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"Não compramos promessas", afirma presidente da Rio Bravo

Mário Fleck diz que só considera os ativos reais de uma empresa em suas análises e que pode gastar até 12 meses estudando uma companhia antes de comprar suas ações

Mário Fleck, presidente da Rio Bravo: "Nosso negócio não é comprar futuro, comprar promessa" (.)
DR

Da Redação

Publicado em 8 de novembro de 2013 às 15h13.

Para entender como funciona o processo de decisão de investidores profissionais, o Portal EXAME vai publicar, durante os próximos meses, entrevistas com alguns dos maiores gestores de recursos do país. A ideia é reunir lições valiosas para que pequenos investidores possam administrar suas próprias aplicações com um maior embasamento técnico. O escolhido para iniciar a série de entrevistas foi Mário Fleck, presidente da Rio Bravo Investimentos, que administra 3,5 bilhões de reais divididos principalmente entre fundos imobiliários (2 bilhões de reais) e ações (600 milhões de reais).

Fleck é, há cinco anos, o responsável pela gestão do fundo de ações da Rio Bravo. Antes, presidiu por 14 anos a unidade brasileira da Accenture, uma das maiores empresas de consultoria do mundo. Faz parte do conselho de administração da Cremer e da Eternit e já foi conselheiro da Unipar e da Ferbasa. Na Rio Bravo, desenvolveu uma filosofia de investimentos de longo prazo e mantém em carteira somente 10 a 15 empresas, escolhidas após um processo criterioso de análise. Escolher uma única ação desse portfólio pode levar até 12 meses. "Nosso negócio não é comprar futuro, comprar promessa. A gente quer olhar [a situação da empresa] hoje", diz. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Portal EXAME - Como a Rio Bravo investe?

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Mário Fleck - A Rio Bravo é uma gestora de investimentos muito fundamentalista, de longo prazo. Não somos uma instituição nervosa, que faz transações de curto prazo, corre para lá e para cá, muda de posição, tenta usar técnicas, tecnologias e gráficos. Nosso maior foco está nos fundos imobiliários, um negócio de longo prazo em que aplicamos 2 bilhões de reais. Temos também uns 250 milhões em private equity, que é ainda mais de longo prazo. Na direção de oposta, de maior liquidez, temos 600 milhões em fundos de ações. Também aplicamos em fundos multimercados e agora temos cerca de 300 milhões em private banking, que é uma área de assessoria financeira para famílias. Os clientes desses produtos são os investidores institucionais, fundos de pensão e pessoas físicas. Nós investimos o dinheiro deles.

Portal EXAME - Qual foi o resultado do fundo de ações em 2009?

Fleck - Acabou sendo um ano diferente do que parecia que ia ser. Em dezembro de 2008, o cenário era totalmente incerto. Mas o Rio Bravo Fundamental FIA, que é nosso carro-chefe em ações, conseguiu uma valorização de 85% até agora. Portanto, acima do Ibovespa. Ele começou o ano com um patrimônio de 250 milhões de reais e está fechando com 600 milhões de reais. Esse fundo tem cinco anos e um trimestre de existência e obteve uma rentabilidade média espetacular de 35% a 36% ao ano, já descontadas as taxas cobradas dos investidores.

Portal EXAME - E como é feita a gestão desse fundo?

Fleck - Não é um fundo que tem caixa, que fica de lado enquanto o gestor avalia o melhor momento de entrar na bolsa ou que fica com uma parte dos recursos aplicados em bolsa e a outra investida em renda fixa. A gente entende que o investidor que escolhe esse fundo quer alocar todo seu dinheiro em ações. Então, quando a gente tem dinheiro e não tem uma definição sobre qual seria o melhor lugar para colocá-lo, a gente compra ações muito liquidas, como Itaú, Petrobras ou Vale, ao contrário da maioria dos fundos do mercado, que deixa o caixa rendendo CDI.

