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Para além da Americanas: Bradesco reconhece que cedeu mais crédito do que deveria

Lucro do banco caiu 76% no quarto trimestre e projeção fraca para 2023 desanimou mercado

Retorno sobre patrimônio líquido (ROE) do Bradesco, que indica sua capacidade de rentabilizar seu capital, foi de apenas 4% (Eduardo Frazão/Exame)
BQ

Beatriz Quesada

Publicado em 10 de fevereiro de 2023 às 16h23.

O Bradesco assustou o mercado com a divulgação de seus números mais recentes. O quarto trimestre da companhia registrou queda de 76% no lucro líquido, que caiu para R$ 1,6 bilhão. Já o retorno sobre patrimônio líquido (ROE) do banco, que indica sua capacidade de rentabilizar seu capital, foi de apenas 4% – muito abaixo dos 17,5% apurados no mesmo período do ano anterior.

A grande vilã do balanço foi a provisão atípica de R$ 4,8 bilhões que o Bradesco fez para cobrir 100% da dívida de um “cliente específico”. Embora não seja citada nominalmente, o montante provisionado corresponde à dívida que a Americanas tem com o banco.

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A varejista, no entanto, não é a única culpada pelo saldo do trimestre. O carro-chefe do Bradesco é o segmento de varejo, com concessão de crédito para pessoas físicas, em especial as de baixa renda. E é neste ponto que a instituição pode ter interpretado mal o cenário.

O CEO do Bradesco, Octavio de Lazari, reconheceu que o banco ofereceu mais crédito do que deveria, especialmente em 2020, ano em que o Brasil experimentou juros na mínima histórica de 2% ao ano. O período coincidiu com a pandemia de Covid, quando o Banco Central buscava estimular a economia com juros baixos, aliado a um cenário de incentivo do governo via auxílio emergencial.

“Vivemos um momento em 2020 onde experimentamos uma taxa de inadimplência extremamente baixa, que não condizia com a realidade do nosso País. Em função disso, talvez concedemos mais crédito do que deveríamos”, afirmou Lazari em coletiva com jornalistas na manhã desta sexta-feira, 10.

A retomada dos juros, no entanto, foi mais rápida do que o previsto pelo Bradesco. A taxa começou a subir no início de 2021 e, em um ano e meio, saltou quase 12 pontos percentuais, para o patamar atual de 13,75%. “Fica o aprendizado de estar sempre um ponto antes da curva”, disse o CEO.

A consequência foi um forte aumento nos gastos com provisões para devedores duvidosos (PDD) – reserva de capital para lidar com casos de inadimplência. As despesas com PDD foram o principal peso no balanço do Bradesco, alcançando R$ 10 bilhões de reais no quarto trimestre já descontando o efeito Americanas.

A cobertura da dívida da Americanas foi o golpe final no indicador, gerando um impacto adicional de R$ 4,85 bilhões, que levou a provisão total do Bradesco para o período para R$ 14,9 bilhões.

“O crescimento expressivo de 134% no PDD na comparação anual é consequência da estratégia começada em 2018 de migração para carteiras mais arriscadas e exposição à pessoa física de baixa renda, onde o impacto de inadimplência foi maior”, avaliam os analistas da Genial Investimentos.

O indicador de inadimplência de 90 dias mostrou piora em todos os segmentos, chegando em 4,3% – alta de 1,5 ponto percentual.

A expectativa do banco é que os indicadores de inadimplência mostrem alguma melhora a partir do terceiro trimestre deste ano. “Ajustar é possível e já vem sendo feito: diminui-se o apetite a risco e se ajusta o modelo de crédito. Isso já vem sendo observado com queda de aprovação de concessão e melhora das safras mais recentes”, defendeu Lazari.

Outro ponto que pode auxiliar o Bradesco é a margem financeira com o mercado, que envolve as operações de tesouraria do banco. A margem foi fortemente impactada pela alta da Selic nos trimestres anteriores e, no último resultado, ainda continuava negativa em R$ 803 milhões. Porém, houve recuperação na comparação trimestral. Isso, segundo o CEO, indica uma reversão de tendência.

O objetivo é alcançar novamente uma rentabilidade padrão de 18% – bem longe do ROE de 4% do quarto trimestre e dos 13% no anualizado de 2022. E as perspectivas também são difíceis. A projeção divulgada pelo banco após o resultado aponta que a recuperação deve levar mais tempo do que o esperado.

O lucro do Bradesco deve ficar em R$ 20 bilhões em 2023, 10% abaixo das expectativas dos analistas. Já o ROE anualizado deve ficar em apenas 12,7%, 20% abaixo das expectativas de mercado. Os cálculos são dos analistas do BTG Pactual (do mesmo grupo controlador da EXAME ).

“Se o Bradesco ficar mais aberto para discutir seus erros do passado (difícil acreditar que esse desempenho seja apenas cíclico) e/ou mostrar que sua projeção pode ser alcançada ao longo do ano, a ação pode começar a se recuperar. Mas, por enquanto, o ROE de pelo menos 18% que o banco espera alcançar, segundo disse o CEO Otavio Lazari à imprensa, parece muito distante”, informa o relatório do BTG.

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