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Uma odisseia pela história da gravitação universal

A compreensão dos aspectos da Gravitação Universal representa um campo de estudo crucial na Física Clássica e Moderna.

Campo profundo do Universo: primeira foto divulgada pelo telescópio espacial James Webb (NASA/Reprodução)

Campo profundo do Universo: primeira foto divulgada pelo telescópio espacial James Webb (NASA/Reprodução)

Publicado em 17 de outubro de 2024 às 20h25.

Última atualização em 17 de outubro de 2024 às 20h29.

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Por Beatriz Franco

O ato de olhar o céu noturno em busca por algo interessante é um hábito milenar da espécie humana. No passado, as histórias de diferentes civilizações foram contadas sob a glória de uma abóbada celeste completa, coberta por milhares de pontos brilhantes, os quais diversos indivíduos dedicaram-se a observar, juntamente com outros fenômenos ou padrões desenhados no cosmos. Desse modo, a primeira fundamentação do conceito de Astronomia foi firmada: a curiosidade pelo que ocorre no céu.

O início do desenvolvimento desta ciência deu-se na Grécia, conclusão estabelecida por meio da quantidade de registros da época, além da influência que o conhecimento construído pela civilização exerceu na Europa entre os séculos XVI e XVII. Dentre diversos astrônomos gregos extremamente relevantes, cita-se Cláudio Ptolomeu, cientista que fez várias contribuições intelectuais a fim de explicar os movimentos do Sol e da Lua. Após observações cuidadosas, o astrônomo desenvolveu sua tese acerca da locomoção planetária, a qual propunha que a Terra seria o centro do Universo e, consequentemente, todos os outros astros a orbitariam seguindo a trajetória de um círculo perfeito.

Contudo, a forma como Ptolomeu estabeleceu o itinerário dos planetas era facilmente descartada ao analisar o movimento retrógrado, uma ilusão causada pela perspectiva da Terra em relação a planetas externos, devido às diferentes órbitas e velocidades. A priori, a resolução seria conceitualmente trivial, bastava adicionar mais círculos às órbitas planetárias. No sistema Geocêntrico Ptolomaico, a dinâmica dos astros é descrita como uma combinação de trajetórias circulares: cada planeta segue um caminho ao longo de um pequeno círculo denominado epiciclo, enquanto o centro do epiciclo percorre outro círculo maior conhecido como deferente. Sendo assim, os planetas percorreriam circunferências centradas em torno de um aro principal ao redor da Terra.

Anos se passaram, e, em 1531, um certo cometa percorreu os céus mais uma vez, sendo observado por um dos maiores nomes da Astronomia, Nicolau Copérnico. Esse período também marcou o início da contestação efetiva do modelo geocêntrico, liderada por Copérnico o que, dada sua influência significativa, possibilitou a visibilidade de tal ideia. Após um curto intervalo de doze anos desde a passagem do cometa, o astrônomo publicou sua principal obra, intitulada “Sobre a Revolução das Esferas Celestes”, na qual ele apresentou o postulado do modelo heliocêntrico, marcando a transição de como esse estudo se daria a partir deste insigne momento. Apesar da pressão da igreja católica- que repudiava incessantemente quaisquer ideais que contradiziam que Deus e, por conseguinte, o homem estaria no centro do Universo-, vários apoiadores de Copérnico surgiram, dentre eles, destacam-se nomes como o de Giordano Bruno.

O astrônomo italiano Galileu Galilei, outro apoiador da tese de Copérnico, ficou eternizado na história da humanidade como “pai da Astronomia Observacional”, sendo um dos primeiros homens a ter acesso a instrumentos tecnológicos como a luneta. O polímata fez duas observações tidas como problemáticas para as ideias da época, que defendiam um Universo perfeito e imutável. A primeira investigação referia-se à superfície da Lua, marcada por relevos, montanhas e crateras, invalidando o ideal de que os astros eram esferas perfeitas. Além disso, Galileu também estudou cuidadosamente Júpiter, contemplando pequenos pontos brilhantes que apareciam periodicamente ao redor do planeta, posteriormente identificados como os satélites naturais do corpo celeste, uma afirmação que ofendia o antropocentrismo, visto que a Terra não era mais o único local que continha luas, ameaçando uma supremacia da humanidade perante o Universo.

