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Sistema de corretora trava e clientes pedem indenização por perdas

O sistema de negociação da corretora Clear virou alvo de uma série de reclamações de clientes que operam minicontratos futuros de Índice Bovespa e dólar

(SasinParaksa/Thinkstock)

Júlia Lewgoy

Publicado em 9 de novembro de 2018 às 14h42.

Última atualização em 9 de novembro de 2018 às 23h52.

O sistema de negociação da corretora Clear virou alvo de uma série de reclamações de clientes que operam minicontratos futuros de Índice Bovespa e dólar. Alguns clientes chegaram a perder mais de R$ 50 mil nos últimos dois meses por conta de problemas operacionais provocados pelo aumento do volume de negócios em meio à recuperação da bolsa, que atraiu mais investidores, e pelo crescimento do número de clientes da corretora, que dobrou desde que Clear adotou a corretagem zero para os clientes especuladores, ou mini-traders.

Hoje, o sistema voltou a dar problemas, com paradas pela maior parte da manhã e da tarde, segundo usuários. Eles reclamam que a corretora não está se responsabilizando pelas perdas provocadas pelos problemas do sistema. A Clear faz parte do grupo da XP Investimentos, bem como a Rico.

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Esse investidores fazem compras e vendas pontuais de contratos ao longo do dia, tentando capturar ganhos de curtíssimo prazo e podem perder milhares de reais em poucos segundos. Imagine uma parada de meia-hora. “São milhares de traders, investidores pequenos, que estão sendo prejudicados e não estão sendo ressarcidos”, afirma Carlos Silva, do interior de São Paulo. Ele criou um grupo no Whatsapp, o Clear Corretora Reclamações, que já tem 145 integrantes.

A maioria reclama das paralisações do sistema, mas também há queixas com relação a mau funcionamento, como “bugs” que transformam ordens de compra em ordens de venda de contratos e que aumentam os prejuízos. “Temos gente que perdeu desde R$ 100 até R$ 100 mil, R$ 400 mil”, afirma Silva. Ele mesmo reclama de prejuízos de R$ 94 mil nos últimos dois meses. “Só em um dia, em que o sistema comprou em vez de vender o contrato que eu mandei e depois travou, perdi R$ 34 mil”, lembra.

Segundo ele, o problema é que a corretora também não está ressarcindo os investidores que perdem. “Quando reclamamos, eles dão a resposta padrão, chegam a pedir desculpas, dizem que vão pagar o prejuízo, mas depois dizem que não houve falha do sistema e nós temos que procurar o Mecanismo de Ressarcimento da bolsa B3”, diz Silva.

“Ou então devolvem uma parte apenas, 10%, e informam a bolsa que já resolveram o caso”. O Mecanismo de Ressarcimento é um fundo criado pela Bovespa Supervisão de Mercados (BSM) para cobrir prejuízos de até R$ 120 mil de investidores com problemas operacionais das corretoras.

Quatro horas fora do ar

Segundo Silva, em 4 de setembro, a plataforma da Clear chegou a ficar 4 horas fora do ar e, quando voltou, as aplicações dos investidores já tinham sido liquidadas automaticamente, ou seja, zeradas pela corretora, muitas vezes com prejuízo. Em geral, quando a perda supera as garantias dadas pelo investidor, a corretora liquida os contratos e executa as garantias da conta margem.

“Mas, como as ofertas ficam paradas, os robôs dos grandes investidores detectam isso e tiram proveito dos aplicadores”, diz. “Tive quatro dias de prejuízo com os bugs da Clear, colocava venda e o sistema comprava, mandava vender e ele dobrava a posição e o prejuízo só aumentando”, conta.

“Em um dia, eu tinha 100 minicontratos de índice Bovespa futuro que estavam dando lucro de R$ 2.600 e o sistema travou e viraram R$ 23 mil de prejuízo pois não consegui sair da posição”, lembra. “No fim dos quatro dias, saí com R$ 34 mil de perda”, diz. Ele continuou operando com a corretora, esperando o ressarcimento, que não veio. “Se somar tudo que perdi, chegaria a uns R$ 94 mil”, estima.

Silva diz que começou então a pesquisar e encontrou muitos investidores com problemas. É o caso do investidor que se identifica como Thuco, que opera mini índice futuro. “Justamente quando já fizemos a operação e queremos encerra-la o sistema trava e demora demais para voltar”, afirma. “E, na maioria das vezes, quando volta, eles já encerraram automaticamente nossas operações”, diz.

Ele conta que, na última segunda-feira, estava com um lucro de R$ 730 em uma operação e o sistema travou. “Quando voltou, o sistema tinha encerrado minha posição com um prejuízo de R$ 1.480”, diz. “Vários clientes no chat da corretora estavam desesperados porque não conseguiam encerrar suas operações”, conta. “Mandei e-mail para a corretora questionando o problema e não me responderam”, diz.

Ele estima ter perdido cerca de R$ 30 mil com as paradas da Clear e está pedindo ressarcimento. “Sempre que trava, o sistema encerra no prejuízo, a operação não é encerrada logo em seguida”, diz.

