O que esperar do Ibovespa em fevereiro depois da queda em janeiro?
Tumulto no exterior com caso GameStop e atrasos na vacinação, além de volta das restrições na economia e riscos de ingerência fiscal, continuam a pesar sobre expectativas
Beatriz Quesada
Publicado em 1 de fevereiro de 2021 às 06h10.
Última atualização em 1 de fevereiro de 2021 às 09h26.
A bolsa brasileira embarcou em uma montanha-russa no primeiro mês de 2021. O Ibovespa , principal índice da B3, renovou seu recorde histórico de fechamento para 125.076,63 pontos logo na primeira semana do ano -- e depois começou a despencar. Nos pregões que se seguiram, o índice teve quatro dias de ganhos contra dez de perdas -- seis consecutivos. O Ibovespa encerrou janeiro aos 115.067,55 pontos, recuo mensal de 3,32%.
Diante desse desfecho, o que esperar do segundo mês do ano na bolsa? Segundo analistas, parte das respostas vem da análise dos fatores que ajudaram a derrubar o Ibovespa em 8% desde o recorde no início do mês: são temporários ou provavelmente não serão revertidos no curto e no médio prazo? Já foram precificados pelo mercado?
Dando um passo atrás: em novembro, a bolsa brasileira engatou um rali e disparou 15,9%. À época, grandes investidores retomaram o otimismo com a definição no cenário americano com a eleição de Joe Biden e começaram a precificar a retomada econômica com a chegada das vacinas contra a Covid-19. O otimismo aumentou o apetite a risco e o capital estrangeiro entrou com força nos mercados emergentes, impulsionando o Ibovespa.
Na segunda quinzena de janeiro, porém, o otimismo sofreu abalos por causa de incertezas nas campanhas de vacinação no Brasil e no exterior. Veja os principais riscos:
Tumulto no caso GameStop
No exterior, o revés nas bolsas americanas foi acentuado pela febre do short squeeze, que amplificou os temores sobre bolhas nas ações e efeitos da especulação no mercado. Fundos com posições vendidas, ou seja, que apostavam na queda das ações, tiveram que amargar perdas milionárias (e até bilionárias) com a alta nas cotações motivada por grupos de investidores que se organizaram para comprar os papéis e pressionar as cotações.
Foi o que fizeram milhares de investidores de varejo por meio da rede social Reddit. O grupo conseguiu inflar os preços dos papéis de empresas como a GameStop e a AMC (de cinemas). O fenômeno não dá sinais, por ora, de ter sido isolado.
Como resultado, as bolsas americanas tiveram perdas expressivas no último pregão, com dois de seus principais índices -- o S&P500 e o Dow Jones -- fechando o acumulado do mês no vermelho pela primeira vez desde as eleições.
Incertezas nos pacotes de estímulo
No quadro geral de preocupação, essas operações especulativas se somam a outros pontos de cautela, como novos lockdowns ao redor do mundo e dúvidas em relação aos estímulos financeiros nos Estados Unidos.
Grande parte da expectativa de recuperação global está nas costas da economia americana, que, por sua vez, conta com um pacote trilionário de estímulos prometido pelo governo Biden para se recuperar da crise. A medida enfrenta resistência do Partido Republicano e ainda não há clareza sobre como será implementada.
“O mercado ainda não precificou, por exemplo, um aumento de impostos que pode ser usado para financiar esse pacote. Não existe ainda um esboço do que seriam esses ajustes tributários e, portanto, é difícil incorporar essas variáveis no preço dos ativos”, afirma Simone Pasianotto, economista-chefe da gestora Reag Investimentos.
Temores sobre bolhas
Além disso, crescem os temores sobre possíveis bolhas nos preços dos ativos causadas pela alta liquidez nos mercados internacionais associada a taxas de juros baixíssimas. A combinação empurra os investidores para opções mais arriscadas e potencialmente mais rentáveis de investimento, como ações, e pode inflar os preços além do valor real.
“Alguns ativos estão hipervalorizados, é um fenômeno global. Contudo é muito difícil dizer se já se trata de uma bolha analisando uma janela tão curta de tempo”, afirma Paulo Bilyk, CEO da gestora Rio Bravo Investimentos.