Apesar da aceitação e rápida disseminação da ideia, o modelo heliocêntrico não possuía uma precisão matemática, deixando questões como “a forma da trajetória que o planeta percorre” e “efetivação do cálculo da posição dos objetos astronômicos no futuro” em aberto. A partir dessas indagações, surge mais um personagem na história do desenvolvimento da Teoria da Gravitação Universal: Johannes Kepler, a figura que se propôs a responder às perguntas citadas anteriormente. Seu objetivo era ambicioso, ele queria encontrar leis cristalinas por trás da cinesia planetária.

Como um bom matemático, Kepler não aceitaria um modelo que não fosse coerente com os dados mais confiáveis acerca dos deslocamentos dos astros. Assim, com as informações coletadas pelo astrônomo dinamarquês Tycho Brahe, o trabalho culminou no livro “Astronomia Nova”, que contém em suas páginas um verdadeiro tesouro para o estudo astronômico: as leis do movimento planetário de Kepler. O primeiro postulado, conhecido como “Lei das Órbitas Elípticas”, afirma que os planetas do Sistema Solar percorrem órbitas elípticas, pouco excêntricas, com o Sol em um de seus focos. A segunda lei, nomeada “Lei das Áreas”, diz que um planeta perpassa áreas iguais em tempos iguais. Por fim, a "Lei dos Períodos" aponta que o quadrado do período da órbita é proporcional ao cubo do maior eixo da elipse, e a razão desses valores é constante para todas as órbitas. O feito de Kepler é  fenomenalmente monumental, com apenas três leis razoavelmente simples e matematicamente decretadas, ele apresentou previsões bem estabelecidas sobre astros orbitando o Sol.

Em 1682, cinco anos antes da publicação de uma das obras mais notáveis da história da Ciência, um determinado cometa cruzou o céu noturno novamente. O trabalho em questão é o “Philosophiae Naturalis Principia Mathematica” (“Princípios Matemáticos da Filosofia Natural”, traduzido para o português), redigido por Newton. Neste livro, o físico dissertou acerca das três leis do movimento e da famigerada Lei da Gravitação Universal.

A ideia por trás deste postulado é, provavelmente, a concepção mais significativa da Física. No final do século XVII, Sir Isaac Newton refletia sobre dois problemas: como reduzir as leis de Kepler em uma abordagem ainda mais simples, ou seja, explicar como e por que os planetas se movem; e o deslocamento dos corpos em geral. A partir das três leis de Newton, é possível consolidar que, ao determinar a força que atua em um corpo, sabe-se seu movimento. Sendo assim, para compreender a trajetória dos planetas, a força atuante sobre eles precisava ser decretada.

O momento “Eureka!” de Newton foi concluir que os dois problemas eram reduzidos a um só, isto é, as duas forças que precisavam ser estipuladas eram, na realidade, um único valor. Em conclusão, a força que faz uma maçã cair da árvore é a mesma força que faz os planetas orbitarem o Sol, analogamente, matéria atrai matéria.

A Teoria da Gravitação Universal foi, sem dúvidas, um feito que marcou uma mudança drástica de paradigmas que se estabeleceram vitaliciamente na Ciência. A partir das ideias de Newton, concluiu-se que as leis que regem o Cosmos são as mesmas leis que governam a Terra. Isso implica que todo o Universo obedece a regras e padrões em situações diferentes, por exemplo, o preceito que descreve o movimento do corpo humano é exatamente igual ao preceito que retrata a formação dos planetas. Tal percepção quebrou a ilusão de que o ser humano é superior ou maioral, agora a noção de que somos apenas parte de um todo pôde ser acessada e melhor compreendida.

