Ethereum aumenta concentração, desvaloriza e mostra lado deflacionário um mês após 'The Merge'
Para analistas, mudanças tendem a beneficiar blockchain no longo prazo, com potencial de novas alterações no futuro
João Pedro Malar
Publicado em 16 de outubro de 2022 às 08h08.
A rede Ethereum completa neste sábado, 15, um mês desde o “The Merge”, sua atualização mais relevante até agora. Passadas algumas semanas da mudança, analistas já apontam um ambiente com concentração de poder maior, mas uma redução drástica no uso de energia pelo blockchain e os primeiros sinais de deflação na sua criptomoeda nativa, o ether - o que pode ter impacto significativo no preço do ativo no futuro.
Além de ser a "casa" da segunda maior criptomoeda do mundo, a rede Ethereum se tornou uma referência no mercado como base para a criação de uma série de projetos que usam a tecnologia blockchain. Isso dá à rede um caráter central no universo cripto, e também indica a importância de qualquer alteração.
E o “The Merge” não foi uma transformação pequena. Ele envolveu a mudança na chamada prova de consenso da rede, a forma como as transações executadas na rede são validadas. No caso da Ethereum, o mecanismo foi mudado da prova de trabalho (proof-of-work) para a prova de participação (proof-of-stake).
Uso de energia pela Ethereum
No mecanismo antigo da Ethereum, que era o mesmo da rede Bitcoin, a validação envolvia a chamada mineração, em que computadores competem entre si para resolver problemas matemáticos complexos e o vencedor é recompensado. Conforme a competição e a complexidade dos problemas aumentam, cresce a necessidade de uso de máquinas muito potentes, o que invariavelmente promove um maior consumo energético.
Já no novo sistema adotado pela rede, a prova de participação, o usuário que quer se tornar um validador precisa apenas depositar uma determinada quantia de ether na rede, e então pode ser sorteado para verificar uma transação a partir de um problema matemático mais simples. Ele também é recompensado caso seja o escolhido para a verificação.
Desde que foi implementada, a mudança resultou em uma queda de cerca de 99% do consumo de energia ligado à rede Ethereum, segundo o analista da gestora Hashdex, Lucas Santana.
“O ‘The Merge’ foi a conclusão de uma atualização que vinha sendo planejada há sete anos, desde o início da Ethereum, tentando tornar a provisão de segurança muito mais simples do que era. Agora, não precisa resolver problemas complexos, o que substitui o emprego computacional e energético demandado”, explicou.
Em seu lugar, Santana afirma que há agora um “emprego de capital”, a garantia para mostrar que o usuário “vai atuar em prol da rede, se não o protocolo subtrai parte desse capital porque está todo mundo sempre se observando, é um blockchain público, aberto”.
Para Luiz Pedro Andrade, analista de criptoativos da Nord Research, a mudança trouxe uma “vantagem imagética” para a Ethereum. “Uma das principais discussões sobre cripto é sobre o de gasto energético e como isso afeta o planeta. É algo que vai na contramão do que os criptoativos se propõem a ser, uma solução para o futuro”.
Agora, o proof-of-stake vai “na contramão” de outras grandes criptomoedas que usam a prova de trabalho, caso do bitcoin, e que são criticadas pelo alto gasto energético, associado a danos ambientes pelo uso de fontes poluentes. “É uma melhora muito grande para a imagem e para sua sustentabilidade”, ressalta o analista.
Concentração na Ethereum
Mas nem tudo são flores para a Ethereum. Desde a mudança de modelo, a rede tem sido bastante criticada por investidores, que apontam uma alta concentração de validações em poucos agentes, em especial corretoras de criptomoedas e outros protocolos de blockchain.
Santana, da Hashdex, aponta que atualmente quatro agentes do setor concentram pouco mais de 50% de todo o ether depositado para participar das validações.
“Existe hoje essa concentração grande, e isso é motivo de crítica, porque esses players poderiam agir maliciosamente em teoria”, explica o analista. Entretanto, ele acredita que é do interesse desses agentes realizar ações em prol da Ethereum já que são remunerados em ether e, portanto, buscarão ajudar na valorização do ativo.
“Se usassem esse poder para atacar a rede, o que poderiam fazer, seria um tiro no pé. A rede seria percebida como menos segura e o valor que eles depositaram como garantia também cairia. Não existe um incentivo grande por parte deles para querer atacar a rede”, afirma Santana.
Ele observa que ainda não houve permissão para que os usuários saquem os ethers que depositaram para atuarem como validadores, algo que deve ocorrer em março ou setembro de 2023.
Nesse cenário, ele projeta uma flexibilidade maior dos usuários, que poderão migrar de redes de validadores dependendo do grau de complexidade na validação em cada uma, o que pode “dissipar essa concentração”. Além disso, ele acredita que ”muito mais gente vai querer começar a fazer validação, a distribuição já pode começar a ficar menos concentrada”.