O Ibovespa, porém, já vinha cambaleando antes dos últimos reveses no mercado internacional. Para Bilyk, a queda registrada em janeiro foi acertada. “A bolsa precisava passar por uma correção. Não há razão para otimismo nos mercados com a macroeconomia do país do jeito que está”, diz.
Temporada de balanços
Prevista para fevereiro, a divulgação de alguns dos principais balanços corporativos do quarto trimestre deve ajudar a decifrar se os preços praticados pelo mercado estão descolados da realidade ou não. Entre os resultados mais esperados para o mês estão os da Petrobras, Vale e dos grandes bancos, que juntos representam cerca de 40% do Ibovespa. Ou seja, surpresas positivas ou negativas nesses balanços podem ser determinantes para a direção para qual irá a bolsa brasileira.
Embora a pandemia tenha provocado forte contração do PIB global, a expectativa de analistas do BTG Pactual é de que 50,7% de 134 empresas analisadas terminem 2020 com lucros líquidos superiores aos de 2019. Para o último trimestre, as estimativas são de que 53,7% das companhias apresentem aumento de lucro trimestral, sendo que as empresas mais atingidas pelas medidas de isolamento devem liderar o crescimento de receita líquida. O maior otimismo está em cima dos balanços de Azul (AZUL4), GOL (GOLL4) e Lojas Renner (LREN3), para os quais analistas do banco esperam aumento de receita líquida de 111%, 97% e 80%, respectivamente. As três empresas, porém, devem fechar o ano com resultados líquidos inferiores aos de 2019.
Atrasos na vacinação e risco fiscal
Por aqui, a pandemia continua sendo o principal fator de preocupação. Em janeiro, mais de 2 milhões de brasileiros receberam suas primeiras doses de vacinas, mas o país ainda não foi capaz de imunizar sequer 1% da população.
O estado de São Paulo, que representa cerca de um terço do PIB nacional, anunciou no dia 22 a volta de restrições mais duras na circulação de pessoas por causa do aumento do número de casos da pandemia. O crescimento do PIB pode ficar até dois pontos percentuais menor em 2021 por causa da lentidão e da desorganização no programa nacional de imunização, segundo cálculos da consultoria LCA.
“Outros países, como Israel, começaram antes e já estão colhendo os frutos da vacinação. Por aqui, passamos dias sem conseguir importar o insumo para produzir as doses. O resultado é menos emprego, queda na receita e diminuição nos investimentos”, afirma Pasianotto.
A economista também ressalta que a vacina é a melhor solução para prevenir novos lockdowns, como o que foi decretado em parte do Pará no último sábado, 30.
O avanço da pandemia também reforça a cobrança da sociedade e de parte do Congresso pela renovação do auxílio emergencial, cuja última parcela foi paga em janeiro. A medida é vista com maus olhos pelo mercado, porque incentiva a quebra do compromisso em lei com a política de limitação do aumento das despesas exigida pelo teto dos gastos.
Riscos sobre as estatais
Outro sinal preocupante para os investidores são as recentes notícias relacionadas às companhias estatais, que tiram valor das ações.
O presidente do Banco do Brasil , André Brandão, está com o cargo ameaçado por causa do plano de demissão voluntária para 5.000 funcionários e de fechamento de 112 agências anunciado em 11 de janeiro. O movimento desagradou o presidente Jair Bolsonaro , e o mercado teme uma intervenção do governo para preservar empregos, afetando o resultado do banco.
Há dificuldades também no campo das privatizações. O presidente da Eletrobras , Wilson Ferreira Junior, renunciou ao cargo no último dia 24 por causa da falta de empenho político para a privatização da companhia, que não saiu do papel. As ações encerraram janeiro com queda acima de 20%, e o mercado aguarda o anúncio do sucessor. A definição pode estancar a desvalorização ou aprofundar a perda de confiança.
Para fechar a lista de incertezas, uma nova greve dos caminhoneiros pode estimular o governo a intervir nos preços dos combustíveis praticados pelaPetrobras, a maior estatal do país. A paralisação da categoria está programada para começar nesta segunda-feira, 1º.