Exame Logo

6 lições que mostram que imóveis estão caros mesmo sem bolha

Gráficos de estudo da Poli-USP mostra como custos de construção encareceram imóveis em relação à renda da população, mesmo sem formar de fato uma bolha

Bolha: professor crê em estabilidade e retração moderada de preços, não em estouro de bolha (lfelton/Freeimages)
DR

Da Redação

Publicado em 22 de maio de 2014 às 16h33.

São Paulo – A última carta do Núcleo de Real Estate da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli- USP ) ao mercado analisa a possibilidade de haver bolha imobiliária no mercado residencial brasileiro e de podermos comparar a atual situação do nosso mercado imobiliário ao que ocorreu nos Estados Unidos em 2007 e 2008.

A conclusão dos estudos, assinados pelo professor João da Rocha Lima, coordenador do núcleo, não é nada animadora para quem sonha com a casa própria, mas acredita que este seja um sonho distante.

Por um lado, tudo indica que não há bolha, mas sim uma alta expressiva dos custos de construção; mas, no geral, a alta dos preços acompanhou esta inflação .

Por outro lado, houve uma forte perda de poder de compra da população brasileira, uma vez que o aumento na sua renda no período analisado – de 2005 a 2013 – ficou muito abaixo do aumento de preços dos imóveis residenciais.

Como a renda da população pode não acompanhar a alta de preços, o professor João da Rocha Lima acredita que os preços agora ficarão estáveis, podendo até recuar, modestamente, nos próximos anos. Mas sem um “grande estouro de bolha” em vista.

Entenda melhor as conclusões dos estudos da Poli-USP a partir das seis lições a seguir, extraídas da carta do NRE-Poli, intitulada “Lições sobre Bolhas”. O estudo completo está disponível no site do núcleo e ao final desta reportagem:

1O que aconteceu nos Estados Unidos não serve de parâmetro para analisar a situação brasileira:

A concessão de crédito imobiliário nos Estados Unidos criou uma demanda artificial, ao possibilitar a famílias a possibilidade de financiar imóveis residenciais sem de fato ter renda para tal.

A especulação só veio depois que essas famílias foram habilitadas a comprar acima de sua capacidade de pagamento.

“No mercado brasileiro, as pessoas precisam pagar, no mínimo, entre 20% e 40% do valor do imóvel para obter um financiamento. Então não dá para ter altas de preços exóticas. Se o comprador aqui não tem dinheiro para pagar, não adianta o vendedor aumentar o preço”, explica Rocha Lima.

“Já nos Estados Unidos era mais fácil aumentar o preço acima da capacidade de pagamento das pessoas, pois o financiamento podia ser de 99%, até de 100% do preço do imóvel”, completa.

Assim, à medida que as famílias americanas com menos capacidade de pagamento foram ficando inadimplentes e devolvendo os imóveis, foram também se tornando inadimplentes os especuladores que obtiveram crédito acima da sua própria capacidade de pagamento.

Na ponta da concessão de crédito, os investidores que terminaram com a batata quente dos créditos nas mãos levaram o calote. A crise de confiança e a restrição ao crédito que se seguiram levaram os preços dos imóveis a caírem abaixo do patamar que torna o investimento na construção de imóveis residenciais atrativo.

2Para analisar o mercado imobiliário é preciso descontar a inflação dos custos de construção:

A formação do preço leva em conta os custos de produção projetados e as margens de lucro que se quer obter. Em países com inflação elevada, como o Brasil, de nada adianta analisar apenas a evolução nominal dos preços (que embute a inflação).

Para verificar se a alta dos preços é de fato excessiva, é preciso descontar a inflação. Isso porque, o que se convenciona chamar de “preço justo” é aquele preço que cobre os custos de produção e possibilita uma margem de lucro ao produtor que compense o risco de ele investir naquele mercado.