Portal EXAME - E quais são as principais posições desse fundo?

Fleck - Hoje a carteira está concentrada em doze empresas, seguindo sempre uma regra de não aplicarmos mais de 20% do patrimônio em nenhum papel, independente de quão espetacular ele seja. Podemos ter entre 10 e 15 empresas em carteira, mas nunca será cinco nem 20. As principais ações do fundo são Pão de Açúcar, SulAmérica e Copasa. As duas primeiras são papéis que andaram bastante neste ano. O Pão de Açúcar, por exemplo, está na carteira desde dezembro de 2007. Naquele ano, essa foi a pior ação da bolsa. Nós temos essa filosofia de comprar ações quando elas estão defasadas. A gente procura encontrar os ativos que, pelos fundamentos, estão precificados de maneira incorreta porque a gente acredita que o mercado não é perfeito. O Pão de Açúcar tinha várias razões para estar precificado daquele jeito, estava acertando projetos de consultoria, havia trocado de CEO, buscava ajustar sua estratégia para não ficar crescendo por crescer, queria focar na rentabilidade.

Portal EXAME - No que a sua estratégia de investimentos se diferencia da maioria do mercado?

Fleck - A diferença entre nós e os analistas de corretoras é que eles tentam fazer a melhor projeção para uma empresa baseado em um monte de dados históricos bastante defasados. Os balanços são trimestrais e saem com 45 dias de atraso. O resultado do quarto trimestre sai na metade de fevereiro e os resultados do mês de outubro estão lá dentro. Já nas empresas que a gente estuda, estamos dentro delas. A gente faz parte do conselho de sete das doze empresas que investimos. Então estamos lá dentro discutindo as estratégias com os executivos e demais membros do conselho uma, duas ou três vezes por mês. Obviamente conhecemos os desafios e problemas daquela empresa. Não somos um cara sentado lá na arquibancada. Estamos ali ao lado do campo, suando com o cara, vendo como está o gramado, olhando para a bola. Isso nos dá uma sensibilidade para as oportunidades de criação de valor bastante intensa a um preço que agente acha razoável, que é o fato de não poder operar várias vezes durante o ano com as ações em que temos informação antes do mercado. A cada trimestre, eu já sei que tenho 15 dias que não poderei negociar as ações das empresas em que estamos no conselho. Se tiver uma transação estratégica no meio do caminho, que ainda vai ser informada ao mercado por meio de um fato relevante, é a mesma coisa. Mas não tem problema nenhum. (Continua)


Portal EXAME - Como é essa participação da Rio Bravo dentro do conselho? Vocês chegam a tentar convencer a empresa de que de repente ela está seguindo um caminho errado ou que, se ela tomasse tal direção, teria uma rentabilidade maior?

Fleck - Essa pode ser uma discussão, mas o papel do conselho normalmente é olhar se a empresa está crescendo da forma como ela poderia. O conselho hoje em dia não é apenas crítico, ele é trabalhador. É um órgão que discute as estratégias de busca de valor.

Portal EXAME - Vocês fazem parte do bloco de controle de alguma dessas empresas?

Fleck - Não. Estamos sempre como minoritários. No máximo falamos com outros minoritários para que sejamos escolhidos como um dos representantes no conselho.

Portal EXAME – Como vocês definem que ações vão comprar?

Fleck - Temos uma mistura de formas de estudar uma empresa. Eu vim do mundo de consultoria, trabalhei durante 28 anos na Accenture e lá fazia um trabalho que era bem mão na massa. Ficava num escritório que era o do cliente e passava entre dois e três anos respirando e vivenciando seus processos. Outros sócios da Rio Bravo também tiveram esse tipo de experiência em diversas empresas. Isso é importante porque não dá para você olhar sozinho para uma companhia. Primeiro conhecemos os personagens que dirigem a empresa. Isso tem que ser somado com uma ida a campo. Não adianta pegar os números do relatório trimestral ou as informações do site oficial. Tem que de fato fazer visitas a essas empresas.