Como já dito anteriormente, é necessário determinar a força atuante sobre um corpo para compreender seu movimento. A Lei da Gravitação Universal é, simplesmente, a expressão para a força da gravidade, que é diretamente proporcional ao produto entre a massa dos dois corpos e a Constante Gravitacional - convencionalmente reduzida a “G”-, e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre os centros de massa.

A partir desta expressão, alguns fenômenos são minuciosamente estudados e descritos, entre eles a queda de um corpo na Terra. Idealiza-se a seguinte situação problema: qual é a aceleração causada pela força da gravidade sobre um lápis? Sabe-se que a força citada é calculada a partir de quatro valores: a massa do lápis, a massa da Terra, a distância entre os centros de massa e a constante da gravitação. Sendo assim, para efetivar a resolução da interrogação, é conveniente retomar a conclusão de Newton, a qual reduziu a força que descrevia a queda de corpos e a força que regia o deslocamento planetário a um único valor.

Igualando as duas equações, note que a massa (m) é excluída da relação. Assim, conclui-se que a aceleração (a) é diretamente proporcional ao produto entre a Constante Gravitacional e a Massa 2- neste caso, a massa da Terra- e inversamente proporcional à distância dos centros de massa- na situação, reduzida ao raio da Terra. Ao realizar a conta, encontra-se o valor aproximado de 9,81 m/s², uma constante que representa a aceleração da gravidade que atua sobre qualquer corpo inserido na Terra. Outra consequência de profunda relevância é que este valor não depende da massa do corpo, ou seja, ao ignorar a resistência do ar, a aceleração gravitacional na superfície terrestre é a igual para todos os corpos.

As decorrências da descoberta de Newton também foram responsáveis por descrever satisfatoriamente a locomoção dos corpos celestes. Uma das ideias advindas das três leis do movimento de Newton proclama que a força é uma grandeza vetorial, o que implica que, além da intensidade, o sentido e a direção são relevantes na sua caracterização. No caso da gravidade, é bastante intuitivo indicar tais particularidades. Em um sistema com dois corpos celestes - por exemplo, a Terra e a Lua - a força gravitacional da Terra, ativa sobre a Lua, atrai o satélite em direção ao planeta; assim como a força gravitacional da Lua operante sobre a Terra, aproxima o planeta em direção ao satélite. Nitidamente, o sentido das forças aponta de um corpo para o outro, assemelhando-se a um cabo de guerra universal.

É coerente pensar que a interação de atração constante entre os dois corpos gerará uma colisão. Contudo, nitidamente, tal hipótese não é constatada na realidade. A clássica pergunta do porquê a Lua não colide com a Terra é facilmente respondida ao unir a Gravitação Universal a outro conceito basal da Física: a Energia. A gravidade é uma força, uma força movimentando um corpo gera o trabalho de uma força, a energia, por sua vez, é descrita como a capacidade de ocasionar trabalho. Dessa forma, conclui-se que a gravidade é capaz de provocar a realização de tal grandeza física. Esta afirmação é
utilizada para conceituar a Energia Potencial Gravitacional, definida como o potencial que a força da gravidade tem de propiciar o trabalho de uma força.

Retomando o exemplo da queda do lápis, no momento em que ele está em repouso sobre a mesa, percebe-se que o corpo possui um alto valor de Energia Potencial Gravitacional, determinado pelo produto entre a massa do corpo, a aceleração gravitacional e a altura em relação à superfície; em contrapartida, a Energia Cinética- a qual é diretamente proporcional ao produto entre a massa do corpo e o quadrado de sua velocidade, e inversamente proporcional a dois- do lápis é nula, dado seu estado inercial. No instante em que a queda se inicia, o corpo começa a acelerar, ação devida à realização do trabalho da força gravitacional. Durante esse processo, a altura está sendo substituída por velocidade, ou seja, a Energia Potencial Gravitacional está sendo transformada em Energia Cinética.

