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Opinião: Como o BTG afeta o sistema financeiro e seu bolso

Artigo assinado por Beto Veiga, advogado especialista em direito financeiro, analisa os impactos do BTG sobre o sistema financeiro e os investidores

Engrenagem: Um banco como o BTG pode colocar o sistema financeiro em risco? (Thinkstock/buchachon)

Engrenagem: Um banco como o BTG pode colocar o sistema financeiro em risco? (Thinkstock/buchachon)

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Da Redação

Publicado em 11 de dezembro de 2015 às 12h20.

São Paulo - A convite de EXAME.com, Beto Veiga, doutor e mestre em economia pela UnB, advogado especialista em direito financeiro e professor de direito bancário, escreveu o artigo de opinião seguir, que analisa o impacto do banco BTG Pactual para o sistema financeiro nacional e para o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) após a prisão de André Esteves, ex-presidente e controlador do banco.

Confira a seguir o artigo assinado por Beto Veiga.

Em geral, a grande dúvida que paira sobre acontecimentos das mais diversas naturezas que causam impacto no sistema bancário levam sempre à pergunta: qual é o tamanho do estrago que uma dada situação pode ocasionar? No caso de um banco do tamanho do BTG, então, a dúvida é mais do que pertinente. E a resposta é: na maioria das vezes, não temos a menor ideia.

Antes de partir especificamente para o caso do BTG, me permita um preâmbulo para explicar algumas questões sobre o nível de segurança do sistema financeiro nacional hoje.

No Brasil, o Banco Central (BC) faz o monitoramento da teia de relacionamentos das instituições financeiras para procurar métricas capazes de apontar o risco sistêmico.

Entre as várias ferramentas de que dispõe o departamento do BC encarregado de prever efeitos danosos ao sistema financeiro como um todo, um elemento importante é a relação de operações em bolsas e interbancárias, que mostra as responsabilidades e riscos assumidos pelos bancos entre si (o que um banco deve a outro).

Não posso deixar de mencionar também o Sistema de Informações de Crédito (SCR), que é a central de risco de crédito do BC, que apura o endividamento de empresas e famílias junto ao Sistema Financeiro Nacional.

A intrincada teia de relacionamentos pode ser rastreada com boa confiabilidade, diferentemente do que acontece em outros países, por incrível que pareça, tendo em conta a quantidade descomunal de informação privada que é compartilhada entre os bancos e o Banco Central.

O que falta ao BC é a possibilidade de entender o que os controladores à frente das instituições financeiras estão fazendo que pode ser classificado como “fora do convencional”.

Essa preocupação havia fugido do radar por um tempo quando, em razão do primeiro Acordo da Basiléia, o foco passou a ser a estrutura de capital dos bancos. Resumidamente, a capacidade das instituições para absorver perdas decorrentes de seus ativos.

Desvio de conduta era um tema fora de moda no âmbito dos fiscais “modernos”. O bonito mesmo era falar sobre os modelos matemáticos de gestão de risco de mercado e de crédito. Tal estado de coisas durou até que o Terceiro Milênio chegou com vasta oferta de motivos para que eles se lembrassem de que existe o fator governança, que deve ser observado muito de perto em suas atividades de supervisão.

De forma geral, a situação de uma instituição financeira é muito frágil em função do que se denomina alavancagem. Nos referimos a isso quando queremos dizer, de maneira vulgar, que o banco trabalha com o dinheiro dos outros.

Os bancos de investimento apresentam, em geral, baixa alavancagem, porque tendem a concentrar seus negócios na compra e venda de empresas e em reestruturações financeiras. O financiamento é utilizado muitas vezes para possibilitar fusões ou posteriores vendas de firmas dos mais diversos segmentos.

Por outro lado, nos Estados Unidos, foi justamente a atuação dos reguladores que instaurou a gigantesca crise cujos frutos ainda estamos a digerir. Eles deixaram que ativos tóxicos se espalhassem por todo o mercado e, quando lhes foi dada a possibilidade de resgatar uma instituição, optaram por permitir a quebra do banco de investimento Lehman Brothers, episódio que acendeu a centelha que faltava para a crise.

Caso BTG

Feitas as observações, abordo agora o caso do BTG, que é registrado junto ao BC como um banco múltiplo, mas com ênfase prioritária na atividade de banco de investimento.

Começo pelo balanço de junho de 2015 (não usarei o de setembro em razão de estar consolidado com o banco BSI, adquirido na Suíça), disponível no BC, que apresentava um patrimônio líquido de 16,3 bilhões de reais. Em junho de 2015, o banco captava recursos (funding) no mercado para fazer suas operações de crédito por meio de diversas fontes, mas focarei naquelas que mais diretamente afetam os clientes pessoa física:

Depósitos à vista: 385 milhões de reais;

Depósitos interfinanceiros: 903 milhões de reais;

Depósitos a prazo: 17.604 milhões de reais;

Vemos que os depósitos à vista e a prazo somavam 18 bilhões de reais, montante cujos credores (depositantes) estão parcialmente sujeitos à proteção do Fundo Garantidor de Créditos (FGC). O FGC é uma entidade mantida pelas próprias instituições financeiras com o propósito de manter a segurança e solidez do sistema bancário. Logo na sequência tratarei da estimativa que fiz sobre a parcela desses depósitos que é protegida pelo FGC.

Por falar no FGC, na ocasião da aquisição do banco Panamericano pelo BTG, em 2011, foi concedida uma aplicação no banco, que foi feita com o objetivo de dar mais liquidez ao BTG. Foi praticamente um brinde concedido ao BTG, sem contar o fato de o Fundo ter permitido a realização do financiamento em um prazo fora do convencional.

