Estação de trem em Mumbai, na Índia (The Image Bank/Getty Images)
Colunista
Publicado em 4 de julho de 2023 às 15h18.
Última atualização em 4 de julho de 2023 às 17h30.
Em algum momento do primeiro semestre de 2023, a Índia superou a China em população, com incríveis 1,4 bilhão de pessoas. Ainda em 2023, o crescimento econômico da Índia deve superar o proverbial “crescimento chinês”. Ambos os movimentos geram a pergunta: “A Índia é a nova China?”
A GfK, empresa internacional de medição de mercados, aposta na Índia como o grande motor global de crescimento para eletrônicos de consumo, assim como outras tantas consultorias. As principais razões para isso são: 1) uma segunda fase de urbanização, de cidades médias e pequenas, em zonas mais remotas; 2) uma nova ascensão à classe média, especialmente em razão do crescimento do setor de serviços de tecnologia durante a pandemia; 3) uma pirâmide etária “favorável”, com a chegada de dezenas de milhões de jovens à idade de consumo.
Narendra Modi, apesar de suas idiossincrasias, tem usado de diversos meios para fazer o país funcionar, tendo implementado um incrível processo de digitalização de serviços públicos, uma revisão profunda de processos para reduzir a corrupção endêmica no país, uma abrangente reforma fiscal e até uma enorme campanha para melhorar os níveis de saneamento básico.
Além de sua visão e relacionamento com o meio empresarial, Modi converteu vários governadores e legisladores da oposição para o seu partido, o que tem despertado críticas, mas facilitado a governabilidade e implementação das reformas.
Porém, parte dessa fascinação com a Índia também tem a ver com o "soft power", que o país tem cultivado desde o seu processo de independência da Inglaterra, em 1947. É necessário recordar que estamos falando da maior democracia do planeta, em um momento de crescimentos econômicos reduzidos e fortes tensões políticas e sociais.
A diplomacia indiana tem se mostrado extremamente habilidosa. Faz alianças com a Rússia, com a China, mas também com Estados Unidos e outros parceiros do oeste europeu, com muito pragmatismo e apoiada pelos grandes grupos de mídia, aliados do governo em grande medida. Outro exemplo de diplomacia é a participação cada vez mais ativa nos grandes fóruns mundiais, tendo sido a maior delegação na última edição do Fórum Econômico Mundial, em Davos.
Ainda no terreno do “soft power”, mas com implicações diretas no “hard power”, está o crescente número de expoentes indianos ou de ascendência indiana.
Na política internacional, temos o primeiro-ministro britânico Rishi Sunak, além de acadêmicos e pensadores de renome global. No mundo dos negócios, além de Neal Mohan assumindo o YouTube, temos pelo menos 25 empresas lideradas por executivos com ascendência indiana, um “market cap” que supera os US$5 trilhões — maior que a economia indiana —, como a Alphabet, Novartis, OnlyFans, Starbucks, Deloitte, Vimeo, Adobe, FedEx e IBM.
Nesse momento, você deve estar escrevendo um e-mail para a sua chefe dizendo: "Oportunidades na Índia: vamos explorar?”. Espere só um pouco antes de enviar, pois há algumas questões a se considerar, por exemplo, o desafio da inserção na força de trabalho das mulheres, os ainda persistentes escândalos de corrupção, a relação muito próxima entre os grandes grupos empresariais e o governo, o persistente problema de infraestrutura e o desafio de geração de emprego para os jovens, em um país pouco industrializado.
Por favor, não envie o e-mail para a sua chefe com essa frase. A verdade é que não há outra China (assim como não há outro Estados Unidos), pois os chineses surfaram a onda perfeita: um mundo enlouquecido por globalização e procurando alguém para viabilizar esse sonho, com produtos acessíveis.
O processo de industrialização chinês, em sua amplitude, velocidade e complexidade do ecossistema, é insuperável. Matérias-primas negociadas no longo prazo e a preços muito competitivos, cadeia completa de fornecedores que permitiram o compartilhamento da tecnologia, logística de exportação ímpar, robotização e força de trabalho treinada e no balanço correto, esses e outros fatores têm dado muita dor de cabeça a países e empresas que querem replicar o modelo, a custos similares.
A Índia tem a sua estratégia de “Made in India”, mas a Apple, que moveu cerca de 7% de sua fabricação de celulares para lá, tem registrado desafios importantes não apenas de custos mas também de qualidade dos produtos.
Algo que acompanha a industrialização, a criação da infraestrutura necessária, é muito mais cara em um país democrático, legalmente, legislativamente e socialmente complexo como a Índia, com suas regiões que dispõem de regulações, tributações, idiomas e até religiões diferentes.
A aprovação de licenças para instalar uma nova fábrica pode ser igualmente difícil como no Brasil, pese o enorme esforço do governo para reduzir esse problema por lá. Rasgar estradas, abrir portos, desapropriar terras, tudo isso é um pesadelo em países democráticos, como bem sabemos.
Não menos importante é a questão do acesso ao capital, em custo e prazo tão favoráveis como a China conseguiu. A industrialização chinesa foi financiada por todo o mundo, quase como um consenso, algo muito mais difícil de se conseguir hoje, pelas questões econômicas, mas também geopolíticas.
Em oito anos, a Índia saiu de décima para quinta maior economia do mundo, superando Rússia, Itália, Brasil, França e Reino Unido. A diferença para a Alemanha é de dois a três anos de crescimento, segundo previsão. Em 2047, estima-se que 21% da força de trabalho e 20% da classe média mundial, estará na Índia, que já é o terceiro país no total de startups ”unicórnios”.
Desde sua independência, o investimento estrangeiro na Índia foi de US$ 950 bilhões, mas US$ 532 foram investidos nos últimos 90 meses, com capital chegando de 162 países. Em 2022, chegaram US$ 83 bilhões.
Tudo isso demonstra que a Índia é, certamente, um país que merece ser priorizado em qualquer plano de crescimento. Talvez o modelo não seja o de transferir as operações fabris, mas também vale acompanhar o protagonismo geopolítico e como parceiro comercial que o país terá na Ásia, pois a montagem de seu ecossistema pode passar mais por parcerias com outros países, que por concentração.
No entanto, se você vende produtos a consumidores finais (B2C) ou serviços a empresas (B2B), fica muito claro que há uma enorme oportunidade a ser explorada e, portanto, vale preparar o seu e-mail e iniciar uma conversa estratégica com a sua chefe.