O paradoxo China: a líder em energia renovável volta a investir em carvão
Após um período de declínio em novos projetos, gigante asiático planeja adicionar um Estados Unidos em energia gerada com o combustível fóssil
Rodrigo Caetano
Publicado em 29 de julho de 2020 às 11h00.
Última atualização em 29 de julho de 2020 às 17h14.
O mercado de energia solar não funciona sem a China. De cada 10 painéis fotovoltaicos instalados no mundo, 6 foram fabricados no gigante asiático. O país responde por quase um terço de toda a energia limpa gerada no mundo, de acordo com dados da Agência Internacional de Energia.
Até 2025, a Agência Internacional de Energias Renováveis (Irena) estima que a China terá o dobro de painéis solares instalados do que os Estados Unidos. Os chineses também são importantes no desenvolvimento das tecnologias de geração limpa. Cerca de 30% das patentes registradas na área foram desenvolvidas no país.
O carvão, o mais poluidor entre os combustíveis fósseis, sempre foi a base da matriz energética chinesa, mas vinha perdendo espaço. A partir de 2016, o governo central começou a restringir os projetos, muito em função de um excesso de capacidade. De acordo com dados do Global Energy Monitor, organização sem fins lucrativos que acompanha o mercado de combustíveis fósseis, esse excesso gira em torno de 400 GW.
Então, veio a pandemia.
De janeiro a junho, a China aprovou projetos de novas usinas a carvão que somam 17 GW em capacidade. É mais do que o dobro do aprovado nos últimos dois anos, somados. Com isso, o país chega a um total de 249 GW de energia a carvão em desenvolvimento, número 21% maior do que o registrado no ano passado e equivalente a toda capacidade da indústria carvoeira dos Estados Unidos.
Os dados constam em um relatório do Global Energy Monitor, feito em parceria com o Centre for Research on Energy and Clean Air (CREA). Esse ressurgimento do setor, diz o documento, não é motivado pela necessidade de aumentar a oferta de energia para abastecer a retomada econômica pós-covid, mas por incentivos econômicos mal direcionados.
“Uma corrida para ganhar participação de mercado em geração de energia e mineração, e para elevar os números do PIB com megaprojetos, levou a esse descontrole da expansão da energia a carvão no país”, afirma o relatório. “O cenário é viabilizado por bancos estatais que financiam empresas estatais com pouca análise.”
Esse descontrole pode ser catastrófico para o planeta. A China é a maior emissora de carbono do mundo. Na década de 90, o país emitia metade dos gases do efeito estufa dos Estados Unidos, até então o líder em poluição. Em 2017, o volume chinês era duas vezes maior do que o americano, embora, na mesma época, a economia da China equivalesse a 63% da economia dos Estados Unidos.
Em termos de emissões per capita, os americanos seguem na liderança. Mas os chineses estão se aproximando. Com o aumento do carvão, é improvável que a China consiga reduzir as suas emissões.
A questão trazida pelo relatório do CREA e do Global Monitor é que esse investimento em carvão serve apenas para elevar o PIB. Como há um excesso de energia, a maior parte das usinas opera com apenas 49% da capacidade. “As 360 usinas construídas entre 2015 e 2019 representam pelo menos 80 bilhões de dólares em investimentos desperdiçados”, afirmam as organizações. “Esses custos constituem oportunidades perdidas de investir em geração renovável, de baixo carbono e cada vez mais barata”.
Ao que parece, o governo chinês já está atento ao problema. No mês passado, seis ministérios chineses, incluindo a Agência Nacional de Energia e a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, afirmaram que usinas a carvão só devem ser construídas em caso de necessidade. A questão é se a necessidade é por energia ou por projetos faraônicos que ajudem a melhorar, ao menos na aparência, os números da economia.