Ajuda a Guaidó pode favorecer busca de Trump por voto latino na Flórida
Estratégia para vencer no estado que é considerado decisivo passa por garantir os votos dos brancos e ricos do norte do estado e das minorias latinas no sul
Estadão Conteúdo
Publicado em 21 de julho de 2019 às 09h32.
Última atualização em 21 de julho de 2019 às 15h32.
São Paulo — Ao confirmar o envio para Venezuela de uma ajuda de US$ 42 milhões - de longe a maior dos nos últimos 20 anos -, Donald Trump mirava um lugar mais perto de Washington: a Flórida. Ainda que a justificativa seja reforçar o governo autoproclamado de Juan Guaidó, o anúncio procura agradar à pequena comunidade de exilados venezuelanos no Estado - estimados em 36 mil - que cresce cada vez mais em importância na campanha à reeleição.
A rejeição a um governo socialista e à maneira como trata sua população os aproximam da forte comunidade de cubanos, tradicionalmente mais conservadora e republicana. As duras políticas migratórias que têm prendido e deportado milhares de imigrantes latinos ilegais, segundo especialistas, não mudam essa tendência.
O vínculo entre esses venezuelanos e cubanos é muito direto, segundo o venezuelano Rafael Villa, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP). "Os dois dizem ter tido seus países invadidos pelo socialismo. Ideologicamente, são antichavistas e anticastristas - e isso se repercute em votos para Trump e outros candidatos republicanos na Flórida", afirmou Villa ao Estado.
Esses venezuelanos têm um perfil diferente dos que imigraram para os países da América Latina, fugindo da crise. Eles têm escolaridade e renda mais altas e, de acordo com o professor, costumam ser mais politizados.
Os eleitores latinos na Flórida saltaram de 1,7 milhão, em 2014, para 2,4 milhões, em 2018, e estão, em sua maioria, registrados como democratas ou independentes.
Em geral, eleitores latinos tendem a votar no Partido Democrata. No entanto, no diversificado eleitorado do sul da Flórida, as políticas do governo Trump para a Venezuela, assim como a reversão de decisões do ex-presidente Barack Obama para Cuba, devem ter um significativo impacto para a campanha.
Conquistar a Flórida é crucial para Trump se manter na Casa Branca por mais quatro anos. Uma vitória no Estado rende isoladamente 29 votos no Colégio Eleitoral. Para vencer uma eleição presidencial americana é preciso ter 271 dos 538 delegados. Outros dos Estados que possuem grandes números de delegados são tradicionalmente "azuis", ou seja, dominados por democratas.
A estratégia para vencer na Flórida passa por assegurar os votos da comunidade branca e rica do norte do Estado e das minorias latinas - cubanos, venezuelanos, colombianos e porto-riquenhos - concentradas no sul, segundo explicou ao Estado o professor de ciências políticas da Florida International University Eduardo Gamarra. O Estado costuma manter sua decisão incerta até o último momento.
"A Flórida é o Estado do 1%. As eleições quase sempre são definidas por 1% dos votos. Em 2000, o presidente George W. Bush ganhou com menos de 1%. Na última, Trump ganhou por 1,5%. Em 2020, teremos a mesma situação", assinala Gamarra, especialista em eleitorado latino. Em uma votação muito apertada, os votos dos venezuelanos podem fazer a diferença.
Outra estratégia para agradar a esses eleitores é destacar os bons números do emprego. O cientista político da Universidade de Iowa Tim Hagle explica que, apoiada por estatísticas, a campanha republicana vem destacando os baixos números históricos do desemprego para esse e outros grupos minoritários dos EUA.
Apesar de o Partido Republicano já ter mencionado a necessidade de expandir o mapa eleitoral em 2020 e de conquistar lugares vencidos pelos democratas nas últimas eleições, como Oregon e Novo México, Trump tem feito incendiários comícios em Estados que ele venceu em 2016, incluindo Flórida.
Em entrevista ao Washington Post, na sexta-feira, uma fonte da campanha republicana afirmou que a ideia é solidificar o apoio dos grupos que o elegeram nesses Estados onde a margem de vitória é pequena.
Enfraquecido
Para a Venezuela, mesmo o envio da ajuda não terá muito impacto, segundo Gamarra, a não ser o de manter Guaidó ativo. Mas, enquanto tenta mostrar aos venezuelanos que busca fazer algo para seu país, Trump está de mãos atadas. "Maduro está absolutamente consolidado no poder e acho que os EUA estão fora da equação de uma solução", diz Gamarra.
Rafael Villa afirma que a perda de apoio de Guaidó é perceptível. Ele conta que acabou de visitar seus pais na cidade de Valera (Estado de Trujillo), quando teve a oportunidade de ver passar uma esvaziada caravana do líder opositor. "A população está muito cansada, lutando por sua sobrevivência. Nenhum dos dois lados consegue mobilizar mais", afirma.
'Interesses sacrificados'
Entrevista com Eduardo Gamarra, professor da Florida International University
Trump conquista votos de cubanos e venezuelanos ao acusar adversários de socialistas?
Essa mensagem é muito efetiva para esse eleitorado. Mas há uma coisa importante: o governo Trump está deportando um grande número de cubanos e venezuelanos. Os venezuelanos estão esperando que o Congresso aprove uma política que se chama TPS (Status de Proteção Temporário), que o governo cancelou recentemente para haitianos, nicaraguenses e outras comunidades.
Como está o trâmite?
A Câmara dos Deputados, dominada pelos democratas, já o aprovou, mas o Senado, dominado pelos republicanos, ainda nem considera analisá-lo. Se o Senado aprovar essa política, pode ser prejudicial para a imagem de Trump. O que está acontecendo é que os venezuelanos têm de apoiar o presidente pelo que ele diz que fará na Venezuela, mas seus interesses próprios na Flórida, nos EUA, estão sendo sacrificados.
Como os democratas usam essa situação politicamente?
Os democratas estão em uma posição muito difícil. Eles não têm o poder para mudar nada na Venezuela. E alguns de seus membros na Câmara, particularmente o "Squad" - grupo de quatro deputadas que Trump tem criticado recentemente - tem dado algumas declarações, como por exemplo, de que os EUA não deveriam interferir na Venezuela, de que se deve respeitar os direitos de não intervenção. Tudo isso ajuda a percepção de que o partido é socialista. É muito fácil para o presidente chamar todos de socialistas.
Quais são, então, as propostas do partido para esses países?
A posição do ex-presidente Joe Biden, por exemplo, é muito mais moderada e mais representativa do Partido Democrata. Para Venezuela, é uma posição muito mais coerente, com rechaço a Maduro e apoio a Guaidó e, sobretudo, apoio ao TPS para os venezuelanos que moram e estão registrados nos EUA. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.