Portal EXAME - Como vocês usam as informações levantadas?

Fleck - Temos um comitê de investimentos que se reúne uma vez por mês. Criamos um sistema que é uma espécie de radar das empresas que consideramos interessantes. As companhias que atravessam esse funil passam então a ser estudadas com calma. A gente se apresenta para a direção da empresa como um acionista, e não como um curioso ou analista de mercado. Eu tenho esse histórico de gostar de fazer parte do conselho, mas sem querer briga. Eu não sou um acionista oportunista que quer pegar uma brecha para mandar alguém embora. Quero entrar construtivamente. Temos experiências de governança que podem agregar valor nessas empresas - e eles sabem disso.

Portal EXAME - Mas quanto tempo vocês passam estudando uma empresa até comprar os papéis?

Fleck - De seis meses a um ano. Mas nesses últimos cinco anos não saímos comprando e vendendo tudo de uma vez. Então às vezes leva outros seis meses pra você montar uma posição relevante numa companhia.

Portal EXAME - A porta de entrada de vocês em uma empresa é por meio de um contato inicial com o diretor de relações com investidores?

Fleck - Essa é a porta geral para todo mundo, mas nós achamos que é a pior de todas. O diretor de RI é um cara que lhe abre a janela quando ele quiser e deixa ver apenas o que ele quiser. Agora é bem diferente quando você conhece os executivos, está dentro da empresa, entende o mercado em que ela atua, sabe qual é a situação de competitividade dela.

Portal EXAME - E quais empresas estão no radar de vocês em 2010?

Fleck - Se você olhar a quantidade de empresas que estão hoje em análise, é um número menor do que no começo de 2009. Há um ano estávamos de olho em umas 30 empresas e hoje é metade ou talvez um quarto disso. Há alguns meses tinha muita ação barata no mercado. Hoje está mais difícil achar empresas interessantes. E o desafio do nosso fundo é seguir na nossa linha filosófica e não achar que tem que comprar algo porque tem que comprar. Se não tiver nenhuma empresa interessante para comprar, não vamos comprar. Se precisar parar de entrar dinheiro, então para de entrar dinheiro.

Portal EXAME - Cite algumas empresas que estão no radar de vocês.

Fleck - Hoje, estamos olhando coisas do mercado interno. É uma estratégia evidente, com essa pressão toda do cambio sobre os exportadores somada ao vigor do consumo no Brasil. Nós achamos que às vezes a solução é ir na derivada. As empresas de construção estão caríssimas, mas a gente comprou Duratex e Eternit, que são derivadas do mercado de construção.

Portal EXAME - Mas essas são duas empresas que você já tem, certo?

Fleck - Já temos, mas podemos aumentar as posições. Na Duratex a gente entrou uns dois meses antes da compra da Satipel. A gente estudou as duas empresas. Ficamos na dúvida, mas visitamos as duas, conversamos e optamos pela Duratex. Depois apareceu a transação com a Satipel. Foi uma surpresa, inclusive para nós. Igual ao Pão de Açúcar. Eles compraram o Ponto Frio e agora a Casas Bahia. Não tínhamos ideia de que isso aconteceria.

Portal EXAME - A possibilidade de haver uma fusão ou aquisição é importante para a decisão de investimento de vocês? Além desses exemplos do Pão de Açúcar e da Duratex, a SulAmérica também é sempre citada como possível alvo de aquisição...

Fleck - A lógica da SulAmérica é que ela estava muito barata e inserida em um segmento que é importante para o Brasil. É uma empresa de seguros que está bem espalhada pelo país, em vários ramos. Não ficamos tentando adivinhar os eventos. O cara acha que a Eletrobrás um dia vai pagar os dividendos e está há 20 anos posicionado por causa dos tais dividendos. Essa não é a nossa estratégia. (Continua)


Portal EXAME - A estratégia de vocês é identificar o mercado que está em crescimento e ver quem vai ser beneficiado?

