Por que o voto plural não vai funcionar no Brasil, segundo este advogado
Carlos Lobo defende que a estrutura aprovada no País não será suficiente para evitar fuga de IPOs para os Estados Unidos
Beatriz Quesada
Publicado em 17 de outubro de 2021 às 10h00.
Adotado por grande parte das gigantes de tecnologia do exterior, o voto plural foi aprovado no Brasil no início de agosto. O polêmico mecanismo permite que os fundadores mantenham o controle do negócio mesmo depois do IPO (oferta pública inicial de ações, na sigla em inglês).
Funciona assim: os papéis do fundador têm mais poder de voto do que as ações ordinárias (ON) – tanto que também são chamados de “superON”. No modelo, o voto de uma única ação com voto plural pode valer por, por exemplo, 10 ações comuns. Dessa forma, a cabeça por trás do negócio consegue continuar exercendo sua visão sobre a empresa mesmo não tendo mais de 50% das ações.
Negócios disruptivos são entusiastas do modelo, que é adotado por nomes como Facebook e Alphabet (dona do Google). No Brasil, o voto plural era visto com desconfiança até ser apontado como um dos culpados pelo movimento de ‘fuga de IPOs’ de tecnologia para o exterior, com empresas como Stone e XP escolhendo abrir capital nos Estados Unidos.
Agora, as novatas da bolsa já podem optar pelo voto plural por aqui, mas a medida ainda está longe de gerar efeitos práticos. Essa é a opinião do sócio do escritório Hughes Hubbard & Reed, Carlos Lobo, advogado especializado na assessoria de emissores e coordenadores em IPOs nos mercados internacionais.
“O Brasil aprovou um voto plural que não dá o controle na prática. O benefício que a medida pretende causar – em atrair fundadores para a bolsa nacional – vai ser muito pequeno ou até mesmo nulo”, afirma Lobo em entrevista à EXAME Invest .
Na visão do advogado, o principal problema do voto plural brasileiro é que ele não pode ser utilizado para aprovar a remuneração dos administradores da empresa. Isso proíbe, por exemplo, que o fundador aprove seu próprio salário caso seja o CEO da companhia. A salvaguarda, por outro lado, tiraria parte relevante do poder do voto plural segundo Lobo.
“Se o detentor do voto plural consegue eleger administradores mas não consegue aprovar o pacote de remuneração, ele precisa negociar a aprovação desses nomes. Isso dá aos demais acionistas a possibilidade de vetar as decisões do fundador. É algo que mata o mecanismo de controle, deixa o poder inócuo”, diz.
Para Lobo, o detentor do voto plural deveria poder aprovar inclusive o próprio salário porque isso faz parte de suas funções. O advogado defende que a única restrição do voto plural deveria estar relacionada a conflitos de interesse.
“Ele não deveria votar em situações em que, por exemplo, a companhia pretende comprar um outra empresa em que o detentor do voto plural também é acionista”, argumenta.
Lobo admite que o sistema pode gerar distorções, afinal, o voto plural coloca muito poder nas mãos do fundador. Esta, a propósito, é a principal crítica de quem vê o modelo com desconfiança. O advogado reforça, no entanto, que investidores podem escolher não comprar ações com esse tipo de estrutura – e que muitos compram justamente por acreditar na visão do fundador por trás do negócio.
Prazo de validade e outros limites
Outra crítica de Lobo ao voto plural brasileiro é o prazo de validade de sete anos imposto às superONs. O mecanismo, chamado de ‘sunset clause’, impõe uma cláusula de caducidade para o voto plural, que teria de ser renovado por assembleia para continuar a existir. Para o advogado, o prazo é arbitrário.
“Esse prazo seria um período de transição para que a empresa possa se adaptar à nova realidade de companhia aberta. Só que isso é uma bobagem porque o fundador de uma empresa não pretende levar a empresa por sete anos e depois sair. Há quantos anos, por exemplo, o Mark Zuckerberg está à frente do Facebook?”, diz.
Lobo argumenta que existem outros mecanismos mais adequados de extinção do voto plural. Um deles seria quando a participação do fundador na empresa cai para uma fatia muito pequena, geralmente abaixo dos 10%. Outra possibilidade seria quando o detentor da superON passa a sofrer de algum tipo de doença mental que afete suas funções.
O advogado também afirma que não seriam necessários limites para as dimensões do voto plural – a lei brasileira estabelece que as superON podem ser até 10 vezes mais poderosas que uma ação ordinária.
“O limite de dez votos por ação ficou muito aquém. Era preferível não ter nenhuma limitação e deixar que os empreendedores decidissem. É algo que engessa demais o modelo”, diz.