Dia da Mulher: O número ainda está longe do ideal, mas evidencia a preocupação de clubes, empresas e entidades com a diversidade (Cesar Creco/Palmeiras/Divulgação)
Redação Exame
Publicado em 7 de março de 2023 às 16h30.
As mulheres começam a ocupar um espaço importante em cargos de liderança no esporte. O número ainda está longe do ideal, mas evidencia a preocupação de clubes, empresas e entidades com a diversidade e em dividir funções tão importantes de maneira igualitária, como deve ser.
No Brasil, o nome mais emblemático é de Leila Pereira, eleita presidente do Palmeiras há pouco mais de um ano. Ela é a primeira mulher a ocupar este cargo em toda a história do clube.
Finalista do Campeonato Brasileiro feminino do ano passado, o Sport Club Internacional tem Liana Bazanela como diretora executiva de marketing - também a primeira a ocupar essa função no clube gaúcho. Com mais de 10 anos de experiência como executiva em agências de publicidade, foi presidente da Associação Rio-grandense de Propaganda (ARP) – a única mulher nos mais de 70 anos da entidade. Ela mesmo considera que a presença de mulheres no segmento do futebol ainda é pouco representativa, mas enxerga crescimento.
"Estamos evoluindo em campo com as jogadoras, com a presença das torcedoras nos jogos e até mesmo com marcas patrocinadoras, que começaram a perceber que o futebol feminino é uma oportunidade não só de buscar audiência, como também gerar empatia e engajamento", aponta ela.
Por outro lado, Bazanela entende que a cultura e a percepção da participação das mulheres na liderança dos clubes precisa mudar. "Se a gente quer evoluir e acelerar a equidade de gênero no futebol, as mulheres precisam estar onde as decisões estão sendo tomadas. E o caminho mais estratégico para isso é aumentar o numero de mulheres nos quadros sociais dos clubes. Hoje, o Inter tem mais de 24 mil sócias e acreditamos que é com participação ativa que vamos construir a história para as novas gerações", analisa.
Do outro lado do país, no Nordeste, o exemplo vem do Sport Recife. Pós-graduada pela Escola Superior de Marketing de Pernambuco e curso de extensão de marketing pela Boston University, Roberta Negrini é desde meados de 2021 a vice-presidente de Inclusão e Diversidade. Com uma missão inédita no clube, ela assumiu a função com o desafio de dialogar e incluir diversidade dentro dos temas e projetos desenvolvidos pelo clube.
"Esse tema ainda é bastante controverso, principalmente quando falamos de futebol, entidades em geral e até mesmo em empresas. Apesar dos avanços, ainda vemos pouca representatividade feminina nesses ambientes. A própria ONU mulheres vem fazendo um trabalho neste sentido. Mas não podemos negar que, cada vez mais, o ambienge esportivo está buscando esse equilíbrio. Eu mesma sou uma prova disso. Temos evoluído no sentido de inserir algumas pautas como mo combate à violência contra a mulher e meninas, alteração do contrato de trabalho dos jogadores com inclusão das cláusulas antiracistas e homofóbicas, instalação de um painel gigante com um manifesto à diversidade, além de venda de camisasdo orgulho LGBTQIA+. Vejo como uma semente plantada que não tem mais volta", explica.
Também no Nordeste do país, o Fortaleza conta com alguns profissionais de peso em áreas específicas. São os casos de Fabíola Guedes (Gerente Jurídica), Manu Melo (Gerente Financeira), Lara Carvalho (Sec. da Presidência), Bruna Vasconcelos (Nutricionista do Futebol Profissional) e Nara Alciane (Chefe de RH).
"Atualmente, no futebol, acredito que seja algo que já vem mudando, apesar de ser pequeno o número de mulheres. Vejo, em vários clubes, inclusive aqui do Fortaleza, mulheres na gestão, na comissão, muitas mulheres na arquibancada, até mesmo na arbitragem. Então é um uma pauta que tem que ser levantada pra gente ir conquistando nosso espaço nesse meio também", afirma Bruna Vasconcelos, nutricionista do futebol profissional do Fortaleza.
No Cuiabá, Joice Lemes Bittencourt começou na área de Recursos Humanos e hoje ocupa o cargo de Diretora Administrativa. Há dois anos no Dourado, ela ressalta a importância da presença de mulheres em altos cargos no futebol para desconstruir o machismo.
“A partir do momento que há uma mulher em um cargo de liderança, você consegue mostrar para as outras que isso é possível de acontecer. Sempre gostei de trabalhar com pessoas e sempre tive muita facilidade em liderar. Então, no meu contexto, as coisas simplesmente aconteceram. Há cinco anos eu não me via na diretoria de um clube de futebol e só tenho a agradecer ao clube, que me permitiu as oportunidades de crescer”, afirma Bittencourt.
Outro clube preocupado com esta representatividade é o Juventude, uma vez que 40% dos gestores são mulheres no clube. “O processo de desconstrução de um ambiente de futebol machista é uma mudança cultural que requer tempo. Cada mulher que atua dentro do contexto esportivo, seja em cargos de gestão, operação ou mesmo atletas, tem a responsabilidade de manter essa pauta sempre presente. Entretanto, esse dever não se resume às mulheres, mas também deve estar na pauta dos homens, que ainda são a maioria enquanto personagens do mundo do futebol”, conclui Madeline Juber, coordenadora do Departamento de Marketing do Juventude.