Fleck - Exatamente. A gente voltou a comprar Usiminas porque na crise as siderúrgicas afundaram. Não tinha demanda para a siderurgia, elas foram muito massacradas.

Portal EXAME - A Vale e a Petrobras são as maiores empresas da bolsa. Como você vê o desempenho dessas ações no próximo ano?

Fleck - Nós não gostamos muito porque nossos clientes nos pagam para encontrar boas oportunidades de investimento. Agora por que o cara vai pagar para um administrador que vai investir o dinheiro dele em Petrobras? Nós já entramos em Vale e Petrobras como estacionamento, é aquela empresa onde fica aplicado nosso caixa. Hoje nosso estacionamento é o Itaú Unibanco. A gente não acha que devemos estar muito concentrados no setor de commodities.

Portal EXAME - Esse é um setor que depende muito da recuperação da economia mundial. Você vê isso acontecendo em 2010?

Fleck - Muito lentamente. Há muita incerteza ainda, o mercado está nervoso. Aconteceu um negócio em Dubai e o cara sai correndo daqui. É um mercado traumatizado com esse passado recente. Achamos que o mercado interno brasileiro ainda é muito forte e tem espaço para crescer. A economia já não está tão suscetível à contaminação internacional como no passado. Antes acontecia qualquer coisa em qualquer canto do mundo e todo mundo fugia dos países emergentes. Hoje já não é assim.

Portal EXAME - A provável alta dos juros em 2010 pode atrapalhar essa aposta no mercado interno?

Fleck - Não achamos que haverá uma pressão inflacionária que justifique o aumento dos juros, que continuam muito altos.

Portal EXAME - Mas essa não é a previsão da maioria do mercado, certo?

Fleck - Tecnicamente não vemos o fundamento para elevar [os juros], mas existe mesmo essa possibilidade.

Portal EXAME - Agora, na prática, vocês já começaram a vender Pão de Açúcar porque obviamente o varejo será um setor afetado quando os juros subirem?

Fleck - Por um lado, o varejo será prejudicado. Mas por outro lado, continuará havendo uma demanda muito grande. Então continuamos comprando. O crédito está avançando. Então não dá para pegar um fator só e tomar a decisão. A gente acha que o crescimento do Brasil pode ser de 5%, 6% ou 7% nos próximos trimestres. É um número expressivo em relação a períodos anteriores.

Portal EXAME - E vocês veem oportunidades no setor de alimentos? A Brasil Foods foi muito mal em 2009, a crise derrubou as exportações, as margens estão historicamente bem baixas...

Fleck - Se você pensar a longo prazo, há uma tendência de recuperação porque a China tem que comer. A população cresce e só tem mais boca para alimentar. A velocidade dos nascimentos é maior do que a da instalação de novas fábricas. Então achamos que vai continuar tendo demanda por alimentos, mesmo que haja momentos de curto prazo com pressões. Que são boas, porque, se não houvesse momentos de pressão no mercado, você não compraria nada nunca. Principalmente se você é um comprador de ações que acredita nos preços dos ativos reais, e não em projeções.

Portal EXAME - Você não compra uma empresa a partir de suas projeções de crescimento futuro, certo?

Fleck - Na época da bolha da internet, as pessoas projetavam um crescimento maluco para a empresa, depois traziam isso ao valor presente e davam um valor justo para suas ações que não tinha nada a ver com seu lucro nem com seu caixa, que às vezes simplesmente era inexistente. A gente não entra nesse jogo. Nosso negócio não é comprar futuro, comprar promessa. A gente quer olhar hoje. Estamos atrás da companhia que tem um caixa maior que seu valor de mercado. Queremos achar essas distorções óbvias.

Portal EXAME - Você compraria uma ação de uma empresa do Eike Batista?

