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Recuperação lenta de serviços vai limitar crescimento, diz ex-Tesouro

Para Carlos Kawall, diretor da gestora ASA Investiments, os auxílios foram insuficientes para pequenos empresários e exagerados para pessoas físicas

Carlos Kawall: diretor da gestora ASA Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional (ASA Investments/Divulgação)

Carlos Kawall: diretor da gestora ASA Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional (ASA Investments/Divulgação)

GG

Guilherme Guilherme

Publicado em 27 de novembro de 2020 às 06h10.

Última atualização em 27 de novembro de 2020 às 09h18.

Os gastos do governo brasileiro para atenuar os impactos da pandemia devem elevar a dívida bruta para o equivalente a quase 100% do PIB. Os recursos utilizados, porém, além de deixarem um rombo fiscal, foram pouco eficazes: deixaram de lado os pequenos empresários, o que vai afetar a retomada do mercado de trabalho e, por tabela, o setor de serviços, limitando o ritmo de crescimento em 2021. É o que afirma Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro Nacional e diretor da gestora ASA Investments.

“O governo fez aquilo que o governo sempre soube fazer bem, que é gastar muito, gastar rápido e gastar mal. Quando não coloca limites no gasto público, a tendência é essa“, afirmou em entrevista à EXAME Invest.

O fim do auxílio emergencial vai afetar a economia. Proteja seus investimentos com a assessoria do BTG Pactual digital

Na segunda parte da entrevista, Kawall conta que um dos maiores erros dos programas de estímulos foi a falta de apoio aos pequenos e microempresários, enquanto o auxílio para a pessoa física foi exagerado, principalmente na questão da cobertura. “Não adianta dar o auxílio para o empregado dele, que muitas vezes é informal, e a empresa quebrar. Quando terminar o auxílio, a pessoa não vai ter emprego.”

Com a previsão de o auxílio emergencial terminar no próximo ano, Kawall prevê uma desaceleração do setor de varejo, que atingiu o maior patamar da série histórica neste ano. A forte retomada aconteceu mesmo com o crescimento do desemprego, que, segundo ele, gira em torno de 20%, considerando que houve uma menor procura por emprego durante a pandemia. Isso seria um indício de que o consumo não deve se sustentar.

Confira a segunda parte da entrevista.

Como o senhor avalia os estímulos econômicos do governo?

O governo fez aquilo que o governo sempre soube fazer bem, que é gastar muito, gastar rápido e gastar mal. Quando não coloca limites no gasto público, a tendência é essa. Não tem limites, então vamos gastar muito, rápido e aí a consequência é que gasta mal. Se olharmos o conjunto de iniciativas que o governo tomou, a melhor foi a que permitiu que empresas do setor formal reduzissem a jornada de trabalho com a complementação do seguro-desemprego. Nesse programa vamos gastar de 30 bilhões de reais a 40 bilhões de reais e foi muito importante para as empresas não demitirem.

Já o auxílio emergencial foi excessivo sobretudo do ponto de vista da cobertura. Salta aos olhos a quantidade de gente que recebeu o auxílio indevidamente. E os dados que recebemos pela mídia é que em algumas regiões dobrou o nível de renda em relação ao período pré-pandemia.

Faltou suporte para o pequeno empresário?

Nós demos muito dinheiro para as pessoas físicas, mas descuidamos da pessoa jurídica. O pequeno comerciante e o microempresário quebraram. Em outros países, como os EUA, houve apoio para a pessoa física mas também para o pequeno empresário, porque é ele quem emprega. Não adianta dar o auxílio para o empregado dele, que muitas vezes é informal, e a empresa quebrar. Quando terminar o auxílio, a pessoa não vai ter emprego.

Tivemos um desenho ruim do ponto de vista de quem deveria se beneficiar e demos dinheiro demais em relação à renda prévia das pessoas. Moral da história: não temos mais como financiar esse programa. Estamos tendo um aumento da dívida gigantesco e agora vamos enfrentar as consequências disso.

