Como as eleições americanas podem afetar o mercado financeiro
Em disputa travada durante a pandemia, mercado teme que contagem de votos por correios estenda indefinição sobre resultado
Guilherme Guilherme
Publicado em 8 de outubro de 2020 às 06h00.
Última atualização em 8 de outubro de 2020 às 12h44.
A poucas semanas das eleições americanas , a corrida pela Casa Branca tem ganhado cada vez mais destaque nas mesas de operações do mercado financeiro mundial. E ainda que o candidato democrata Joe Biden apareça a frente do presidente republicano Donald Trump em pesquisas de intenção de voto, o único consenso entre os investidores é que o evento trará ainda mais volatilidade para os mercados.
“Devido à animosidade dos debates e do período de consolidação das novas propostas, o segundo semestre dos anos de eleição costuma apresentar maior volatilidade. Isso é visível no índice VIX (também conhecido como índice do medo). O mesmo vale para a volatilidade do Ibovespa, sinalizando que o mercado brasileiro não passa impune”, afirma Arthur Mota, economista da Exame Research, em relatório.
“O mercado não gosta de incerteza e, por consequência, de eleições”, define Paulo Henrique Duarte, diretor da Valor Investimentos. E essas, especificamente, trazem elementos únicos que devem aumentar ainda mais a insegurança dos investidores.
Contagem de votos
Realizada em meio à maior pandemia em um século, a expectativa é de que o número de votos por correios cresça mais de 200% em relação aos cerca de 20 milhões das eleições de 2016, o que pode atrasar a contagem de votos. “O mercado teme que se leve mais tempo para descobrir quem é o presidente e isso adiciona mais turbulência”, comenta Paulo Clini, diretor de investimentos da Western Asset.
Contestações
Atrás nas pesquisas eleitorais, Trump tem jogado dúvidas sobre a legitimidade dos votos por correio, que ele considera uma receita para fraudes. Por outro lado, Biden, que tem adotado uma postura mais cautelosa com relação aos riscos de contaminação da covid-19, tem incentivado seus eleitores a votarem por meio de correio. De acordo com pesquisa do Instituto Ipsos, 71% dos eleitores republicanos disseram que preferem o voto presencial, enquanto apenas 39% dos democratas preferem essa modalidade.
Um dos temores do mercado é de que, caso perca, Trump conteste o resultado das eleições, alegando fraude nos votos por correio. Recentemente, questionado se iria fazer a uma transferência de poder pacífica, se perder, o presidente americano apenas respondeu “Bom, vamos ver o que vai acontecer”. Em meio a esse contexto, grandes bancos de investimento, como JPMorgan e Citigroup, chegaram a afirmar que uma vitória esmagadora de Joe Biden poderia ser positiva para as bolsas de valores, tendo em vista que diminuíram as chances de o resultado ser contestado.
Mas, a contestação de resultados não é vista com maus olhos somente pelo mercado financeiro. Logo após a declaração de Trump, senadores do próprio partido do presidente reagiram de forma negativa, defendendo o sistema eleitoral americano. Líder dos republicanos nos Senado, Mitch McConnell, chegou a afirmar por meio do Twitter que a transição ocorrerá como todas as outras desde 1792.
Impostos
Um dos principais pontos de divergência entre democratas e republicanos, a política de impostos é a principal razão para a preferência do mercado financeiro por Trump. Isso porque entre os planos de Biden está a elevação dos impostos corporativos de 21% para 28%, sendo que nos primeiros anos do governo Trump essa mesma taxa foi rebaixada de 35% para 21%.
“Esses cortes de impostos tiveram efeito positivo sobre o mercado acionário e o mercado de crédito americano porque acabaram gerando um fluxo de caixa adicional para as empresas. A reversão de impostos pode ter uma repercussão mais séria sobre as bolsas americanas e, por consequência, nos mercados globais”, diz Clini.
Estímulos
Para tentar recuperar as intenções de voto, espera-se que Trump eleve o tom de seus discursos contra democratas, o que pode inviabilizar estímulos econômicos que vem sendo negociados com a presidente da Câmara e democrata, Nancy Pelosi. Nesta semana, o presidente americano chegou a ordenar que sua equipe interrompesse conversas sobre o tema com líderes do partido rival até as eleições. Embora tenha voltado atrás sobre a decisão horas depois, o mercado vê a possibilidade de, caso perca, os pacotes fiscais fiquem para o ano que vem, após a posse de Biden, em 20 de novembro.
“Se o Trump ganhar, talvez consiga destravar esse pacote mais rapidamente. Se for o Biden e demorar [para o resultado sair] talvez fique só para o ano que vem. Mas parece razoável trabalhar com a premissa de que algum pacote fiscal adicional virá. Se não for nas próximas semanas ou no próximo mês, ele virá no início do ano que vem”, afirma Clini.
A necessidade de novos estímulos também tem sido repetidamente alertada por membros do Federal Reserve (Fed). Nesta semana, o presidente do Fed voltou a falar que uma recuperação econômica “sólida” só poderá ser atingida com mais pacotes fiscais. Para a mais gestora da Europa, a Amundi, com Biden na Casa Branca, os gastos do governo devem ter um aumento significativo. As consequências de curto prazo, nesse cenário, poderiam ser positivas para a economia americana, mas com risco de alta da inflação e, consequentemente, elevação das taxas de juros, afirmam em relatório.
Senado
Ainda que as maiores atenções estejam voltadas para as eleições presidenciais, as disputas pelo Senado, atualmente republicano, e pela Câmara, democrata, também deve ter grande impacto sobre o mercado financeiro. Mas, como a permanência da maioria democrata na Câmara é tida como praticamente certa, a briga pelo Senado ganha ainda mais relevância. Para Clini, o resultado de quem ficará com o Senado pode ter consequências até mais sérias que a eleição presidencial.
“Se tiver controle total das casas por um único partido que também controla a presidência seria mais fácil para qualquer um dos candidatos implementar a plataforma deles em sua totalidade, o que possibilitaria a aprovação de medidas mais radicais.”
Nos cenários traçados pela Amundi, a total tomada dos poderes pelos democratas provocaria os mais negativos efeitos sobre o mercado acionário, embora alguns setores pudessem se beneficiar. Entre eles, estariam os de energia renovável e de infraestrutura.