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Day trade é cassino, muito mais sorte do que técnica, diz pesquisador

Estudo mostrou que 97% das pessoas que especulam na bolsa perdem dinheiro e que quanto mais tentam, mais perdem

Giovannetti: "A grande conclusão é que achar que dá para viver de day trade como a sua fonte de renda é uma grande viagem" (FGV/Divulgação)
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Juliana Elias

Publicado em 1 de outubro de 2019 às 05h00.

Última atualização em 30 de outubro de 2020 às 12h44.

São Paulo - Desde que divulgaram, no início deste ano, seu estudo sobre as enormes taxas de fracasso entre os investidores que especulam ativos de altíssimo risco na bolsa de valores , os economistas Bruno Giovannetti e Fernando Chague, da Fundação Getulio Vargas (FGV), se tornaram pequenas celebridades do mundo acadêmico das finanças.

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Não é para menos. Os números revelados são espantosos e passaram a ser repetidos desde então em rodas de investidores e analistas. A pedido da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e com ajuda de sua base de dados, os pesquisadores acompanharam o desempenho de todos os investidores que operaram algum minicontrato de índice ou de dólar entre 2012 e 2017.

Tratam-se de papéis derivativos que acompanham o Ibovespa e a moeda norte-americana e são os preferidos do chamado day trade – a atividade que ganha com a compra e venda de ativos em curtíssimos espaços de tempo. Como nesses minicontratos não há limites para as perdas, como acontece com as ações (em que, no pior cenário, o investidor não perde mais do que o que aplicou), eles são considerados papéis de altíssimo risco.

De todos que tentaram alguma coisa, 92,1% pararam em menos de um ano. Dos que seguiram – aqueles que fizeram operações diárias por ao menos 300 pregões – 97% perderam dinheiro. Nos 3% que saíram no azul, 2,6% ganharam menos do que 300 reais por dia (ou até 6.000 reais em um mês com 20 dias úteis).

E mais: elas não aprenderam com o tempo. Pelo contrário, quanto mais a pessoa insistiu, mais vezes perdeu. É por essa razão que Giovannetti diz que, por mais que pareça lógica a ideia de que day trade é uma atividade que depende do tempo e da experiência para ser melhorada, o que a natureza dos resultados aponta é que seus ganhos estão muito mais ligados a sorte do que a técnica. “É muito mais parecido com cassino, em que, à medida em que a pessoa vai repetindo as jogadas, a chance de continuar acertando diminui”, diz ele.

-(EXAME Research/Exame)

O impacto da pesquisa foi tanto que, desde que o estudo foi divulgado, em março deste ano, o número de day traders estancou no país, depois de mais que triplicar em apenas dois anos (saiu de uma média de 8 mil pessoas operando diariamente em 2017 para mais de 30 mil no início de 2019).

EXAME conversou com Giovannetti para comentar os impactos e detalhes da pesquisa. Ela foi republicada recentemente na versão em inglês, para a comunidade internacional, e pode ser acessada aqui.

Qual você considera ser a principal conclusão do estudo?

É, de longe, o fato de que as pessoas que fazem day trade não melhoram com o tempo. Em qualquer atividade normal, o profissional vai melhorando com a experiência. No day trade não, e isso aparece de maneira muito clara nos dados. A chance de ganhar cai com o tempo. Nenhuma outra atividade é assim, você faz, faz, faz e não melhora. Só cassino, que é pura sorte. Day trade é igual, pura sorte. Se fosse algo que dependesse de habilidade, o certo seria que, à medida que vai treinando, a pessoa fosse melhorando, mas não é o que acontece.

Como isso aparece na pesquisa?

Entre os investidores que fizeram apenas um dia de day trade, 30% tiveram ganhos, ou algo próximo de 50% se desconsiderarmos o que eles gastaram com corretagem. É muito parecido com cassino, em que há basicamente o preto e o vermelho na roleta e a chance de acertar na primeira vez é de 48%. Conforme a pessoa repete as jogadas, a chance de continuar acertando em metade das vezes diminui. Nosso levantamento mostrou a mesma coisa. Entre quem seguiu operando no day trade de dois a 50 dias, o total de pessoas que ganharam cai para 14%. Entre os que operaram de 51 a 100 dias, 10% ganharam; de 101 a 200 dias, 8% ganharam, até os com mais de 300 dias, com apenas 3% ganhando. É claramente como em uma roleta. O que os números mostram é isso: day trade é muito mais sorte do que técnica.

Na sua visão, por que o número de pessoas que perdem é tão alto?

Elas ficam olhando o movimento do Ibovespa minuto a minuto e chutando, a partir disso, se o preço vai subir ou descer. Não é uma informação muito rica, porque só mostra o que aconteceu no passado. Além disso, o pequeno investidor tem acesso às notícias e dados muito depois das grandes instituições. Elas usam o chamado HFT, “high-frequency trading” [negociação de alta frequência, em português], um computador muito rápido que fica comprando e vendendo ativos com base em milhares de variáveis. Os grandões têm seus computadores lá dentro da B3, eles pagam para isso, o que deixa a operação ainda mais rápida. Qual é o sentido de eu, na minha casa, acreditar que vou fazer um curso e ganhar deles? Porque um compra do outro, e um só ganha porque o outro perdeu. São os indivíduos de um lado e os computadores, o HST, do outro, tirando dinheiro dessas pessoas.

A pesquisa de vocês olhou para as operações feitas entre 2012 a 2017. Este foi um período muito ruim para a bolsa brasileira, de baixa. Fazer o mesmo levantamento nos anos mais recentes, em que a bolsa subiu com força, não levaria a números maiores de pessoas ganhando?

Não. O trader ganha tanto na alta quanto na baixa. A diferença é que, se ele acha que vai cair, ele vende primeiro e compra depois. Não importa se está subindo ou caindo, ele ganha com a variação. O que ele precisa é de volatilidade, e volatilidade não faltou nesses anos no Brasil.

Qual é o perfil dessas pessoas que perderam e que ganharam?

Nós pegamos todos os day traders que fizeram sua primeira operação com o minicontrato de índice em 2013, 2014 ou 2015. Foram 19.646 pessoas. E não é uma amostra, são todos. Destes, 1.551 seguiram operando diariamente, por mais de 300 pregões. É dentro destes 1.551 que 97% perderam, 3% ganharam e 2,6% ganharam menos do que 300 reais por dia. É uma renda menor do que um motorista de Uber ou do que um caixa de banco, de acordo com o sindicato deles. E eles já são os que se especializaram e que deveriam ir melhor. Na média, esses traders perderam 200 reais por dia. O cara que mais ganhou ganhou 1.000 reais por dia, em média. E com desvios enormes: em um dia ele ganhou 11.000 reais, no outro perdeu 10.000 reais, o que é bem diferente de ganhar 1.000 todos os dias. O que mais perdeu perdeu 13 mil reais por dia.

Se a possibilidade de ganhar é mínima e, quando ganha, os ganhos são pequenos, devo concluir do estudo que o day trading é uma atividade que não deve ser feita de maneira nenhuma, por ninguém?

A grande conclusão é que achar que dá para viver de day trade como a sua fonte de renda é uma viagem completa. Isso não existe, os únicos que estão ganhando dinheiro com isso são os que vendem curso. Mas isso não significa não fazer de jeito nenhum. Se você gosta de faer day trade porque se diverte, porque é uma maneira de acompanhar e aprender com o mercado, não tem problema, faça de vez em quando. É como um jogo, um lugar para apostar dinheiro. Você não vai viver de jogo. E, como em um jogo, tem que tomar cuidado para não viciar.

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