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A próxima batalha de Trump

Sérgio Teixeira Jr., de Nova York Foram necessários 11 dias de espera, mas na noite de terça-feira Donald Trump finalmente fez um anúncio que não teve improviso, não causou confusão e, pelo menos na forma, foi considerado correto até mesmo por seus críticos. O presidente americano indicou o juiz federal Neil Gorsuch para a vaga […]

NEIL GORSUCH: o juiz federal Neil Gorsuch se aproxima do pódio para discursar depois de ter sido anunciado por Donald Trump / Carlos Barria/Reuters

NEIL GORSUCH: o juiz federal Neil Gorsuch se aproxima do pódio para discursar depois de ter sido anunciado por Donald Trump / Carlos Barria/Reuters

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Da Redação

Publicado em 1 de fevereiro de 2017 às 08h12.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h07.

Sérgio Teixeira Jr., de Nova York

Foram necessários 11 dias de espera, mas na noite de terça-feira Donald Trump finalmente fez um anúncio que não teve improviso, não causou confusão e, pelo menos na forma, foi considerado correto até mesmo por seus críticos. O presidente americano indicou o juiz federal Neil Gorsuch para a vaga em aberto na Suprema Corte do país. A indicação, que depende de aprovação pelo Senado, era um dos atos mais aguardados dos primeiros dias do governo Trump, pois os juízes da mais alta corte americana têm cargo vitalício, e suas decisões afetam a vida dos cidadãos por muito tempo. Com apenas 49 anos, Gorsuch é o indicado mais jovem dos últimos 25 anos – e potencialmente passará décadas no posto.

“O juiz Gorsuch tem habilidades legais excelentes, uma mente brilhante, disciplina tremenda e já conquistou apoio dos dois partidos”, afirmou Trump. “É um currículo extraordinário – não fica melhor.” Inicialmente, a decisão seria anunciada na quinta-feira, mas acredita-se que tenha sido antecipada por causa da implementação desastrosa da ordem presidencial que proíbe cidadãos de nove países de entrar nos Estados Unidos. Trump fez o anúncio às 20h de Washington (23h em Brasília), e o evento foi transmitido ao vivo pelas principais emissoras de TV do país.

Gorsuch vai ocupar a vaga deixada por Antonin Scalia, principal voz conservadora da Suprema Corte até sua morte, em fevereiro do ano passado. Gorsuch é considerado um jurista conservador, conhecido por opiniões bem escritas e por um currículo acadêmico irretocável. Gorsuch formou-se na Universidade Columbia, em Nova York, cursou direito em Harvard (nos Estados Unidos, direito é uma segunda graduação) e obteve seu doutorado na Universidade de Oxford, na Inglaterra, onde foi um bolsista Marshall, uma das honras acadêmicas mais prestigiadas do mundo, concedida a cerca de 40 estudantes americanos anualmente. Gorsuch também foi assistente de dois juízes da Suprema Corte.

Havia especulações de que Trump pudesse escolher um nome mais à direita, especialmente no que diz respeito a questões sociais. Mas não há dúvidas de que Gorsuch esteja alinhado com os anseios dos eleitores do bilionário nova-iorquino. Segundo a imprensa americana, o juiz é um ardente defensor das empresas e adversário da interferência do Estado na economia. Uma de suas decisões mais polêmicas, pelo menos para os liberais, foi o voto favorável às empresas que se recusam a oferecer métodos contraceptivos com base em motivos religiosos.

Queda-de-braço

Os indicados para a Suprema Corte têm de ser confirmados pelo Senado, e o processo pode demorar semanas ou até mesmo meses. Mais recentemente, a juíza Sonia Sotomayor, indicada por Barack Obama, levou mais de dois meses até ter seu nome aprovado pelos senadores. Gorsuch foi aprovado por unanimidade para o cargo que ocupa hoje, o de juiz federal, mas espera-se que sua confirmação para a Suprema Corte seja bem mais atribulada.

O processo de confirmação é complexo e rigoroso. O indicado tem de apresentar uma lista completa de todos os clientes que já defendeu (caso tenha trabalhado como advogado), revelar suas fontes de renda, palestras ministradas, viagens feitas, entrevistas concedidas e assim por diante. O questionário tem centenas de páginas, e as informações são verificadas pelo FBI, a polícia federal americana.

E essa é só a parte “técnica” do processo. Depois, vem a política – e os políticos. Os candidatos a uma cadeira na Suprema Corte se reúnem individualmente com senadores para responder a perguntas e “entender suas preocupações”, como disse Gorsuch em seu breve discurso na Casa Branca, na noite de terça-feira. Aí começam as audiências no Comitê Judicial do Senado, a fase em que os senadores bombardeiam os indicados com perguntas sobre seu passado e suas opiniões sobre temas relacionados à mais alta corte americana, entre eles o direito de portar armas e de abortar (embora os candidatos não possam se manifestar abertamente a respeito de assuntos sobre os quais eventualmente venham a decidir). Passado o interrogatório, acontece a votação no plenário do Senado.

O Partido Republicano detém a maioria dos votos no Senado, mas a oposição democrata vinha prometendo fazer de tudo para bloquear — ou pelo menos atrapalhar — a indicação antes mesmo do anúncio do nome de Gorsuch. “Essa cadeira foi roubada. É a primeira vez que uma maioria do Senado roubou uma cadeira”, afirmou o senador democrata Jeff Merkley em entrevista ao site Politico. “Vamos usar todas as ferramentes em nosso poder para impedir [a indicação].”

O roubo a que se refere Merkley é justamente o da cadeira que Trump quer preencher com Gorsuch. Depois da morte do ultraconservador Scalia, Barack Obama tinha o direito constitucional de indicar um novo juiz — e o fez, apontando o moderado Merrick Galrland. Mas os republicanos do senado obstruíram o processo de confirmação, alegando que Obama estava no último ano do seu segundo mandato e a indicação do substituto de Scalia deveria ficar a cargo do presidente que assumiria em 2017. Garland não foi ouvido nem sequer no âmbito das comissões do Senado americano, e seu nome nunca teve chances reais de ser considerado pelo plenário.

Caso os democratas optem por um tipo de manobra de obstrução conhecida “filibuster”, Gorsuch teria de obter uma “supermaioria”, ou seja, 60 dos 100 votos da casa. Os republicanos têm 52 votos e, portanto, precisariam da adesão de oito democratas para confirmar a indicação. Essa queda-de-braço em torno da confirmação será mais um dos espetáculos políticos dos primeiros meses da presidência de Donald Trump. Embora as rejeições sejam incomuns, a divisão política do país — exacerbadas com a proibição da entrada de cidadãos de nove países majoritariamente muçulmanos — deve mais uma vez ser o tema principal das discussões em torno do nome de Gorsuch.

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