Felippe Percigo: no blockchain, tokens ganham 'alma' e não podem ser transferidos; entenda
Novo projeto do criador da rede Ethereum vem acompanhado de tokens não fungíveis que também não podem ser transferidos nem tem valor financeiro. Entenda para que eles servem
Da Redação
Publicado em 8 de outubro de 2022 às 15h18.
Por Felippe Percigo*
Vitalik Buterin, o fundador da Ethereum, é um grande provocador. Gostem da rede ou não, o fato é que o programador se destaca como um dos grandes pensadores de cripto e blockchain e, com suas ideias, vive inflamando a comunidade. De quebra, ele ainda virou o menino dos olhos da mídia dedicada ao setor.
Em maio deste ano, junto com dois companheiros, a advogada Puja Ohlhaver e o economista Eric Glen Weyl, criou o conceito de sociedade descentralizada (DeSoc) e introduziu um novo token da categoria não fungível projetado para ser um dos motores da estrutura organizacional. Essa espécie de NFT de nova geração, “2.0” ou seja lá como podemos classificá-la foi batizada de SoulBound Token (SBT).
Os NFTs nasceram JPEGs, mas evoluíram (mesmo os JPEGs) a uma infinidade de casos de uso, desde a já popular finalidade artística até setores como imóveis e logística. Por isso, existem também muitas interpretações deles, como os NFTs fracionados, semi-fungíveis e o mais novo do pedaço, o SoulBound token (SBT) ou NTT (Non-Transferable Token).
O SBT é do tipo permanente e intransferível. Isso quer dizer que, depois de cunhado, não pode ser negociado ou retirado da sua carteira. Ele não tem valor financeiro como os Bored Apes ou os terrenos da Decentraland, por exemplo. Mas, então, para que serviriam esses tokens?
Já sabemos que os NFTs representam ativos e propriedades. Já este novo caso específico de token não fungível, por sua vez, foi criado para representar a identidade do usuário na Web3, as credenciais de uma pessoa ou entidade por meio da tecnologia blockchain. A proposta é que o SBT alimente mecanismos específicos que ajudem os usuários a construir uma rede de confiança como no mundo real.
Essa identidade pode estar ligada não apenas a nome, data do aniversário, endereço, mas também a registros médicos individuais, certificados acadêmicos, histórico de trabalho, etc. Funcionaria como uma documentação da era da Web3.
Mas não para por aí. Já existem conceituações de outros casos de usos. Abaixo, vou apresentar os mais discutidos até agora. Antes, vamos entender como funciona o SBT.
Cada carteira cripto é descrita como uma “Soul”, onde são armazenados os SBTs. Os usuários podem ter “Souls” específicas para diferentes informações de sua vida.
Como são de natureza pública, os SoulBound tokens ficam visíveis e podem ser acessados por qualquer pessoa por propósitos diversos. Por exemplo, se você está procurando um emprego, recrutadores podem dar uma olhada na sua Soul Wallet para checar o seu status de graduação ou suas certificações.
Empresas e organizações também podem funcionar como Souls. Vamos supor que você estude em Stanford. Na DeSoc imaginada por Buterin e seus colegas, a forma de você provar que cursa a conceituada universidade americana é a seguinte: a “Soul” da universidade terá que conceder à sua “Soul” um certificado no formato SBT para que, aí sim, você seja considerado de fato um aluno. Desta forma, fica praticamente impossível alguém falsificar credenciais.
Casos de uso:
1) Identidade
Como falamos, o SBT visa facilitar a identificação de indivíduos e entidades na web. Cada carteira cripto armazena os dados do dono, suas credenciais, certificados, registros, entre outras informações, na forma de SBTs. Elas podem ser acessadas rápida e facilmente.
2) Empréstimos DeFi
Por conta dos riscos no mercado cripto, os empréstimos são condicionados a colaterais que podem ultrapassar os 100%, ou seja, são geralmente super-colateralizados.
A função do SBT aqui seria facilitar os empréstimos através da redução ou mesmo ausência de garantias, um grande desafio para o sistema DeFi atual.
Os credores teriam acesso a informações financeiras comprovadas - na forma de SBTs - dos candidatos a mutuários, que idealmente poderiam usar sua boa reputação na rede como garantia.
3) Arte
Os NFTs viraram estrelas da blockchain. Muitos itens ligados à arte chegam a custar milhares ou até milhões de dólares, como obras do artista Beeple e JPEGs do projeto Azuki ou Moonbirds.
Ainda existem, no entanto, muitas questões em torno do tema, especialmente quando se trata de direitos autorais. Por serem originalmente intransferíveis, os SoulBound Tokens, segundo Vitalik, seriam uma solução para problemas envolvendo o direito de propriedade artística.
4) Distribuição de SBTs ou Souldrops
Os Souldrops, ou airdrops de SBT, acontecem quando os tokens são distribuídos para grupos específicos de detentores elegíveis, “baseados em cálculos sobre SBTs e outros tokens com uma Soul”, como diz o whitepaper do projeto (“Decentralized Society: Finding Web3's Soul”).
Por exemplo: voltando à universidade. Quando alguém se forma, recebe o certificado de conclusão. Neste caso, a faculdade é a Soul que concede os SBTs validando a conclusão e os alunos são as Souls que recebem esses tokens no Souldrop.
5) DAO
Uma DAO (organização autônoma descentralizada) é uma estrutura social baseada em blockchain que aposta no poder da comunidade. Apesar da descentralização, algumas dessas organizações possuem membros que concentram uma grande quantidade de tokens de governança. Isso pode abrir espaço para um ataque Sybil ou, no mínimo, criar uma desigualdade que afete o crescimento futuro do protocolo.
Com os SBTs, o poder de voto pode ser concedido em um modelo diferente de governança, com base no engajamento do usuário dentro da comunidade. Isso significa que se priorizaria a reputação do participante e não o número de tokens sob posse.
Bom, essas são apenas algumas das aplicações possíveis. Mas já fica claro que a nova ferramenta do mundo descentralizado tem potencial para cobrir um sem-número de funcionalidades.
Por mais estranho que possa parecer, o que falamos aqui não passa de um early-stage do projeto. Ele permanece na esfera teórica. A previsão é de que algumas experiências práticas sejam feitas ainda este ano, mas para 2023 os criadores planejam novos e robustos capítulos.
*Felippe Percigo é um investidor especializado na área de criptoativos, professor de MBA em Finanças Digitais e educa diariamente, por meio da sua plataforma e redes sociais, mais de 100.000 pessoas a investirem no universo cripto com segurança.
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