O Brasil vai ficar para trás ou pode se recuperar mais rápido e mais intensamente que os principais países do mundo?

A recuperação brasileira não vai ser tão pujante e expressiva quanto está nas previsões. O (relatório) Focus aponta para um crescimento de 3,4% para o ano que vem, e a nossa projeção é de 2,2%. Esse número não é ruim. Se crescermos mais de 1,8%, será um crescimento acima de qualquer ano desde 2013. Então seria um bom ano.

Temos um pouco de cautela por causa de alguns fatores. Primeiro: não teremos renovação de auxílio para o ano que vem, que tem garantido uma recuperação muito forte da nossa economia.

Em segundo lugar, o mercado de trabalho não dá sinais de estar se recuperando em linha com a recuperação da economia. Isso tem implicação com o que toca a inflação.

Temos uma recuperação muito forte na comercialização de bens duráveis e não duráveis. Mas o carro-chefe da economia, que é o setor de serviços, está em uma situação bastante deprimida. É na recuperação mais lenta do setor de serviços que entendemos que vai haver limitação do crescimento econômico em 2021. Deve ser um bom ano, com crescimento acima de 2%, mas é muito pouco frente ao que caímos na pandemia.

Com a necessidade de desmonte de overhedge (proteção extra dos ativos em moeda estrangeira das instituições financeiras no exterior) por parte dos bancos, como o senhor vê o cenário para o dólar até o fim do ano?

Nós avaliamos que o real está de 15% a 20% desvalorizado em relação a um grupo de outras moedas emergentes. A leitura é que tem coisa específica de Brasil. Um dos motivos é que nós estamos com o juro muito baixo, de 2%. A atração de recursos especulativos é muito menor. Por outro lado, o dólar também reflete essa incerteza sobre o teto de gastos.

Você lembrou que tem um fator pontual de valor significativo, que é o overhedge até o final do ano. São de 14 bilhões de dólares a 16 bilhões de dólares, depois teríamos um montante semelhante para 2021. Essa espada na cabeça do mercado vai cair no dia 30 de dezembro. O Banco Central passou a mensagem de que é consciente desse movimento de mercado e poderá atuar, se necessário for, para evitar a volatilidade excessiva do câmbio. Acho que isso manterá o dólar com pressão de alta até o fim do ano.

E para o próximo ano? Devemos ver um dólar em queda?

Tendo mais convicção de manutenção do teto de gatos e dentro de um contexto de ampla liquidez no mundo e de recuperação da economia global, o dólar deve ir para um patamar um pouco mais baixo. Nossas previsões são de dólar a 5,50 reais no fim deste ano e de 5 reais para o fim de 2021. Passando esse conjunto de incertezas, podemos ver o dólar mais baixo, mas não muito mais baixo. O contexto atual é de juro baixo e dólar mais alto, assim como já foi de juro altíssimo e dólar bastante baixo. Tem espaço para cair, mas não para 4,50 reais ou 4 reais, como já foi no passado.

As vendas do varejo tiveram números bem expressivos com o auxílio emergencial. As vendas vão continuar com bons resultados?

Acho que o setor vai continuar com bons resultados, mas não tão fortes. Se olharmos o gráfico, vai causar certa estranheza que uma economia que tem uma taxa de desemprego real em torno de 20% -- considerando a quantidade de pessoas que procuravam emprego antes da covid -- tenha um nível de consumo muito superior ao que a economia gerava quando tinha 7% de desemprego. Ao que parece esse é um efeito pontual do auxílio emergencial.

Foram cerca de 250 bilhões de reais. Esses segmentos poderão ainda crescer no ano que vem, mas não de forma tão excessiva como ocorreu neste ano. No ano que vem vai ter a volta do consumo de serviços em detrimento de bens, que foi o padrão que ocorreu neste ano. As pessoas em isolamento consomem o que é possível, que são bens. O serviço que exige a presença não pode consumir.

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