Problemas gravados

Carlos Silva diz que pretende ir à Justiça se não conseguir a devolução do dinheiro perdido. “Tenho tudo gravado, em vídeo, mostrando que não foi erro meu e sim problema da corretora”, diz. Ele lamenta que a bolsa também não tomou nenhuma providência para resolver os casos.

“Entre com reclamações junto à bolsa, a Clear respondeu que já tinha resolvido e a bolsa arquivou a reclamação sem me consultar”, disse. “Reabri a reclamação pois nada foi resolvido”. Ele acha também que a própria Clear deveria tirar o sistema do ar enquanto não consegue estabilizar o sistema. “É o mínimo que uma empresa líder do mercado, que tem outro banco líder do mercado, o Itaú Unibanco, como sócio, deveria fazer”, diz.

Silva se referia ao fato de o Itaú ter comprado 49% da XP, que é dona da Clear e da Rico. O banco, porém, é acionista minoritário da XP, não participa da diretoria executiva da corretora e não tem portanto qualquer ingerência na gestão da empresa e nem da Clear. A independência da XP foi uma das condições exigidas pelo Banco Central (BC) para aceitar a compra da participação.

Outro cliente, Guilherme Prado, optou por não pedir o ressarcimento dos R$ 1.500 que perdeu. “Tirei todo meu dinheiro de lá só pelo descaso com os clientes”, diz. Segundo Carlos Silva, esse é outro problema. “Muita gente perde pequenos valores e acaba deixando de reclamar, o que beneficia a corretora”, diz. Em outro episódio, ao reclamar, a cliente ouviu da representante da Clear que aquilo era o que ela podia esperar por não pagar nada pelo serviço.

Consultada, a Clear não quis comentar as reclamações dos clientes. Executivos da empresa, porém, comentaram, pedindo para não terem seus nomes citados, que realmente ocorreram problemas, mas que o número de pessoas co prejuízo é muito menor que as centenas citadas pelo cliente.

No mercado, os problemas da corretora são conhecidos e, segundo profissionais de outras instituições, começaram depois que ela passou a disputar o segmento de mini-traders com a Modal, que também adotou a corretagem zero para esses clientes. “Em geral é assim, a XP usa a Rico e a Clear para fazer a concorrência com as outras corretoras com tarifa zero e preserva as taxas da corretora principal”, diz um executivo que pediu para não ter seu nome citado.

Segundo pessoas próximas da corretora, algumas instabilidades ocorreram nas duas primeiras semanas de outubro, em parte, pelo enorme aumento do volume de negociação da bolsa em geral e também pela empresa ter quase dobrado o número de clientes operando depois da isenção de corretagem e também reduzir o valor das garantias para operar. Alguns executivos chegaram a atribuir as falhas a problemas no sistema da B3.

Já a B3 informou que não detectou nada de anormal nos últimos dois meses em seus sistemas de negociação. E que todos os clientes que se sentirem lesados podem pedir indenização ao Mecanismo de Ressarcimento.

Mar de tubarões

Esse é apenas outro desafio para os que se aventuram em especular no mercado de trading. Há ainda os robôs que operam em alta frequência, que conseguem realizar milhares de operações por segundo e que possuem muito mais recursos e informações do que o operador individual. Há os robôs que identificam ordens colocadas há muito tempo, que podem estar desatualizadas ou com problemas técnicos e se aproveitam desses sistemas.

Outros, podem, em alguns casos, simular ofertas para influenciar os preços e depois cancelá-las quando o ativo atinge o valor desejado para a compra ou para a venda, o chamado “spoofing”, o que é proibido no mercado brasileiro e que levou a algumas punições da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

As distorções dos robôs no mercado ficaram conhecidas após as denúncias do livro “Flashboys”, do jornalista americano Michael Lewis, que mostra como esses sistemas de alta frequência nos Estados Unidos permitiam aos seus operadores saber os preços antes dos demais investidores.

Nas corretoras brasileiras, porém, ainda é grande o incentivo para esse tipo de estratégia, de tentar ganhar no dia a dia do mercado, com a oferta de isenção de tarifas e cursos e profissionais ensinando investidores a operar com base em gráficos e simulações. E, muitas vezes, a isenção acaba disfarçando outros custos, como por exemplo a cobrança de uma tarifa ou de corretagem cheia caso o cliente seja zerado pela corretora.

“Como estatisticamente 80% dos investidores perdem no mercado de day trade, as chances de a corretora ganhar com a zeragem, que cobra taxas maiores que as de corretagem normal, são enormes”, diz um especialista. “O cliente vai para esses serviços, toma um prejuízo e sai falando mal de todo o mercado acionário”, afirma.

Correção

Esta matéria foi corrigida às 23h52 de 9 de novembro de 2018. O Portal do Pavini informou indevidamente que a Clear poderia estar usando um robô para se antecipar aos clientes nas operações de alta frequência, o chamado “front running”. A informação não é correta. O robô da corretora é usado para dar liquidez às operações dos clientes no mercado, atuando dentro das normas da CVM e da BSM. O Pavini pede desculpas à Clear e aos leitores.

*Esta matéria foi publicada originalmente nosite Arena do Pavini.

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