Você e o seu negócio
A proteção do patrimônio pessoal contra prejuízos sofridos em negócios próprios é um dos objetivos da gestão de patrimônios mais frequentemente negligenciados
Karla Mamona
Publicado em 14 de outubro de 2022 às 10h37.
*Sigrid Guimarães
Parte essencial do trabalho de um multifamily office é fazer com que os clientes identifiquem ameaças que não enxergam. É o que me cabe quando um cliente tem a ideia de abrir um negócio e me pergunta quanto poderia investir nele ou quando descubro, analisando o patrimônio de um empresário, uma perigosa promiscuidade entre sua vida pessoal e a de sua empresa.
A proteção do patrimônio pessoal contra prejuízos sofridos em negócios próprios é um dos objetivos da gestão de patrimônios mais frequentemente negligenciados, mesmo por empresários experientes e competentes. Bem, para ser totalmente franca, não é raro que o histórico de sucesso empresarial contribua bastante para essa negligência. Afinal, é muito contraintuitivo encarar como ameaça aquilo que gerou e tem alimentado o seu patrimônio. Mesmo conhecendo as pesquisas, estando ciente de que apenas um percentual bem pequeno das empresas sobrevive por várias décadas e careca de saber que negócios bem administrados e longevos enfrentam crises no percurso, o impulso de quem construiu uma empresa de sucesso é considerar que ele e o seu negócio são exceções à regra.
O fato é que, sem importar quão competente seja um empresário, há uma profunda e inconciliável divergência entre a gestão de patrimônios pessoais e a gestão de empresas. A prioridade absoluta para os patrimônios pessoais é a perpetuidade, com preservação da liquidez; isto é, da capacidade de consumir e investir. As estratégias convenientes são sobretudo defensivas e preventivas, e, como as crises chegam para todo mundo, em qualquer lugar, ramo, negócio ou mercado, a regra de ouro é a diversificar os riscos.
As empresas, na mão oposta, dependem de concentração de recursos e investimento constante. Além disso, os negócios próprios situam-se no extremo da iliquidez, bem depois das ações negociadas em bolsa e ainda mais além das quotas de fundos de private equities e venture capital. Sem mercado organizado, cotações diárias e padrões de negociação estabelecidos, vender uma empresa depende da identificação de interessados suficientemente capitalizados e convencidos por documentos, demonstrações e análises detalhadas de que a operação será compensadora. Na melhor das hipóteses, a venda leva vários meses para se concretizar. Não será excepcional se levar alguns anos. Caso a saúde financeira da empresa esteja comprometida, pode ser tarde demais para ela, e, se sua vida pessoal depender das suas retiradas, o caos está instalado.
Não sou louca de sugerir a um empresário de sucesso que simplesmente abandone o seu negócio ou deixe de reinvestir nele, e nem mesmo recomendaria a alguém com recursos materiais e vocação para empreender que desistisse de um projeto respaldado em um bom plano de negócios. O que nenhum empresário ou candidato a empresário precisa – e nem deve – é submeter o conforto que já conquistou para sua vida pessoal e para a sua família aos inevitáveis solavancos de um negócio próprio. Quando as crises chegarem (e sempre chegam), o desafio a enfrentar será a sobrevivência pessoal, indispensável até mesmo para que se possa salvar o negócio.
A saída, então, é isolar o patrimônio pessoal das finanças da empresa dimensionando as necessidades da família e as do negócio e construindo duas carteiras diferentes, com os objetivos convenientes a cada qual. A ideia central é evitar tanto que as despesas familiares dependam dos resultados da empresa ou a onerem como que as necessidades do negócio sacrifiquem a família. A partir daí, a recomendação é manter uma rígida disciplina de segregação das receitas e dos compromissos de cada qual.
É bastante provável que você se veja diante de escolhas incômodas como ter que reduzir seu nível de gastos ou o ritmo de crescimento da empresa. Não é um processo inteiramente indolor, porque encarar a realidade não costuma ser, mas certamente dói menos do que ser pego por ela no contrapé. Por isso, quanto antes, melhor, e é por aí que quem está pensando em abrir um negócio deve começar.
*Sigrid Guimarães é sócia e CEO da Alocc Gestão Patrimonial