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Juros do crédito de imóveis não devem subir em 2021, prevê Abecip

Para Cristiane Portella, presidente da entidade que reúne bancos para financiamentos habitacionais, taxa média de 6,9% deve ser mantida nessa faixa

Em 2021, novidade do segmento deve ser o refinanciamento de imóvel, conta a executiva (Abecip/Divulgação)

Marília Almeida

Publicado em 28 de janeiro de 2021 às 06h00.

Última atualização em 28 de janeiro de 2021 às 09h08.

A pandemia foi surpreendentemente positiva para os financiamentos de imóveis . Em janeiro, antes de a covid-19 eclodir no Brasil e no mundo, a expectativa dos bancos era a de que o crédito imobiliário crescesse 32% ano ano, um pouco menos do que o observado em 2019.

Em abril, a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), que tem entre seus associados os cinco maiores bancos do país, revisou a perspectiva para uma retração de 7%. No final, o volume de crédito contratado subiu 58% no acumulado do ano passado, um recorde histórico.

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Para Cristiane Portella, presidente da Abecip, o forte resultado de 2020 e as perspectivas de crescimento de 21% do segmento neste ano se devem a uma conjunção de fatores, mas principalmente à taxa de juros na mínima histórica, o patamar de 2% ao ano.

A taxa média atualmente cobrada no financiamento imobiliário, de 6,9% ao ano, era de em média 11,4% em 2017, no caso de um contrato de 35 anos. Ou seja, a prestação reduziu, desde então, 30%, o que possibilitou a mais pessoas terem acesso à compra de um imóvel.

Economista com 36 anos de experiência no mercado financeiro, Portella já atuou nas áreas comercial, marketing e de produtos e foi diretora de crédito imobiliário e consórcio no Itaú até o ano passado. Assumiu a presidência da Abecip em dezembro de 2019, e desde então acompanha de perto a evolução do segmento na pandemia.

Veja abaixo a entrevista completa dada pela executiva à EXAME Invest:

A associação espera um crescimento de 21% para o crédito imobiliário neste ano. Quais fatores devem colaborar para esse cenário?

A previsão considera uma alta de 3,5% do PIB do país em 2021, além da Selic e IPCA a 3,5% no final do ano, Ou seja, nosso otimismo tem como base uma melhora na atividade econômica e também a manutenção dos juros em um patamar baixo. Ainda que haja uma indefinição sobre a velocidade da vacinação e da retomada econômica, a nossa visão é de que as pessoas já sabem qual foi o tamanho do impacto que sofreram, e não devem haver mais choques. Além disso, o mercado imobiliário voltou a ganhar atratividade como investimento, além de ter sido reforçado pela atuação dos fundos imobiliários.

Os juros ainda em patamares baixos garantem uma oportunidade de fazer um bom negócio, considerando o histórico da Selic. Isso porque quando se contrata um financiamento é possível garantir a taxa de juros por 30 anos. Além disso, os preços dos imóveis ainda estão atrativos.

Segundo o nosso índice de preços de imóveis, o IGMI-R, o valor de unidades em São Paulo cresceu 16% em 2020. Na média, os preços subiram 10,3% no país. Contudo, se observarmos o período pré-crise de 2015, um imóvel que valia R$ 100 em 2014 vale hoje, em São Paulo, R$ 119,2. Já quando deflacionamos os preços pelo IPCA, vale 89,9% do que valia em 2014 no estado. Ou seja, os preços ainda não se recuperaram totalmente da crise.

Por fim, o grande déficit habitacional do país continua a fazer com que existam oportunidades no segmento pelo menos nos próximos cinco anos. Como a base de clientes de crédito imobiliário já cresceu muito, nossa estimativa para 2021 pode até ser considerada conservadora. Afinal, os bancos têm limite de capacidade para manter esse crescimento intenso.

Qual a visão da associação sobre o quanto a pandemia atingiu financeiramente os compradores de imóveis?

A estimativa é que o PIB brasileiro tenha encolhido 4,37% em 2020, enquanto o PIB do setor de construção tenha se retraído 2,8%. Ou seja, o impacto da pandemia no mercado imobiliário foi menor. Em 2021, esperamos um crescimento de 4% para o segmento.

Acreditamos que o bom desempenho, mesmo em um cenário de crise provocada pela covid-19, se deve ao fato de que a compra de um imóvel não é uma decisão tomada de uma hora para a outra. Para viabilizá-la, é necessário planejamento. O mutuário tem de ter no mínimo 20% do valor de imóvel para dar como entrada no financiamento, seja com recursos do FGTS, dinheiro guardado ou outro imóvel que vale menos. Portanto, quem tem esse objetivo e não registrou perda de renda na pandemia levou esse projeto adiante. E isso deve continuar a acontecer em 2021.

Completa o ciclo de fatores benéficos ao mercado um comportamento despertado pela própria pandemia: percebemos uma valorização do ambiente doméstico. Basta ver que não apenas o setor imobiliário se aqueceu mas também o de reforma e até decoração. Por conta do home office, que pode se manter em um cenário pós-pandemia, e também da obrigação de se ter lazer em casa, passou a se valorizar mais a qualidade de vida oferecida pelo imóvel.

Quem está puxando o aquecimento da modalidade de crédito: quem busca adquirir a primeira casa própria, passou a conseguir comprar uma casa maior ou investidores?