Já Andrade, da Nord, ressalta que preocupações com a possibilidade de concentração maior na Ethereum surgiram desde os primeiros anúncios sobre a prova de participação, e significa na prática que “quem tem mais dinheiro tem parcela e prioridade maior na validação”.
A rede tentou mitigar essa possibilidade estabelecendo uma quantidade máxima de ether que pode ser depositado por nó da rede, mas isso não foi suficiente, com corretoras e outros agentes criando formas de depositar a criptomoeda neles para entrar nas validações.
“Na prática, pode criar pontos de falha muito grandes. Se uma dessas corretoras tem 20%, 30% de toda a validação, mas tem um problema em que eles conseguem reverter ou travar transações, até aceitar transações maliciosa se torna mais possível”, ressalta o analista.
Para ele, não há como ter certeza ainda se essa concentração da Ethereum mudará ou não no futuro, mas ele espera que ela se dilua, em um processo semelhante ao que ocorreu com os mineradores do bitcoin.
Deflacionário?
Outro ponto que era esperado pelo mercado se concretizou na semana passada: uma facilidade maior para que o ether seja um ativo deflacionário. O termo é usado no mercado para se referir a um funcionamento do blockchain que leva a reduções na oferta da criptomoeda. Ou seja, que a queima ou destruição de tokens supere o número de novos tokens emitidos.
No caso da Ethereum, houve duas mudanças importantes, segundo Luiz Andrade. A primeira é que a chamada “taxa de queima” de ethers da rede aumenta conforme a demanda por validações, ou seja, quanto mais a rede for utilizada, mais tokens serão tirados de circulação. A segunda é que o novo mecanismo de consenso, com recompensa menor, desestimulou o processo de criação de novos ethers, reduzindo a quantidade de novos tokens que são gerados todos os dias.
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Com isso, dependendo da demanda na rede, a taxa de emissão de ether na rede Ethereum pode ficar menor que a taxa de queima do ativo. “O ether se torna um ativo potencialmente mais escasso, em especial no longo prazo, dependendo da demanda continuar ou subir. É uma dinâmica que dá mais potencial para ele se apreciar”, disse o analista.
“Em pontos de alta demanda na rede, de uso ao mesmo tempo acima da média, a tendência é que seja deflacionário nesse período de tempo, é algo dinâmico”, ressalta.
A emissão diária de ethers na Ethereum caiu de uma média de 13 mil pré-"The Merge" para 1,7 mil, segundo Lucas Santana, um recuo de quase 90%.
“O ether sempre tinha sido inflacionário, ia aumentando a quantidade em circulação, mas desde agosto de 2021, um pedaço das taxas era queimado, em ether. Ele já teve alguns períodos deflacionários, em que o número caiu, mas era mais difícil antes da migração porque a quantidade diária sendo emitida era muito maior”, explica o analista.
Cotação do ether
Desde o “The Merge”, a cotação do ether não tem dado sinais muito positivos. Entre 15 de setembro e 14 de outubro, caiu cerca de 17% em relação ao dólar, segundo o site CoinGecko. Em setembro, chegou a ser uma das criptomoedas com maior desvalorização.
Luiz Andrade considera que a queda está ligado a um hábito comum no mercado de criptomoedas: “comprar no boato e vender no fato”. “O evento ajudou a criptomoeda da Ethereum a subir pela expectativa, mas depois que ocorreu muita gente vendeu tendo perspectiva de curto prazo em mente”.
“Teve a questão de centralização, que levantou preocupações com a saúde da rede e o quanto a atualização seria positiva ou não para a rede. Nisso, se juntou um momento de mercado ruim para os criptoativos como um todo”, explica o analista da Nord.
Mesmo assim, ele acredita que o “The Merge” é mais positivo do que negativo para a Ethereum. “É uma atualização fundamental para que outras ocorram, muita coisa vai acontecer ainda, vai abordar questões como escalabilidade, capacidade de processar mais transações por segundo”.
“No médio e longo prazo, o ether se torna interessante por ser um ativo cada vez mais escasso com tendência de usabilidade da rede maior. Pensando nisso, e com perspectiva de melhorias, tenho uma visão mais positiva para horizontes mais longos”, ressalta.
Santana, da Hashdex, também tem um horizonte positivo para a criptomoeda, destacando que o caráter deflacionário “no médio representa um choque de oferta, e se no futuro a demanda se mantém e a oferta é 90% menor, a tendência natural é de impactar o preço, valorizar”.
“O mercado está vendo redução de emissão, a Ethereum está sendo deflacionária. Nenhuma mudança é perfeita, mas ela foi super importante para o setor, e no médio e longo prazo, esses momentos de baixo preço parecem ser temporários”, pontua.
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