China: yuan digital tem 'concorrência' de meios de pagamento populares, como Alipay e WeChat Pay (Chan Long Hei/Bloomberg/Getty Images)
Gabriel Rubinsteinn
Publicado em 21 de outubro de 2020 às 18h24.
Última atualização em 21 de outubro de 2020 às 20h15.
Terminou no domingo, 18, o programa piloto do governo chinês para a distribuição do novo yuan digital — a criptomoeda emitida pelo Banco Popular da China, o banco central chinês. O teste foi finalizado com elogios dos analistas financeiros e desconfiança de parte dos usuários.
Segundo o jornal South China Morning Post, 47.000 pessoas utilizaram pouco mais de 1 milhão de dólares na nova stablecoin que está sendo desenvolvida pelo governo da segunda maior economia do mundo. Trata-se da primeira CBDC de uma potência econômica global a ser colocada em prática. A sigla se refere às moedas digitais criadas por bancos centrais, daí o nome Central Bank Digital Currencies (CBDC).
Ao todo, o governo chinês distribuiu 8,4 milhões de reais para 50.000 cidadãos da cidade de Shenzhen, que foram escolhidos por meio de sorteio — cada um recebeu 200 yuans, ou cerca de 166 reais.
Cada um dos selecionados recebeu o valor em uma wallet exclusiva, acessível pelo aplicativo oficial e sem a necessidade de uso de contas bancárias.
Para utilizar os valores recebidos, os chineses sorteados poderão comprar bens e serviços utilizando seus smartphones como meio de pagamento.
No período de testes, que durou uma semana, mais de 3.000 lojistas de Shenzhen se credenciaram para receber pagamentos com o yuan digital, de marcas famosas como Dolce & Gabbana até lojas de conveniência. Para receber, os lojistas deveriam usar um dispositivo específico para escanear um código QR emitido pelo app oficial no smartphone dos consumidores.
Este foi o maior teste até agora para a CBDC chinesa, mas, apesar dos elogios de analistas e especialistas em criptomoedas, parte dos usuários disse preferir os sistemas de pagamento privados mais populares do país, como Alipay e WeChat Pay.
Em entrevista à Reuters, Raymond Yeung, economista-chefe do Australia and New Zealand Banking Group (ANZ), falou sobre a "concorrência" da CBDC chinês com outros sistemas já muito populares no país: "É tudo uma questão de incentivos e de qual 'fornecedor' dá mais razões para ser escolhido".
Uma lojista que preferiu não se identificar — deu apenas o sobrenome Zhong — citou o fato de as pessoas já estarem habituadas com outras plataformas:
"O Alipay e o WeChat Pay estão aí há muito tempo. A nova moeda digital é um sistema muito parecido, então me parece um pouco tarde para começar a fazer testes", disse.
O lançamento da moeda digital da segunda maior economia do mundo também causa preocupação nos Estados Unidos, que temem que o yuan digital, se adotado internacionalmente, poderá minar a dominância do dólar americano como método principal de pagamentos no mundo.
Yeung minimizou este risco, dizendo que "o yuan digital deve ter maior efeito no mercado doméstico chinês, e permitirá às autoridades monitorar mais de perto a circulação de dinheiro no país, prevenindo fraudes, como a lavagem de dinheiro".
Até agora, o governo chinês não se manifestou publicamente sobre sua avaliação do período de teste com o yuan digital, tampouco confirmou quanto do valor total distribuído no sorteio já foi utilizado nas lojas credenciadas.
As Central Bank Digital Currencies (Moedas Digitais de Bancos Centrais), ou simplesmente CBDCs, são uma das principais novidades no ecossistema das criptomoedas atualmente.
A ideia é que bancos centrais desenvolvam versões digitais de sua moeda, como forma de ter mais controle e eficiência nos sistemas de pagamentos.
Com os testes e possível lançamento do yuan digital, a China se posiciona na vanguarda desta tecnologia — antes, apenas economias menores como Suécia e Venezuela divulgaram iniciativas neste sentido, mas nenhuma com a magnitude do que está sendo feito no país asiático.
Lá, não se trata de um projeto localizado ou para uso específico, e sim uma forma de criar um novo sistema de pagamento, substituindo a moeda de papel pelo digital. Na China, aliás, isso já vinha acontecendo há algum tempo, com a adoção massiva dos meios de pagamento digitais como Alipay e WeChat Pay.
No Brasil, além do lançamento do Pix, que pode acabar com as operações de TED e DOC e ajudar a resolver os problemas causados pela desbancarização de boa parte da população, além de tornar as operações financeiras mais rápidas, eficientes e seguras, o uso de uma CBDC — um “real digital” — também já é discutido pelo governo.
Em agosto, o Banco Central do Brasil anunciou planos para estudar uma moeda digital nacional, mas não mencionou nenhum tipo de prazo para isso.
Mais tarde, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, afirmou que é possível que isso aconteça relativamente cedo: “Deve-se ter um sistema de pagamentos eficiente e que seja interoperacional, um sistema aberto no qual exista competição e precise de uma moeda que tenha credibilidade e seja conversível e internacional”, disse à Bloomberg, citando o ano de 2022 como uma possibilidade para o lançamento do projeto.