Fleck - Compraria, mas só se estivesse numa cotação que não precificasse tão absurdamente as promessas futuras.

Portal EXAME - Mas aí ele vem e fala que vai extrair 700.000 barris de petróleo por dia em 2014 e o mercado todo compra...

Fleck - Nós não compramos apostas. A gente comprou Pão de Açúcar porque estava ridiculamente barato em 2007. Compramos Bradespar porque foi um veículo para adquirir ações da Vale e da CPFL com um desconto de 40%. Por que o mercado atribuía o desconto de 40%? Supostamente porque era uma holding que paga imposto e tem despesas. Mas 40%? Não tinha o menor cabimento. Então a gente entrou e, quando esse desconto chegou perto de zero, a gente vendeu. (Continua)


Portal EXAME - Por que tanta gente compra promessas no mercado?

Fleck - Essa é a graça da vida. Se todo mundo tivesse a mesma estratégia, não tinha graça. Eu acho que uma parte dessa culpa é dos agentes do mercado, que empurram papéis para os investidores, como foi naquela safra de IPOs [em 2007]. Muitas vezes há no mercado uma demanda muito forte, o que cria uma oportunidade para essas pessoas empurrarem um monte de coisa. Nessa época dos IPOs houve uma percentagem significativa de empresas que foram mal compradas. É muito emocional. A maioria dos compradores compra quando todo mundo está comprando e vende quando todo mundo está vendendo, que é exatamente o contrário do que todos os livros falam para você fazer. Mas no mercado o cara tem uma sensação de conforto quando ele vê que está todo mundo entrando. O cara entra porque pensa que só vai se ferrar se todo mundo se der mal.

Portal EXAME - Para o ano que vem já está surgindo uma nova fila de IPOs e ofertas de ações. Você acha que isso pode acontecer de novo? Por que o mercado não amadurece e aprende com os erros passados?

Fleck - A memória é muito curta no mercado. Na política é igualzinho. Ninguém mais lembra do Sarney, agora é o Arruda. Essa entidade abstrata chamada mercado é muito pouco técnica, muito emocional e registra muito pouco. Dito isso, acho que o mercado caminha para ter investidores mais sofisticados. Quando os fundos de pensão estavam só em renda fixa, você não via a presença de um investidor mais técnico em outros ativos. E isso mudou. Então a tendência é de que haja investimentos mais fundamentados. Naqueles IPOs, 80% dos papéis eram comprados por investidores estrangeiros. Ele queria estar no Brasil e ponto. Ele queria entrar em bioenergia porque estava na moda e ponto. Ele estava muito distante para entender dos fundamentos. Com exceção dos road shows feitos pelos agentes de venda, ele não conhecia o histórico e a realidade dos executivos por trás daquelas promessas. Então compraram um monte de lixo. Hoje aqueles mesmos investidores não vão comprar de novo um monte de lixo. Eu acho que os IPOs vão sair melhores do que aquela safra de dois ou três anos atrás, principalmente pela mudança de percepção dos investidores institucionais.

Portal EXAME - Os novos IPOs vão despertar o interesse dos estrangeiros?

Fleck - Se houver coisa boa, vai ter interesse porque tem muito capital estrangeiro querendo vir para o Brasil. Mas tem que vir empresas boas. O preço não vai ser qualquer um. Vai estar alinhado com o valor da empresa.

Portal EXAME - Nos IPOs mais recentes, nada tem saído pelo teto sugerido pelos bancos. Isso é um sinal de que o mercado já está mais criterioso?

Fleck - Sim. E também de que a própria estratégia das empresas é de não ser tão gananciosa na largada. Há dois anos as empresas de construção estavam quase todas quebradas. Aí vem um cara e diz que tem saída para essas ações no mercado. Criou-se uma ganância muito grande para tirar o máximo proveito possível daquela oportunidade. É diferente um cara que vai abrir a empresa ao mercado e colocar um preço suficientemente atraente para ela ir crescendo ao longo do tempo de outro que quer ir embora e deixar os investidores lá com o abacaxi na mão.

