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Nossos sonhos não acabam dentro da sala de parto

A culpa é uma sombra que pode nos acompanhar desde a maternidade e permanecer ao nosso lado ao longo da vida. Mas não precisa ser sempre assim, certo?

Carolina Cavenaghi, cofundadora e CEO da Fin4she, no evento Women in Finance | Foto: Acervo Pessoal (Fin4she/Acervo pessoal)
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Da Redação

Publicado em 8 de maio de 2022 às 08h25.

Última atualização em 9 de maio de 2022 às 10h59.

Por Carolina Cavenaghi*

Eu sempre tive esse sonho, de ser mãe.

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Essa é uma questão diferente para cada uma, mas comigo sempre foi uma certeza. Eu, também, sempre tive essa preocupação de como iria conciliar meu trabalho, carreira após ter filhos. Isso é um fato para nós mulheres.

O que eu não imaginava é que, como se não bastassem todas essas questões, eu teria que lidar com uma mais profunda, a culpa.

Dizem que o sentimento mais forte do mundo é o amor de mãe. Eu ouso dizer que muitas vezes esse amor vem acompanhado de uma sombra, a culpa. Ela pode ser maior ou menor, dependendo do nosso momento, e em muitos casos pode nos acompanhar por muito tempo, se não a vida toda. Infelizmente, esses dois sentimentos nascem juntos, para nós mães.

Culpa por engravidar cedo ou tarde demais; culpa por conseguir amamentar e a criança chegar a uma idade avançada dependendo do leite materno; culpa por não amamentar e precisar de uma fórmula pronta; culpa por não ter tido um parto que idealizamos; culpa por ter escolhido ou necessitado de uma cesárea (muitas vezes essencial para a vida da mãe e do bebê); culpa por trabalhar fora e precisar deixar os filhos tão pequenos na creche ou com uma babá; culpa por não trabalhar fora e viver grudada nos filhos. Culpa.

Talvez esse seja o sentimento que mais domina o coração de uma mãe desde o momento em que os seus filhos nascem até ‘para sempre’. O tema é tratado da forma mais sensível possível na campanha de Dia Das Mães do Boticário (assista ao vídeo ao final do texto), na qual a advogada questiona se uma mãe com tantas culpas merece amor e carinho. Nós merecemos não só isso, mas também igualdade.

O peso da maternidade para a carreira das mães é muito maior do que para a vida profissional dos pais. Quantos homens deixam o emprego depois do nascimento das crianças? Quantos perdem promoções por precisar se ausentar para cuidar de necessidades dos filhos? Quantos perdem oportunidades apenas por serem pais? Uma pesquisa de doutorado acompanhada pela Fundação Getúlio Vargas mostrou que 40% das mulheres saem do mercado formal de emprego depois de se tornarem mães.

Diante dessa construção histórica e social do papel das mulheres como mães, é fácil nos sentirmos culpadas por ter ambições após a maternidade, ou até mesmo em paralelo a ela. Nas entrevistas de emprego, a pergunta sobre maternidade é comum. Segundo uma pesquisa do site Vagas.com, especializado em recrutamento e seleção, 71% das entrevistadas afirmaram terem sido questionadas a respeito deste assunto nos últimos processos seletivos.

Outras 20% relataram terem sido demitidas recebendo justificativas como falta por doença dos filhos, atrasos por leva-los para a escola ou ausência para participar de reunião de pais (ou seria reunião de mães?). As queixas ocorrem apesar de a CLT proibir a demissão sem justa causa durante a gravidez e até 5 meses depois do parto.

Não deveríamos ter que escolher entre ser mãe ou profissional, porque nossos sonhos e ambições não acabam dentro da sala de parto. Percebo que muitas vezes a maternidade é tratada como uma linha de chegada, que, quando atingida, representa todo o sucesso, objetivos e sonhos que uma mulher poderia alcançar. Não é bem assim, e eu fui contra todas as estatísticas.

Foi exatamente após a minha gravidez que eu decidi dar uma guinada profissional, fazer algo para mudar a vida de mulheres pelo Brasil. Assim, me reinventei profissionalmente depois de me tornar mãe. Minha inspiração para criar a Fin4She e tudo o que ela representa hoje chegou após ter filhos. Eu queria - e ainda quero - que as mulheres se inspirassem. Porque não tem idade certa, momento certo, profissão certa ou local certo para ter filhos.

Inclusive, aquelas mulheres que escolheram por conta própria parar de trabalhar para aproveitar a maternidade, passar mais tempo com os filhos e se dedicar exclusivamente ao papel de mães estão no seu total direito e devem ser reconhecidas tanto quanto aquelas que desejam seguir a vida profissional. É preciso ter coragem para tomar qualquer decisão, porque, o que tenho observado através da Fin4she é que somos julgadas independente do que escolhermos. Nós, a sociedade, as empresas e os colaboradores precisamos aprender a respeitar a mulher e tirá-la do papel de ré.

A culpa não é da mulher nem da maternidade

Dessa porcentagem de 40% de mulheres que deixam o mercado formal de trabalho após serem mães, percebo que boa parte abandona a carreira não por causa do filho ou da maternidade, mas, sim, pelo cenário que encontra ao voltar ao trabalho. Ao retornar de licença, dificilmente conseguimos uma promoção porque ficamos muito tempo “fora”. Enquanto isso, no entanto, nossos pares homens já alçaram vários degraus na carreira. Quando fazemos entrevistas de emprego somos questionadas sobre termos filhos ou não (e sutilmente desencorajadas em caso de resposta negativa).

A culpa não é da mulher, da mãe, do filho ou sequer da maternidade. A culpa é da sociedade, que há milênios joga sobre nós a responsabilidade sobre as crianças; que há séculos não oferece igualdade de salários e de cargos entre nós e os homens; a culpa é das empresas que não adotam medidas para igualar a licença maternidade e a licença paternidade, dando um peso profissional igual a esse momento da vida para os gêneros.

A culpa é de todos nós quando julgamos uma mãe por qualquer decisão que ela tenha tomado. Precisamos mudar isso. Nesse Dia das Mães, proponho que paremos para refletir sobre a dualidade entre a carreira e a maternidade na vida das mulheres; proponho que as empresas igualem a licença maternidade e paternidade; sugiro que contratem mulheres grávidas. Sugiro pararmos de julgar mulheres, mães, profissionais. Até quando um filho será um problema profissional exclusivo das mulheres? Queremos saber, porque nossos sonhos não acabam na sala de parto.

A maternidade me fez acreditar mais em mim mesma e ter a coragem para seguir os meus sonhos, que no meu caso, recomeçaram na sala de parto.

*Carolina Cavenaghi é cofundadora e CEO da Fin4she, uma plataforma que conecta e impulsiona negócios e pessoas através da diversidade. É responsável por liderar e implementar projetos que promovem o protagonismo e a independência financeira feminina, buscando ampliar e fortalecer a presença de mulheres no mercado de trabalho. É a idealizadora do Women in Finance Summit Brazil e do Young Women Summit, eventos que já reuniram milhares de pessoas. Foi executiva da Franklin Templeton por mais de dez anos e trabalha no mercado financeiro desde 2006. Atualmente mora em Teresina, no Piauí, é mãe do Tom e do Martin e, através da Fin4she, tem a missão de transformar a forma como o mercado e as pessoas se conectam com a equidade de gênero.

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