Dado o volume no qual o mercado cresceu, além do perfil de concessões, certamente é a base da pirâmide que puxa o crescimento do setor, ainda que também haja trocas por imóveis maiores. Contudo apesar de possuírem maior valor o número de transações desse tipo é menor.

Também vemos um movimento de investidores que buscam adquirir o imóvel buscando renda com aluguel, já que muitos financiam a compra dessas unidades. Mais conservadores, eles não optam por cotas de fundos imobiliários, apesar de sabermos que os FIIs diluem o risco do investimento de forma mais efetiva do que possuir um único imóvel e arcar com custos de vacância. Contudo, a presença desses investidores é marginal.

Com um aumento de 1,5 ponto porcentual que esperam para a Selic neste ano, as taxas de juros cobradas nos empréstimos devem aumentar?

A taxa média dos financiamentos imobiliários está abaixo de 7%. Considerando a previsão de alta da Selic, acredito que as taxas devem se manter onde estão, ao menos este ano, por conta de toda a incerteza que estamos vivendo. Há uma grande competição entre as instituições financeiras, e nesse cenário o relacionamento de longo prazo com os clientes ganhou valor. Mas a partir de 2022 devemos ter no radar a curva da Selic em 5 anos, que já atingiu 7,1% e registrou uma alta importante desde dezembro. Há muita volatilidade no mercado.

Como vê a evolução e perspectivas para o crédito com garantia de imóvel?

Em 2020 aumentaram as concessões do home equity, que passaram de 237 em janeiro para 411 em dezembro, um aumento total de 26% no ano com relação a 2019. É uma alternativa para quem tem a intenção de empreender.

O que tivemos de novidade no ano passado foi a autorização para que imóveis que não estejam quitados pudessem ser refinanciados. Por exemplo, alguém que já tenha pago o imóvel por cinco anos poderia pegar esse dinheiro e realizar um novo financiamento, com taxa igual ou menor do que a do antigo. Essa operação, apesar de ser um refinanciamento, é classificada como crédito com garantia de imóvel.

A MP 992 foi publicada em agosto e teria de ser votada até o final do ano, mas caiu e deve ser votada nesses primeiros meses do ano. Não houve problema com as regras: foi uma questão processual, tinha de haver um rito no Congresso, que não aconteceu.

O fato de poder refinanciar o imóvel dá liquidez pessoal. Alguém pode refinanciar o imóvel, usar o dinheiro já pago por ele para fazer um MBA no exterior, deixar o imóvel alugado e com esse valor pagar a nova prestação.

Em 2020 o mercado lançou novas formas de indexação do financiamento. Há alguma que se destaca?

Temos hoje financiamentos indexados pelo IPCA e também pela poupança, além da TR. Cada um tem vantagens e também pontos de atenção. De qualquer forma são mais opções para o consumidor.

Então, alguém que esteja no começo da carreira, que tenha um salário que comporta a prestação, pode optar por pegar um financiamento que ao invés de as parcelas diminuírem ao longo do tempo subam um pouco. Ou pode optar pelo IPCA porque atualmente, no curtíssimo prazo, esse financiamento tem uma prestação mais barata do que a oferecida pelas outras modalidades. Só que o IPCA tem um histórico de volatilidade muito maior do que a TR. Então quem toma o crédito tem de saber que a prestação ficará mais barata agora, mas pode subir, independente de seu salário subir, e precisa se preparar para isso. Esse risco pode ser diminuído ao reduzir o prazo do financiamento, para 20 anos.

Em todos os casos a pessoa tem de entender que o financiamento é um comprometimento de longuíssimo prazo da renda, e exige cautela. O mais importante continua a ser analisar o Custo Efetivo Total (CET), e comparar as opções. O CET mostra o quanto se paga de juros e também seguros. Todo financiamento tem seguro do imóvel e em caso de falecimento do titular, mas muita gente não sabe.

Os bancos vêm dando maior visibilidade ao mercado de leilões. Há quem ofereça financiamento para a compra de imóveis retomados. O que mudou?

Os leilões migraram para o ambiente digital e estão criando sites com imóveis retomados, a maior parte proveniente de clientes dos financiamentos imobiliários que ficaram inadimplentes. Não era comum os bancos financiarem imóveis de leilão no passado: é uma novidade recente com o objetivo de atrair um público maior do que o do investidor que paga à vista para revender. O intuito é vender os imóveis mais rápido, uma evolução do negócio dos bancos, que não desejam carregar esses ativos em seus balanços.

A pandemia provocou uma aceleração digital e desburocratização de diversas modalidades de crédito. Quais são as principais iniciativas no crédito imobiliário?

Atualmente a associação está concentrada em criar o registro eletrônico. Os bancos estão em conversa com cartórios, por meio da associação do setor, a ARISP, para que o registro do imóvel não precise ser feito presencialmente até o cartório, um processo que dura 15 dias, quando tudo corre bem. Estamos realizando testes com vários contratos para que tudo seja feito de forma eletrônica.

Existem variações de banco para banco, mas grande maioria já permite a contratação do crédito imobiliário totalmente digital, com upload de documentos.

Do funding do crédito imobiliário, 10% já é composto por fundos imobiliários. Mas 50% ainda vem da poupança. A falta de diversificação ainda preocupa?

A captação da poupança cresceu 20% em 2020, contra todas as premissas, como a queda da Selic. Não temos ainda o funding que merecemos por conta do tamanho do mercado e quando comparamos esse valor ao PIB de outros países. Mas neste primeiro momento, por conta da avalanche da poupança, não há preocupação sobre se esses recursos serão insuficientes.

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