Outro exemplo deste empoderamento é Aline Pelegrino. Tudo começou na Federação Paulista de Futebol, quando em 2016 assumiu o posto de diretora de futebol feminino. Entre os principais objetivos, adotou projetos com base em gestão voltada ao incentivo ao trabalho de base na entidade junto aos clubes.
Ex-jogadora da seleção brasileira, em 2020 ela deu mais um salto e foi convidada pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para ser a coordenadora de seleções feminina, e logo depois, anunciada como gerente de competições femininas e masculinas da CBF. A convite do presidente Ednaldo Rodrigues, é ela quem comanda toda a logística das séries C e D do Brasileiro masculino e a da divisão principal do Campeonato Brasileiro feminino.
"Isso passa muito por esse momento das mulheres ocupando os espaços e a mulher no futebol. Não tem futebol dos homens ou das mulheres, tem pessoas competentes para estar à frente do futebol. Vou seguir trabalhando com as competições do futebol feminino e vou estar olhando de forma mais macro com as competições masculinas", disse Pelegrino, na ocasião.
Além do futebol, outras modalidades também têm colocado o empoderamento feminino em pauta. O Comitê Olímpico do Brasil (COB), seguindo as diretrizes do Comitê Olímpico Internacional (COI), tem realizado uma série de ações sobre o tema, como a criação da Comissão Mulher no Esporte, cursos de capacitação e investimento na área da saúde feminina. Os resultados de tais medidas têm sido notados nas competições: nos campeonatos mundiais de 2022, das 23 medalhas conquistadas pelo Brasil em provas olímpicas, 12 foram alcançadas por mulheres, que também ganharam cinco das sete medalhas de ouro obtidas pelo país nesse período.
“Essa questão está sendo levantada, diagnosticada e fortalecida pelo Comitê Olímpico Internacional, que sugere uma participação de pelo menos 30% de mulheres nos colegiados consultivos e deliberativos das entidades esportivas, além de estimular uma maior participação feminina em todos os segmentos. Nós, do COB, também temos atuado fortemente nisso. O maior desafio ainda tem sido aumentar a presença das mulheres em papéis de liderança, como chefes de missão e treinadoras de alto rendimento. Acredito que está acontecendo uma mudança sim, que não é rápida, e levará um tempo para atingirmos a igualdade, mas estamos no caminho”, observa Isabel Swan, coordenadora da área mulher no esporte do COB.
Na Federação Internacional de Automobilismo (FIA), a brasileira Fabiana Ecclestone foi eleita, em dezembro de 2021, como vice-presidente da FIA na América do Sul. Com larga experiência no automobilismo, ela cuidou por 25 anos de toda a organização do GP do Brasil de Fórmula 1, e também ocupou funções na Comissão de Recordes e de Mulheres, além de cuidar do Clube da Mobilidade, todos da FIA.
Na última semana, a própria FIA deu mais um passo neste crescimento da mulheres em cargos de liderança e anunciou Natalie Robyn como a mais nova CEO (Chief Executive Officer). Os convites partiram de Mohammed Ben Sulayem, presidente da FIA que enxergava muito conservadorismo dentro da entidade.
De acordo com o Laboratório do Futuro da UFRJ, no ritmo atual, a igualdade de gênero no Brasil só deve ser atingida em 135,6 anos. Isso mostra que precisamos promover e falar mais sobre iniciativas voltadas para equidade de gênero.
Já levantamento do Empregos.com.br, que ouviu 610 profissionais do gênero feminino, identificou que a participação das mulheres em cargos de liderança no mundo corporativo ainda é um desafio.
Embora 81,5% delas já tenham sido lideradas por mulheres ao longo da carreira, apenas 35,9% trabalham ou já trabalharam em uma posição de liderança, enquanto a maioria, 64,1%, não tiveram a oportunidade de alcançar o posto.
Dentro do esporte, algumas empresas possuem mulheres em cargos de diretoria ou CEO. Um desses casos é Tatiana Fasolari, vice-presidente da Fast Engenharia, maior empresa de overlay da América Latina, que atuou nas Olimpíadas do Rio 2016, na Copa do Mundo do Brasil 2014, no GP de Fórmula 1 de São Paulo, no ATP 500 Rio Open 2019, nos Jogos Olímpicos da Juventude de Buenos Aires 2018 e nos Jogos Pan-americanos de Lima 2019, e vai promover neste ano os Jogos Sul-Americanos do Paraguai.
Formada com MBA na Fundação Getúlio Vargas, pós em negócios e administração com especialização para mulheres na Saint Pauls e London School of Economics and Political Science, especialista em análise de estratégias, vendas, estratégia de marketing, e hoje comanda uma equipe com cerca de 150 funcionários, dentro de um mercado predominantemente masculino.