A aplicação foi realizada pela administradora do Bradesco, que cuida de um fundo exclusivo que tem apenas o FGC como cotista e colocou na carteira um título do BTG, no montante de 5,7 bilhões de reais, segundo informações divulgadas pela própria administradora. Em outras palavras, o FGC (que era o único investidor desse fundo) fez um depósito no valor de 5,7 bilhões de reais no BTG, com a intermediação, exclusivamente operacional, do Bradesco.

Assim, o risco que o BTG traz ao FGC é, de cara, equivalente a quase 13% do patrimônio total do Fundo Garantidor de Créditos. Mas não para por aí.

Na última sexta-feira (04) foi anunciada mais uma exposição do FGC ao BTG: o Fundo concedeu uma nova linha de liquidez no valor de 6 bilhões de reais ao BTG. Incluindo essa nova linha, portanto, a exposição do FGC ficaria em 11,7 bilhões de reais, o que representa 26% do atual patrimônio de 44,3 bilhões de reais do FGC (segundo dados do relatório do primeiro semestre de 2015).

Como o BTG tinha 18 bilhões de reais em depósitos, parte deste valor está coberta pelo FGC. Lembro que os clientes que fizeram depósitos à vista ou a prazo (ao comprar CDBs, por exemplo) no BTG - assim como ocorreria com qualquer outro banco - contam com a garantia do FGC, que em caso de quebra da instituição reembolsa aos clientes seus prejuízos até o limite de 250 mil reais.

Infelizmente, não podemos precisar qual é a parcela exata de depósitos à vista e a prazo do BTG que contam com a garantia do FGC. Mas, ao considerar os dados do FGC sobre o sistema bancário no geral, a garantia do Fundo engloba 45% do valor total dos depósitos feitos em bancos hoje. Assim, se os depósitos do BTG seguirem a mesma linha e 45% deles estiverem dentro da cobertura do FGC, isso significa que um total de 8 bilhões de reais poderiam ter de ser reembolsados a clientes do BTG pelo FGC.

Essa, no entanto, é apenas uma estimativa grosseira, porque a carteira do BTG conta com clientes de maior porte do que aquela dos bancos de varejo, assim, muitos deles possuem altos valores aplicados, o que reduz a cobertura em relação ao total depositado. Como a garantia está limitada a 250 mil reais, um banco de varejo tenderá a apresentar um percentual de cobertura mais próximo dos 45% do saldo do que o BTG, que tem uma clientela mais abastada e possui depósitos que podem superar o limite de 250 mil reais.

Vale lembrar que uma das razões da existência do FGC é justamente contornar possíveis impactos danosos que instituições financeiras possam causar ao sistema. Isso quer dizer que está na essência do FGC socorrer os bancos e, como consequência, solicitar novos aportes às instituições para recompor seu patrimônio.

Competirá, portanto, às demais instituições financeiras repor os recursos, como forma de manter ativa esta ferramenta de seguro de depósitos.

Finalmente, destaco que a parcela de recursos investidos no BTG que não está coberta pelo FGC pode causar impacto à própria carteira de fundos de investimentos que têm papéis do banco nessa situação.

Podemos supor, com base na estimativa limite feita anteriormente, que algo em torno de 10 bilhões de reais seriam suportados diretamente pelos cotistas individuais, ou seja, pelos investidores pessoa físcia. Conforme EXAME já informou, vários fundos de investimento e de pensão têm papeis do banco, sendo os principais alguns fundos do BB, Caixa, Bradesco, Santander, HSBC, JP Morgan e, inclusive, do próprio BTG.

Após os eventos ocorridos no final de novembro, a própria administradora do BTG informou que retirou da carteira dos seus fundos os papéis emitidos pelo BTG. Por falar nisso, o que se espera em uma situação assim é que as demais administradoras também retirem ativos do BTG de suas carteiras, assim o banco pode ter dificuldade de obter recursos. A propósito, o BTG colocou à venda o recém-adquirido banco suíço BSI com a finalidade de fazer caixa.

Pouco importa o perfil banco, mas sim sua teia de relacionamentos

Concluindo, muito mais do que o tipo de instituição financeira – se ela é um grande banco de varejo ou um banco de investimentos - o que importa para a estabilidade do sistema é a teia de relacionamentos, ou seja, o quanto ela está conectada com as demais instituições.

No caso em questão, essa teia está muito ligada ao FGC. Mas, como o Fundo pode sempre chamar seus participantes a fazerem aportes extras e o volume que discutimos é compatível com a dimensão do FGC, não vejo nenhum problema a esse respeito.

Sem abordar a governança do FGC, que acaba decidindo quem fica ou quem sai do sistema (tema que daria um outro longo artigo), do ponto de vista do investidor pequeno e médio, portanto, as aplicações financeiras que não tenham títulos do BTG na carteira não serão afetadas.

Já aquelas que tiverem, podem sofrer redução no valor das cotas em função da desvalorização dos papéis da instituição nesse momento e, em último caso, podem enfrentar alguma perda no principal, equivalente ao montante de recursos que o fundo estiver aplicando.

Essa segunda hipótese, no entanto, aconteceria apenas se o banco sofresse demais com os acontecimentos e acabasse submetido a processo de intervenção ou liquidação, sem que fosse desenhada uma solução de mercado, como a venda do negócio (em geral, o controle é transferido para outra grande instituição para que os clientes não tenham perdas).

Beto Veiga é doutor e mestre em Economia pela UnB, advogado especialista em direito financeiro e professor de direito bancário, autor do livro "Case com seu banco com separação de bens".

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