No caso do Sistema Terra-Lua, existem outros fatores além da gravidade que influenciam o complexo. Diferentemente do lápis em sua condição inicial, a Lua nunca atingiu o estado de repouso, pelo contrário, ela se move com uma velocidade elevada. A partir de certa velocidade e, consequentemente, Energia Cinética, o corpo tende a entrar em órbita, um movimento de queda eterna. O satélite natural possui uma alta Energia Cinética, mas a gravidade ainda age de forma relevante no agrupamento, de forma a atrair a Lua para perto da Terra, realizando trabalho e, por conseguinte, alterando a intensidade da Energia Potencial. Essa energia, por sua vez, é transformada em Energia Cinética, e, por conta de sua alta velocidade, a Lua propende a afastar-se da Terra. Para efetivar este deslocamento, é preciso desempenhar um trabalho contrário ao da força gravitacional, o que exigiria Energia Cinética e, assim, aumentaria a Energia Potencial. Com essa mudança, a Lua retoma a aproximação com a Terra, iniciando a repetição do ciclo descrito. Todas as órbitas celestes são estabelecidas e funcionam de acordo com o delicado equilíbrio entre as duas formas de energia.

Ao resolver matematicamente as equações de Newton com certo rigor, descobre-se que só existem dois tipos de órbita. O primeiro caso é justamente o discutido precedentemente, chamado de órbita fechada, na qual o sistema possui Energia Cinética suficiente para não acarretar uma colisão, mas não possui energia suficiente para escapar do campo gravitacional. No outro cenário, denominado órbita aberta, há tanta Energia disponível que o corpo consegue escapar do campo gravitacional; tal incidente é observado em alguns cometas que, ao longo de seu percurso, tangenciam o planeta, o que afeta sua trajetória, e, em seguida, retomam seu itinerário rumo ao espaço distante.

Algumas contas envolvendo o conceito de gravidade são relativamente simples. Na superfície terrestre, a distância entre os corpos não varia significativamente, e o fato de que o corpo atrai a Terra pode ser ignorado, já que a atração é quase irrelevante quando comparada com a massa do planeta. Por outro lado, explicar o movimento planetário a partir das leis de Newton e da Gravitação Universal é uma tarefa tão complexa que exigiu o desenvolvimento de uma nova área da matemática, o Cálculo Diferencial Integral.

Com esforço e técnica, essas contas são solucionáveis, como o britânico Edmond Halley provou pela primeira vez. O astrônomo utilizou as ideias de Newton para comprovar que os cometas, posteriormente nomeado de Cometa Halley em sua homenagem, observado por Copérnico, Kepler e Newton, eram, na realidade, o mesmo objeto celeste, provando a capacidade das conjecturas de Newton em descrever a dinâmica dos corpos astronômicos.

As confirmações do sucesso de Newton perduraram durante os séculos seguintes, nos quais físicos e matemáticos utilizam seus conceitos para estudar a mobilidade de astros e corpos mundanos. Até aparentes erros na teoria newtoniana mostraram-se acertos extraordinários. Tal afirmação é exemplificada pela situação em torno da órbita de Urano, observada pela primeira vez em 1781 e que, a priori, divergiu do que foi previsto pela física da época. Uma das possibilidades visava a um erro suposto por Newton. Contudo, também havia a chance de que essa diferença fosse uma perturbação causada por um oitavo planeta no Sistema Solar. Em 1846, o planeta em questão, Netuno, foi descoberto.

Isaac Newton foi o maior físico já existente, e sua obra, Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, é um marco monumental na abordagem da Física. Contudo, destaca-se que o trabalho científico é indiscutivelmente colaborativo. As enunciações formalmente apresentadas por Newton são resultados de séculos de contribuições de diversos cientistas.

“Se eu vi mais longe foi por estar no ombro de gigantes”- Sir Isaac Newton
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