Portal EXAME - Com a Copa e as Olimpíadas, vocês veem oportunidades na área de infraestrutura?

Fleck - Acreditamos que logo haverá grandes operações de logística e energia elétrica, além concessões de rodovias, portos ou aeroportos.

Portal EXAME - Mas isso vai sair mesmo?

Fleck - Tem que sair. Se você for no Galeão hoje, vai ficar chocado. É um absurdo que uma cidade como o Rio de Janeiro tenha um aeroporto internacional naquelas condições.

Portal EXAME - Como vocês planejam investir em infraestutura?

Fleck - Nosso primeiro fundo está em fase de estruturação. Esse negócio demora muito. Você tem que desenhar o negócio, conversar com os investidores, formar um time, pegar o compromisso deles. São processos que duram às vezes um ano. Mas é um setor que vamos estar dentro. As cidades da Copa e das Olimpíadas vão ter que investir em energia, estradas, portos e hotelaria. Temos ações de uma empresa chamada Bematech, que faz automação comercial. Uma das coisas que eles fazem muito bem é automação de hotelaria, que é um setor que vai crescer nesse processo. Nós gostamos de estar sempre assim, na derivada. Não tenho uma ação de uma empresa de hotel, mas eu tenho participação em alguma coisa que vai na carona. (Continua)


Portal EXAME - Essa é uma forma de fugir do que está na foco da manada?

Fleck - É exatamente isso.

Portal EXAME - Em energia vocês não veem nada interessante?

Fleck - Já tivemos CPFL na carteira, gostávamos muito. Mas também é um setor que você tem que ter cuidado, é bastante regulado. Em uma carteira de 12 ações, não queremos tantas empresas que sofram efeitos de regulação. Por mais que tudo esteja andando bem, vem uma medida do governo e muda as coisas, há pressões sobre os reajustes tarifários.

Portal EXAME - E as teles, por que tiveram um desempenho tão ruim neste ano?

Fleck - O setor de telefonia é complicado, a gente não achou nenhuma empresa com um preço razoável. O processo de privatização levou à formação de consórcios com gente com pensamentos completamente diferentes. Então você vai lá dentro ver o que está acontecendo e descobre que os caras não conseguem acertar a visão estratégica porque um quer investir e outro quer desinvestir. Mas tem uma ou outra GVT. O problema é que a ação fica muito cara e fatalmente aparece um comprador, como apareceu agora. Há poucas opções limpas desse caos societário e, ao mesmo tempo, num preço interessante.

Portal EXAME - E as companhias aéreas, o que você acha?

Fleck - É um mercado muito complicado. A gente não investe. O preço do petróleo, o câmbio, crises e outras variáveis pontuais afetam violentamente o resultado. É um setor que exige capital intensivo. A mão de obra é complexa por causa dos sindicatos. Não estamos muito atraídos.

Portal EXAME - A Rio Bravo trabalha muito com a gestão do dinheiro dos fundos de pensão. Vocês acreditam que virão recursos desses fundos de pensão para a bolsa mesmo com a provável alta dos juros, que lhes dará uma maior facilidade para cumprir as metas atuariais?

Fleck - Em primeiro lugar, essa alta não aconteceu ainda. O que já aconteceu foi que os juros caíram e eles não conseguiram bater as metas. Então acho que o cara não vai ficar parado esperando os juros subirem. O cara tem que desenvolver uma competência. Se o Brasil vai caminhar para um patamar mais civilizado de juros e inflação, o camarada tem que diversificar. Não pode ficar só em renda fixa, acreditando que vai ter juros acima da meta atuarial. Então ele vai ter que seguir o modelo dos mercados mais desenvolvidos, ir para o setor imobiliário, para as ações, ter uma alocação em private equity, nos fundos de hedge. Mas não dá para tirar dinheiro de renda fixa e colocar na renda variável de um dia para o outro. O cara precisa se estruturar. Tem que decidir com quem ele vai investir, como, se será um fundo exclusivo, se vai contratar uma gestora como a Rio Bravo, se vai montar uma equipa própria de análise de investimentos...