Após assumir o negócio da família no lugar do pai, Tatiana trouxe um novo olhar para a empresa que, hoje, é considerada a maior da América Latina voltada para overlays (montagem de grandes estruturas provisórias). Graças ao empenho da Tatiana, a empresa possui escritórios em São Paulo, Rio de Janeiro, Peru, Argentina e Itália.
Patrocinador máster do time feminino da Ferroviária, do Brasileirão Série A e da Confederação Brasileira de Basquete (CBB), o galera.bet reafirma o compromisso com o futebol feminino.
“A representatividade da mulher em cargos de liderança vem aumentando ao longo dos anos em diversos setores, e essa crescente é vista também no esporte. No galera.bet, acreditamos na diversidade e incentivamos oportunidades, independente do gênero, identidade e/ou orientação sexual. Hoje, a maioria da diretoria da empresa é composta por mulheres, e isso se deve não só pelo momento do mercado, mas pela busca das mulheres por uma maior qualificação. Além disso, já nascemos com um histórico de incentivo a times femininos, sendo uma das primeiras casas de apostas a patrocinar um time feminino de futebol", afirma Andrea Vianna, CMO do galera.bet.
Outra importante parceira da CBF, a empresa GIROAgro, que patrocina o Campeonato Brasileiro e a camisa dos árbitros do Campeonato Mineiro, é considerada uma das cinco melhores empresas de agronegócios do Brasil, segundo ranking da Globo Rural, em parceria com a Serasa Experian. E a única empresa dessa lista com investimento 100% nacional.
"Exercer um cargo de liderança na GIROAgro, uma empresa em constante crescimento, é algo desafiador, mas ao mesmo tempo, muito gratificante. Nós, mulheres, temos maior sensibilidade para gestão de riscos, apoio, diálogo e suporte à equipe. Também nos dedicamos a criatividade para elaborar medidas a fim de promover o bem-estar dos colaboradores", afirma Ana Paula Sodré, gerente jurídica da empresa.
No âmbito das transmissões, a NSports, primeira plataforma de streaming esportivo do país, tem se destacado no apoio às mulheres que atuam no esporte. Além de transmitir a Liga de Basquete Feminino, a Liga Feminina de Futsal e a Superliga Feminina de Vôlei, a sportech também tem revelado grandes talentos para a mídia esportiva, como as narradoras Natália Lara e Milla Garcia, que hoje estão no Grupo Globo e nos canais ESPN, respectivamente.
“A NSports tem a valorização feminina no seu DNA. A gente sabe que o universo da transmissão esportiva ainda é predominantemente masculino e a única forma de mudar essa realidade é oportunizando novos talentos. Fico feliz por fazer parte dessa mudança e espero seguir um caminho de sucesso, assim como já foi feito por outras mulheres que tiveram sua primeira chance aqui”, afirma Letícia Macedo, narradora da NSports.
Além dos esportes tradicionais, o mercado de esportes eletrônicos, em franca ascensão, também abre espaços para cargos de liderança em organizações esportivas e empresas. A Ubisoft, uma das principais criadoras de games do mundo e desenvolvedora de títulos como Assassin's Creed, Just Dance e Rainbow Six Siege, conta com a profissional Bruna Soares como diretora na área corporativa da empresa no Brasil.
"Precisamos eliminar essa ideia de que, para trabalhar com games, é necessário ser uma super jogadora de videogames. Quando cheguei na Ubisoft, eram apenas seis funcionários no Brasil. Eu era analista de marketing e hoje sou diretora de Business Diversification. Cresci com a empresa. O setor de games e esportes eletrônicos é promissor e acredito que terá cada vez mais espaço para mulheres ocuparem cargos de liderança e de destaque, seja em equipes profissionais ou em empresas. Essa diversidade proporciona benefícios para todos", ressalta Bruna Soares, Diretora de Business Diversification da Ubisoft no Brasil.
Pelo mundo, o futebol também tem algumas representantes importantes e caminharam para este movimento há mais tempo do que no Brasil. Em julho deste ano, a Premier League anunciou a eleição de Alison Brittain como presidente, tornando-se a primeira mulher a ser nomeada para o cargo na liga que organiza o Campeonato Inglês.
Entre as agremiações, alguns exemplos estão no Bayern de Munique, da Alemanha. Uma das maiores potencias do mundo, Kathleen Krüger é gerente geral do clube desde de 2012.
No Chelsea, da Inglaterra, Marina Granovskaia é diretora executiva desde 2014. Já no também inglês Tottenham, a diretora de futebol é uma mulher: Rebecca Caplehorn. Já o Leganés, da Espanha, 'copia' o Palmeiras e tem Victoria Pavón como mandatária desde 2009, quando ela comprou a agremiação.
"O crescimento das mulheres em cargos de liderança só demonstra que o mercado hoje está muito mais aberto a oportunidades iguais para todos, e que as mulheres já estavam preparadas para esses cargos. Elas só não tinham, muitas vezes, a mesma oportunidades que os homens. E agora elas estão tendo cada vez mais", opina Fábio Wolff, sócio-diretor da Wolff Sports, empresa organizadora do Brasil Ladies Cup, uma das principais competições de futebol feminino no calendário brasileiro.