Assim, o que é importante analisar é: qual foi a alta de preços descontando-se a elevação dos custos de construção – que no Brasil, segundo o estudo da Poli, foi muito superior à inflação oficial, medida pelo IPCA – e considerando-se uma margem de lucro que compense o fato de que a taxa de juros básica da economia, que baliza as aplicações mais conservadoras, é alta?

“Se houver muito menos gente para comprar imóveis, os empreendedores tentarão fazer ofertas de preços mais contidos. Mas suas margens já são pequenas, não dá para fazer grandes descontos. Nesse mercado imobiliário, quando há uma oferta maior que a demanda, a queda de preços tende a ser moderada, não enorme”, diz João da Rocha Lima.

3Imóvel não é tomate:

A flexibilidade para aumentar os preços dos imóveis acima do “preço justo” também não é ilimitada. Pelo menos não onde não é possível financiar quase a totalidade do imóvel.

Imóveis não são como tomates, pãezinhos, leite ou mesmo combustível, que ao sofrerem uma alta de preços significativa, são acomodados pela população no seu orçamento pessoal de algum jeito. Bens de consumo e serviços de baixo valor têm maior flexibilidade para grandes altas.

Casas e apartamentos, por sua vez, são bens de alto valor, a maior compra da vida da maioria das pessoas, e comprometem uma parte muito significativa do orçamento.

Além disso, não é todo dia, nem toda semana, que as pessoas compram imóvel para morar, e sempre é possível recorrer ao aluguel.

“Se o empreendedor verificar que há mais demanda que oferta, ele pode querer praticar um preço acima do justo e cobrar bem mais. Mas ele vai esbarrar na capacidade de pagamento das pessoas”, diz o professor.

4Bolhas imobiliárias são fenômenos localizados, não generalizados:

Ao descontar a inflação da curva de preços dos imóveis residenciais em diversas cidades americanas, no período de janeiro de 2002 a dezembro de 2013, o professor João da Rocha Lima mostrou que apenas algumas cidades viram o fenômeno de bolha, e outras não.

Contudo, essas outras, que não tiveram de fato uma oferta de preços agressivamente acima de seu “preço justo” também viram uma retração significativa de preços após o estouro da bolha nas cidades onde de fato esse aumento ocorreu.

O gráfico a seguir mostra a oposição de cidades como Miami, onde houve bolha de fato, e Detroit, onde os preços, apesar de não terem crescido significativamente, desabaram após o estouro da bolha.

(NRE Poli-USP)

O gráfico leva em conta o Índice Case-Shiller, que acompanha os preços dos imóveis residenciais nos EUA, e a inflação pelo CPI, índice de preços ao consumidor americano.

Segundo o texto da carta do NRE-Poli: “Na curva de descida, a adrenalina (aqui medo, contra a euforia na subida), que impõe a visão de que existe bolha no real estate, resultando a ideia de que todos os preços são inadequados e seu valor deve cair, provoca um rescaldo até mesmo nas cidades que não sofreram impacto na curva de subida”.

De acordo com Rocha Lima, o mesmo raciocínio se aplica ao Brasil. “Poderia acontecer uma bolha em um bairro, ou mesmo em uma avenida de São Paulo, mas dificilmente em São Paulo inteira. É uma questão de segmento de mercado”, explica o professor.


5O Brasil viveu uma alta de preços acima do “justo” em 2011, mas agora não exibe um cenário de bolha:

Para analisar a possível existência de bolha imobiliária no Brasil, o NRE-Poli levou em conta o período de janeiro de 2005 a dezembro de 2013, por abarcar o advento das grandes companhias de capital aberto ao mercado imobiliário, aliado às grandes injeções de capital estrangeiro.

Para avaliar a evolução dos preços dos imóveis residenciais foi tomado como base o Índice de Valores de Garantia de Imóveis Residenciais Financiados (IVG-R) do Banco Central.

Fez-se a ressalva, porém, de que o IVG-R abarca 11 das principais regiões metropolitanas, não havendo um índice separado para cada uma delas.

