperaturas mais altas do que a média do século XX". Gore mostrou imagens de termômetros em diversas cidades do mundo que indicavam temperaturas como 50.2º na China, 53º no Iraque e 56º no Kuwait. Todas foram registradas entre 2010 e 2012.

Paralelamente ao calor extremo, os desastres naturais têm sido mais frequentes e violentos. Novamente, o ambientalista americano usou imagens como prova: seca no Rio Amazonas em 2010, terremoto nas Filipinas em 2011, inundações e secas recordes na China neste ano.

"Por que tantos eventos têm acontecido? As inundações dobraram nos últimos anos", questionou Gore. Especialistas afirmam que todas as tempestades são diferentes por causa das mudanças climáticas. Temperaturas extremas aconteciam em 0,1% do tempo, hoje fazem parte de 10% dos registros. O normal era que, para cada dia de frio extremo, fosse registrado um de calor intenso. Atualmente, a nova escala é de dois dias de extremo calor para um dia gelado. 

"À medida que a emissão de CO2 aumenta, a temperatura sobe e com ela a evaporação dos oceanos. Mais umidade vai para o céu e, com isso, acontecem as piores tempestades", explicou Al Gore. O ar mais quente concentra 7% a mais de água.

Além das fortes chuvas e inundações, o desequilíbrio climático provoca longas estiagens. 754 milhões de pessoas no mundo foram afetadas pela seca. "Será que estamos preparados para dizer ... ‘Ah, podemos esperar mais um pouco e ver o que vai acontecer’?".


A mudança climática tem efeito direto sobre a agricultura. Muitos países desenvolvidos estão importando mais alimentos porque enfrentam problemas com a colheita. América do Norte e do Sul, principalmente Estados Unidos e Brasil, são os maiores produtores mundiais e responsáveis por grande parte da comida que chega à mesa das pessoas em outros países. Mas com secas e inundações, a colheita é afetada e o resultado direto é o aumento do preço dos alimentos.

E é exatamente o que aconteceu este ano. Agricultores americanos e brasileiros enfrentaram longos períodos de estiagem. Os preços da soja, milho e arroz subiram. Gore parabenizou o setor agrícola brasileiro por estar encontrando novas maneiras sustentáveis de manejo. Também ressaltou a importância do investimento em pesticidas naturais, que não agridam o solo e afetem a fertilidade da terra. O americano sabe bem do que fala.

Vem de uma família de fazendeiros, no estado do Tennessee. Aprendeu com o avô a mexer na terra e ainda hoje tem uma fazenda na região. "O grande desafio da agricultura será alimentar a população mundial, sem colocar ainda mais pressão sobre o planeta", desafiou. Estudos revelam que até o final do século a África, um continente extremamente pobre e com sérios problemas nutricionais, terá mais pessoas que a China e a Índia juntas.

Para o ex-vice-presidente dos Estados Unidos, a agricultura orgânica, uma alimentação mais saudável e as energias renováveis devem fazer parte do esforço em prol da mudança na agricultura. "Na minha fazenda, eu tenho paineis solares", contou. "Espero ver cada vez mais a energia renovável sendo usada na agricultura".

Com tantos dados alarmantes, ainda há tempo de reverter a situação? "Temos todas as ferramentas para mudar, precisamos somente de vontade política", disse Al Gore. "Precisamos fazer disso a nossa prioridade".

No próximo dia 24/11, Al Gore participará de evento online mundial - 24 Hours of Reality: The Dirty Weather Report, produzido pela organização não governamental que administra, a The Climate Reality Project. Esse encontro foi realizado também no ano passado: leia O recado de Al Gore para o Rio de Janeiro.

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