Fundos brasileiros enfrentam prova de fogo com caos no mercado
Perdas ocorrem após anos de rápido crescimento e otimismo, impulsionado por investidores que migraram de títulos públicos para fundos de renda variável
Guilherme Guilherme
Publicado em 15 de março de 2020 às 07h14.
Última atualização em 15 de março de 2020 às 20h51.
O caos no mercado deixou um rastro de perdas na indústria de fundos brasileira.
A turbulência global, e o efeito particularmente intenso no Brasil, deixou alguns dos gestores de fundos com a melhor performance do país machucados. Não bastasse o tombo na performance, muitos tiveram que ir para as mídias sociais acalmar a ansiedade de investidores, em particular os de varejo.
Houve desde pedido de desculpas até comentários sobre hábitos de sono.
“Infelizmente não conseguimos defender essa queda como em 2015, drawdowns de 2016, maio de 2018 e outras”, disse João Braga, corresponsável por renda variável da XP Asset Management, em tuíte na quarta-feira. “Peço desculpas e vamos trabalhar forte pra recuperar.”
Há muito o que recuperar. O fundo XP Long Bias teve a pior queda mensal desde que foi lançado em 2013, acumulando no ano uma perda de cerca de 30% até 11 de março, segundo dados compilados pela Bloomberg. O fundo, com cerca de R$ 2 bilhões sob gestão, ainda tem o melhor retorno de cinco anos entre 100 pares.
Braga administra o fundo com Marcos Peixoto, ambos veteranos do setor de gestor recursos e especialistas em bolsa. A XP não respondeu a um pedido de comentário.
Choque de realidade
As perdas dos fundos brasileiros ocorrem após anos de rápido crescimento e otimismo, impulsionado por investidores que migraram de títulos públicos para fundos de renda variável e multimercados. Essa tendência levou veteranos do setor bancário a mudar de carreira e a abrir empresas de investimento que se multiplicaram em ritmo vertiginoso, mesmo quando os hedge funds globais tentavam lidar com saques e fechavam fundos.
As ações brasileiras estiveram entre as com melhor desempenho global em 2019 diante das perspectivas de reforma da economia, que animaram investidores a apostar no país. Agora, o setor em expansão e o mercado acionário são abalados pela queda dos preços do petróleo e pelo temor do impacto econômico da pandemia de coronavírus.
Na quinta-feira, a bolsa brasileira caiu quase 20%, no pior dia de negociações desde 1992, com dois circuit breakers seguidos. O Ibovespa devolveu 20 meses de ganhos desde o final de janeiro e acumula baixa de 40% desde o pico deste ano.
Henrique Bredda e Luiz Alves Paes de Barros, da Alaska Asset Management, também foram às redes sociais para explicar as perdas. O fundo Alaska Black Master, com uma das melhores performances do país em cinco anos, acumula queda de 43% neste ano até 11 de março. A transmissão ao vivo no Instagram atraiu cerca de 6 mil pessoas na quinta-feira.
Barros disse que está usando seus próprios recursos para comprar ações, mesmo que elas possam cair mais. Ele diz que momentos de estresse podem afetar seu sono, mas que, por enquanto, vem dormindo bem.
“Tenho dormido como um príncipe”, disse. “Acordo muito satisfeito de manhã para vir comprar.”
O fundo Alaska Black desfez todas as apostas em moedas e juros até os mercados se acalmarem, disse Bredda. O fundo manteve posição comprada em ações brasileiras, com apostas na fabricante de celulose Klabin, na varejista Magazine Luiza e na Cogna.
Entre os fundos de menor porte, o Logos Total Return Master sofre um dos piores revezes.
Depois de um impressionante retorno de 155% em 2019 - mais do que o triplo da média de seus pares -, o fundo acumula baixa de 51% neste ano até 11 de março. Os ativos encolheram para cerca de R$ 170 milhões em relação ao pico de R$ 333,7 milhões no início de janeiro. A Logos Capital, gestora que administra o fundo, foi fundada em 2018.
“Expurgamos a posição que tínhamos no real do nosso portfólio com uma grande perda. Mas não fazia sentido, erramos. E seguimos comprados em bolsa”, disse Luiz Guerra, diretor de investimentos da Logos Capital, em entrevista. Ele diz que a empresa também errou em relação às ações de bancos, que saíram do portfólio, e agora se concentra em utilities, empresas de telecomunicações e exportadores.
“Isso já aconteceu algumas vezes conosco e, via de regra, recuperamos”, disse Guerra.