Para deflacioná-lo, João da Rocha Lima não usou o IPCA ou o Índice Nacional de Custos da Construção (INCC), por entender que este último, comumente utilizado para esse tipo de análise, não reflete os custos típicos das construções para a população de renda média e média-alta, além de não capturar certos elementos.

Os cálculos do NRE-Poli chegaram a uma elevação dos custos dos terrenos de 16,5% acima do INCC, e a uma inflação dos custos de edificação de 3,5% acima do INCC.

Considerou-se, para a análise, de que os custos de construção são compostos da seguinte forma: 28% custos do terreno e 72% custos da construção em si. Na carta, o professor ressalva, porém, que a composição de custos pode variar bastante de região para região.

Descontando-se essa inflação de custos, percebe-se que, com exceção do pico de preços em 2011, a alta dos preços, desconsiderando-se a alta de custos, não foi grande. Repare, no gráfico, que os preços saem de uma base 100, em 2005, para 103 em 2013.

(NRE Poli-USP)

Veja também

Isso de deve ao fato de que, no período, os custos de construção, notadamente os dos terrenos, subiram vertiginosamente.

(NRE Poli-USP)

Ou seja, pelos cálculos do NRE-Poli, o aumento dos preços dos imóveis, embora muito superior ao da inflação oficial (IPCA) está em linha com a inflação dos custos de construção do setor.

6Os preços dos imóveis residenciais realmente estão distantes da realidade do brasileiro:

Apesar disso, a população tem razão de estar com essa sensação de que os preços dos imóveis residenciais estão muito distantes de sua renda.

Isso porque, embora a renda do brasileiro tenha crescido entre 2005 e 2013, este crescimento ficou muito aquém do crescimento dos custos de construção e, consequentemente, dos preços dos imóveis.

A alta é muito expressiva quando se desconta a inflação pelo IPCA – que em tese é o aumento de preços para o consumidor – ou mesmo o crescimento da renda do brasileiro, mostrando que há sim um desequilíbrio forte nesse sentido.

O gráfico a seguir deflaciona o IVG-R pelo IPCA, pela evolução da renda e pela evolução dos custos dos empreendimentos entre 2005 e 2013:

(NRE Poli-USP)

Repare que, de 2005 para 2013, um mesmo imóvel ficou 74% mais caro para uma pessoa de um mesmo estrato de renda. Ou seja, para alguém da classe B, por exemplo, o mesmo tipo de imóvel no mesmo tipo de localização ficou 74% mais caro, apesar do ganho de renda.

Vamos viver pior?

Perguntado se isso significa que vamos viver cada vez pior nos grandes centros brasileiros, o professor João da Rocha Lima respondeu “já está acontecendo”.

Assim como disse na carta, a tendência é que a classe média seja expulsa dos bairros em que habitava para morar em bairros cada vez mais periféricos, ao mesmo tempo em que os bairros mais centrais ganham imóveis compactos ou voltados para estratos de renda mais altos.

“Ou se constroem imóveis cada vez menores, o que também tem um limite, ou se elitiza o bairro”, observa o professor.

A população fica, então, obrigada a escolher entre morar em um apartamento compacto e bem localizado, o que pode ser inviável no caso de uma família grande, ou morar em um imóvel mais espaçoso, porém mais distante.

A necessidade de as cidades se espalharem, mas continuarem voltadas para o centro, só vai agravar ainda mais os já sérios problemas de mobilidade das grandes cidades brasileiras, conclui o professor.

A íntegra do estudo está disponível abaixo:

CartaNRE-Licoes-bolhas by EXAME.com

//www.scribd.com/embeds/225678728/content?start_page=1&view_mode=scroll&access_key=key-ef9l5uGrWYbVME8b0cfP&show_recommendations=true

Acompanhe tudo sobre:Bolha imobiliáriaBolhas econômicasEnsino superiorFaculdades e universidadesguia-de-imoveisImóveisInflaçãoUSP

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de Mercado imobiliário

Mais na Exame