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Gustavo Franco: 'O choque externo'

Os maiores preços para as commodities vão impactar a inflação ao produtor e os custos das empresas, isso sem falar no assunto politicamente delicado dos derivados do petróleo

Prédios destruídos por ataques da Rússia na cidade de Borodianka, a noroeste de Kiev, na Ucrânia (Sergei SUPINSKY/AFP)

Prédios destruídos por ataques da Rússia na cidade de Borodianka, a noroeste de Kiev, na Ucrânia (Sergei SUPINSKY/AFP)

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Da Redação

Publicado em 5 de abril de 2022 às 15h14.

Última atualização em 5 de abril de 2022 às 15h56.

Por Gustavo Franco*

Em matéria fiscal, estamos no topo do ciclo político. A eleição se aproxima, os mandatos vão se esgotando e, como é de praxe, as autoridades, nos três níveis, fazem o que podem para exibir mais realizações, quase todas tendo que ver com mais despesa. Mas como há muitos limites para a criação de novos gastos, o governo trabalha intensamente com adiantamentos e antecipações e com metas que nem sempre é capaz de cumprir. É uma temporada das promessas e dos sonhos que parece se iniciar.

Muitas ideias novas têm sido aventadas e um “pacote de bondades” foi apresentado, ainda que possa ser complementado. Por enquanto, já se anunciou o adiantamento do 13º salário de aposentados, resgate de saldos do FGTS e novos programas de crédito. O pacote está bem longe de ser transformacional. Ainda assim, permanece certo temor em relação ao descontrole fiscal, um temor já habitual, pois, afinal, o patamar de dívida pública em que o Brasil se encontra não permite muito conforto.

Mas os assuntos mais discutidos no mês foram outros.

O grande tema do mês foi, sem dúvida, a guerra na Ucrânia e seus impactos. Foi uma péssima notícia para quem esperava os efeitos econômicos da conversão da pandemia em endemia e uma evolução positiva e consistente dos indicadores de atividade. O presidente já se preparava para declarar encerrada a pandemia, mesmo sem tanta clareza sobre o exato significado desse movimento, mas teve que esperar.

No primeiro momento, a guerra parecia um “choque adverso”, como foram os do petróleo na segunda metade dos anos 1970, que fizerem história. Mas o país é bem diferente, bem como a situação.

O efeito líquido da guerra na Ucrânia sobre os termos de troca do país pode mesmo ser positivo, tendo em vista o impulso que promoveu em diversas commodities que o Brasil exporta. Tanto a Ucrânia como a própria Rússia são grandes produtores de commodities agrícolas, e sua ausência desses mercados beneficiará seus concorrentes, como o Brasil.

Além disso, o Brasil é produtor e exportador de certo tipo de petróleo, ainda que permaneça importador de outro tipo de petróleo. É bem diferente do que tínhamos em 1973, especialmente no terreno do comércio exterior.

O impacto da guerra sobre a balança comercial brasileira também é indefinido, talvez mesmo positivo. Essa percepção se firma logo nas primeiras semanas da guerra, o que tem lá o seu efeito sobre a taxa de câmbio, pois o real se fortalece, e se firma, em patamar abaixo de R$ 5. Talvez tenha havido um selloff exagerado do real e dos ativos brasileiros em 2020-2021, o que poderia contribuir para explicar, junto com a elevação dos juros, as entradas de capital e o fortalecimento do real neste momento, com todas as incertezas que estão no ar.

Parece haver pouca dúvida, por outro lado, que o efeito da guerra é inflacionário. Ainda que o balanço de pagamentos brasileiro não se abale, os maiores preços para as commodities vão impactar os preços ao produtor e os custos das empresas, isso sem falar no assunto sempre politicamente delicado dos preços dos derivados do petróleo. Na verdade, é esse o tópico que concentra o interesse dos políticos, embora as atenções se desviam para a Petrobras e não tanto para a inflação.

O governo tenta encontrar fórmulas de aliviar os impactos da guerra, ou do aumento na cotação do petróleo sobre os preços em reais de seus derivados, mas empaca nas velhas pendengas sobre a política de preços da Petrobras. Não há muito como desviar da regra pela qual os derivados acompanhem os preços internacionais; não é um assunto popular, nem intuitivo, mas é daquelas regras da economia que os políticos fazem bem em respeitar porque as alternativas são sempre péssimas, conforme amplamente demonstrado pela experiência.

É claro que, no papel, a ideia de um imposto regulatório pode funcionar, assim como uma alocação orçamentária, ou várias, para públicos vulneráveis atingidos mais frontalmente pelo petróleo mais caro. Mas quase todas essas possibilidades já foram tentadas no passado, com destaque para a Cide, que acabou descaracterizada. Nenhum governante quer ficar inerte diante de um choque do petróleo, mas talvez o melhor curso de ação seja esbravejar, sem fazer nada muito polêmico.

Uma vez mais, todavia, o governo quis inovar nesse assunto e se frustrou. Mas foi bem antes da guerra na Ucrânia, quando o presidente da companhia, general Silva e Luna, veio para substituir Roberto Castello Branco em uma crise anterior, também relacionada a preços de derivados.

Para o bem da empresa, todavia, o general Silva e Luna não introduziu as modificações que o presidente esperava nas políticas de preço da companhia e acabou demitido pelos mesmos motivos que abateram o seu antecessor.

É provável que o desejo do presidente seja mesmo um conjunto vazio. É provável que Adriano Pires, um reconhecido especialista em assuntos de energia e o nome inicialmente escolhido para comandar a Petrobras, tampouco fosse capaz de entregar o que o presidente pretende. Antes disso, porém, o próprio Adriano desistiu do desafio, alegadamente em razão do destino a ser dado à sua empresa de consultoria.

O episódio mais notável de fórmula mágica fracassada nesse assunto foi o da Nova Matriz Econômica, de triste memória. Não se imagina que Jair Bolsonaro venha a cometer exatamente esses mesmos erros. Mas não dá excluir essa possibilidade.

O novo presidente da Petrobras tem diante de si um desafio muito sério, pois o assunto não é apenas uma idiossincrasia de Bolsonaro. Na verdade, foi uma surpresa reveladora que a fala do ex-presidente Lula, extensamente divulgada em inserções televisivas no âmbito da propaganda partidária, tenha trazido a proposta de “abrasileirar os preços dos combustíveis”, e a partir das exatas justificativas da Nova Matriz.

Para quem esperava que a “velha guarda” dos economistas do PT estivesse afastada das definições de diretrizes econômicas da campanha de Lula, isso não foi uma boa notícia: depois de um longo silêncio, e com palavras cuidadosamente escolhidas, Lula emitiu suas primeiras mensagens sobre a economia tratando exatamente de preços de combustíveis, e do jeito errado, com todo o sotaque da Nova Matriz. É claro que pode voltar atrás, vamos aguardar os próximos movimentos, mas foi um péssimo começo.

Só há uma certeza, a de que a campanha presidencial, que apenas ensaia seus primeiros movimentos mais significativos, ainda nos reserva muitas reviravoltas.

*Gustavo Franco é sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos e ex-presidente do Banco Central do Brasil. Este artigo faz parte da Carta Estratégias de abril, relatório mensal distribuído pela Rio Bravo a seus clientes e reproduzido com exclusividade pela EXAME Invest.

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