Portal EXAME - Em 2009, o grande fluxo que sustentou a bolsa veio dos estrangeiros. Recentemente também teve uma volta grande de pessoas físicas. E como estão os fundos de pensão nessa história?

Fleck - O fundo de pensão é muito lento nesse processo de entrada e saída. Mas nós temos sido muito acionados por eles.

Portal EXAME - Como é a atuação da Rio Bravo no mercado imobiliário?

Fleck - É hoje o nosso principal negócio. A gente acha que com uma taxa de juros mais baixa e um crédito mais eficiente, tem tudo para o setor imobiliário evoluir. Em geral, investimos em imóveis comerciais. Mas a gente pode montar um fundo residencial. Chegamos a preparar um, mas veio a crise e recuamos.

Portal EXAME - Qual é o perfil do investidor imobiliário?

Fleck - Esses fundos são um negócio interessante para quem gosta da renda do aluguel e que, em vez de comprar dez apartamentos e ter todo o trabalho de administrar o negócio, convivendo com uma baixa liquidez, poderá entrar em um de nossos fundos. Uma estratégia bastante inteligente é trocar imóveis por cotas de um fundo com liquidez. Fora o aspecto tributário, porque é muito melhor ter rendimentos com ganho de capital do que com aluguel.

Portal EXAME - Em quais cidades vocês investem mais em imóveis?

Fleck - No Brasil inteiro. Os imóveis estão espalhados em grandes centros ou estradas que ligam os grandes centros. Não temos um destaque, um estado que é uma mina de ouro.

Portal EXAME - Mas que tipo de imóvel é mais promissor?

Fleck - Acho que shoppings e centros de distribuição e logística em geral. Os shoppings cresceram muito neste ano, inclusive em São Paulo. O varejo atravessou muito bem a crise e achamos que o Brasil está abaixo da média mundial de shoppings por habitante.

Portal EXAME - Qual foi a rentabilidade média desses fundos neste ano?

Fleck - Acabaram surpreendendo. Aqueles negociados em bolsa chegaram a dar mais de 20% ou 25% de valorização. O grande destaque é o fundo do shopping Higienópolis.

Portal EXAME - E como foi a área de private banking?

Fleck - Muito bem. A crise chacoalhou aquela tese de que o grande banco era a coisa mais segura. Quem imaginou que era preciso ter medo se seu dinheiro estivesse no Citibank ou em outra grande casa? Então começou tudo do zero nesse mercado de assessoria e planejamento de investimentos. Como temos essa visão de longo prazo, pegamos alguns clientes e olhamos a estratégia deles para a crise. Achamos muita gente que tinha uma desproporção de riscos e retornos na carteira que não era a esperada.

Portal EXAME - Nem sempre esses produtos são bem vendidos pelos bancos, né?

Fleck - Na maioria das vezes é mal vendido.

Portal EXAME - Entre as empresas que você tem em carteira em private equity, há alguma que deve fazer IPO em 2010?

Fleck – Não, é uma carteira muito nova. Temos fundos com quatro ou cinco anos, mas que ainda não estão prontos. São da primeira safra de investimentos, era quase um venture capital.

Portal EXAME - E você planejam abrir novos fundos?

Fleck - Sim. Temos várias ideias ligadas a infraesturtura ou tecnologia. Serão fundos com pelo menos 200 milhões a 300 milhões de reais para pegar participações de até 25% em empresas. Queremos colocar entre 10 milhões e 20 milhões de reais em empresas com faturamento de 100 milhões. Os quotistas desses fundos seriam os fundos de pensão.

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